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Morte de Marielle: "Há poucas dúvidas de ligação com político importante"

Monica Tereza Azeredo Benicio, viúva da vereadora Marielle Franco - AF Rodrigues/Claudia
Monica Tereza Azeredo Benicio, viúva da vereadora Marielle Franco Imagem: AF Rodrigues/Claudia

Natália Eiras

Da Universa

26/01/2019 04h00

Monica Benicio, 32, companheira de Marielle Franco, conversou com a Universa sobre a investigação do assassinato da vereadora do Rio de Janeiro (RJ), em março do ano passado. Ativista, ela também falou sobre a renúncia do deputado federal eleito Jean Wyllys

Companheira de Marielle Franco há 14 anos, a arquiteta Monica Benicio, 32, diz que não tem medo de morrer. "O motivo que me fazia temer pela minha vida foi enterrado no dia 14 de março."

À Universa, a ativista, que ocupará cargo de assessora da bancada parlamentar do PSOL no Congresso Nacional, em Brasília (DF), fala que é este "destemor" que a motiva a continuar lutando pela resolução do assassinato da vereadora do Rio de Janeiro (RJ), há pouco mais de 10 meses.

"Há poucas dúvidas sobre o envolvimento de uma figura política importante que acredite que seja tão poderoso a ponto de ter certeza da impunidade", afirma a arquiteta de formação. 

Nesta semana, tornou-se público um possível elo entre o senador eleito Flávio Bolsonaro e o grupo miliciano Escritório do Crime, suspeito de envolvimento no assassinato de Marielle e do motorista Anderson Gomes. O filho do presidente Bolsonaro empregou familiares de Adriano Magalhães da Nóbrega em seu gabinete quando era deputado estadual.

Adriano é apontado pela polícia como uma das lideranças da milícia que operava na zona oeste do Rio. Monica não se surpreende com a ligação. "Desde o início, uma das vertentes [das investigações] era de que figuras importantes, oficiais do Estado e milicianos estivessem envolvidos no assassinato de Marielle", afirma. 

Ainda assim, a ativista evita comentar diretamente o caso. "Precisamos ver o final do inquérito para falar sobre isso, sobretudo porque estamos no Rio de Janeiro, que é uma cidade regida por um grupo paramilitar muito violento", diz a arquiteta. 

Marielle, Jean Wyllys e Monica em foto publicada pela arquiteta nesta quinta-feira (24) - Reprodução/Instagram/@monicaterezabenicio - Reprodução/Instagram/@monicaterezabenicio
Marielle, Jean Wyllys e Monica em foto publicada pela arquiteta nesta quinta-feira (24)
Imagem: Reprodução/Instagram/@monicaterezabenicio

Jean Wyllys

Nesta quinta-feira (24), Jean Wyllys declarou em entrevista à "Folha de S.Paulo" que, após receber ameaças de morte, decidiu renunciar ao mandato de deputado federal e não voltar mais ao Brasil. O político disse não se sentir seguro em um ambiente em que um deputado estadual pode estar envolvido na execução de uma vereadora. 

Diante destas questões políticas e de segurança pública no estado do Rio, Monica diz nunca ter pensado em desistir da militância, mas que compreende a decisão do amigo pessoal. "É muito lamentável que a gente tenha um parlamentar como ele como o primeiro exilado deste atual governo."

"Jean está certíssimo em se resguardar. Ele está valorizando a própria vida. Em uma sociedade em que as pessoas estão compactuando com a violência, é muito sábio fazer isso, porque ele ainda trará muitas outras contribuições para a gente". 

Monica pontua que nunca conversou com Jean Wyllys sobre as ameaças, mas que, pelo que pode observar, acredita não se tratarem apenas de mensagens de opositores. "Não eram mais ameaças em cima de discurso de ódio, ele tinha recebido coisas de outras naturezas, mais diretas", diz.

Marielle Franco (à esq.) e Monica Benicio: "O motivo para eu ter medo foi enterrado no dia 14 de março" - Reprodução/Instagram/@monicaterezabenicio - Reprodução/Instagram/@monicaterezabenicio
Marielle Franco (à esq.) e Monica Benicio: "O motivo para eu ter medo foi enterrado no dia 14 de março"
Imagem: Reprodução/Instagram/@monicaterezabenicio

Ameaças e perseguição

Monica também recebe muitas mensagens de ódio nas redes sociais, mas garante que os textos não a fazem se sentir em perigo. "Marielle não recebeu ameaça nenhuma antes de morrer, por exemplo", reflete.

No entanto, os alertas e as ameaças dirigidos a ela já não se restringem aos ambientes digitais e a acompanham nas ruas.

"Já falaram para mim que eu devia parar de falar tanto, que poderia ter o mesmo fim que Marielle." Ela ainda costuma ouvir gritos de quem cita palavras de ordem e até o nome do presidente Jair Bolsonaro. "Berram coisas que acham que podem ser ameaçadoras para mim". 

O sinal vermelho acendeu na cabeça de Monica quando, em maio do ano passado, se viu seguida por um carro.

"Eu estava na calçada e [o automóvel] ficou me acompanhando na contramão. Quando dei a entender que iria atravessar a rua, ele acelerou para cima de mim. Recuei achando que havia sido um erro do motorista, mas quando fiz que iria atravessar, ele acelerou novamente e saiu em disparada". O mesmo veículo surgiu depois parado em frente à casa da arquiteta. "Piscou o farol e saiu andando." 

Este episódio motivou Monica a entrar com um pedido de proteção à Comissão Interamericana de Direitos Humanos. "Fiz o relato e pedi a medida cautelar, porque o que me coloca em risco é o assassinato de Marielle não ter uma solução", afirma.

Para ela, a providência foi necessária porque, por mais que não tenha medo, quer viver para continuar a lutar. "É uma forma de colocar pressão no governo. Estou aqui para fazer barulho. Ainda tenho muito caminho e luta pela frente."