Vereadora que levou coworking para Câmara já foi agredida e é contra aborto
O Capão Redondo já era considerado o bairro mais violento da cidade de São Paulo quando Janaína Lima, 34, sofria agressões dentro da própria casa, na década de 1990. E torcia diariamente para a brutalidade não ultrapassar as quatro paredes. "Descia do ônibus pensando 'hoje sou eu'", conta ela após falar sobre combate ao estupro.
Veja também
Ela deixou um cargo de diretora, empreendeu e hoje fatura R$ 3 milhões
MBL é seita juvenil, diz vereadora que quer mandato feminista no Congresso
"Feministas têm comportamento vexaminoso", diz Joice Hasselmann
Primeira vereadora eleita pelo partido Novo na capital, e pioneira no conceito de coworking legislativo no país, diz ser comprometida no combate à violência contra a mulher, na briga pela igualdade de gêneros. Ela afirma que respeita a decisão pelo aborto, "mas somente dentro das medidas legais" -- ou seja, quando há risco de morte da mãe, anencefalia e em vítimas de estupro.
"Sou contra o aborto fora desses casos porque quando minha mãe descobriu que estava grávida, meu pai, desempregado e num ato de desespero, a mandou tomar um chá para abortar. Ela se recusou. Nasci com muitos problemas de saúde, epilepsia grave, mas cheguei até aqui e sou orgulho para meu pai. Agora, nos casos em que é permitido por lei, a decisão é da mulher e respeito isso", justifica ela, mãe de um menino de dois anos.
O pai de Janaína, o motorista de ônibus Expedito Lima, era alcoólatra e agredia a vereadora quase todos os dias de sua infância. Seus pais se separaram quando ela tinha 12 anos. "Com a ajuda da nova mulher e da religião ele se curou e hoje somos amigos". O irmão mais velho também era dependente químico, e tentou, por 23 anos, tratamento contra o vício em drogas. "Todos os dias é uma luta para se manter longe das drogas e tenho orgulho dele", afirma.
Mas para as mulheres que não recebem ajuda espiritual ou não têm uma rede de apoio para se livrar das agressões e vícios, Janaína aposta no treinamento de agentes da GCM (Guarda Civil Metropolitana) para atender vítimas de violência, na promoção de mediação de conflitos e nas políticas de primeira infância, uma das suas bandeiras. Semana passada, inclusive, lançou o Plano Municipal pela Primeira Infância, em que várias pastas como Educação, Saúde e Assistência e Desenvolvimento Social coordenam em conjunto ações para o público de zero a seis anos. As crianças serão cadastradas num sistema único, acessado por diferentes secretarias, que verão, por exemplo, o histórico de vacinação ou quem é vítima de violência doméstica.
"Não pedi licença para entrar"
Eleita com mais de 19 mil votos, em 2016, Janaína encontrou uma Casa onde a proporção de mulheres é de 9 para 45 vereadores eleitos. Afirma não se permitir sofrer machismo no local de trabalho. "Não pedi licença para entrar e não aceito que nenhum homem, nem ninguém, tire um milímetro do espaço que foi conquistado pelo voto popular", diz ela, que em 2014 concorreu a uma vaga na ONU Mulheres América Latina e Caribe, dedicada a promover a igualdade de gênero.
No início do mês, subiu o tom numa discussão com o presidente da Casa, Milton Leite, sobre a ideia de levar para o local o que é considerado o primeiro coworking legislativo do Brasil. "Se cercar vira hospício, se cobrir vira um circo", gritou ela no plenário, após críticas do político.
O objetivo do coworking em seu gabinete é dividir tarefas, espaço e recursos entre pessoas de funções distintas. De dentro da sua sala no sexto andar, reformada por empresas parceiras, Janaína e equipe recebem e analisam ideias levadas pela população para a cidade. A intenção é selecionar os projetos possíveis de realizar, voltados para zeladoria, empreendedorismo e primeira infância. No site da vereadora, qualquer um pode cadastrar as propostas. Até agora, contabiliza ter dado andamento a 284 demandas, entre elas limpeza da fachada do Pateo do Collegio, marco zero da cidade que em abril deste ano amanheceu pichada. Algumas tiveram apoio da iniciativa privada.
A reclamação da Casa é que a vereadora estaria abrigando empresas num espaço destinado ao exercício do mandato, e utilizando verba pública para tal. Janaína garante que não é isso. "Aqui não entra dinheiro. A gente recebe projetos e levamos alguns para empresas apoiarem. O que posso dizer a elas é que o nome dessa empresa será divulgado", justifica.
"A ideia é o compartilhamento de poder. A gente quer formar uma rede de voluntários para que eles sejam a ponte não só para trazer problemas, mas propor soluções. Todo mundo quer colaborar. O problema é que não existem regras claras de como regulamentar essa relação entre poder público e iniciativa privada. Estamos sugerindo uma inovação, mas a Casa ainda não entendeu a proposta".
A assessoria de imprensa da presidência da Câmara Municipal de São Paulo procurou a reportagem para esclarecer que na sessão do dia 7 de novembro, ocasião da discussão, o presidente Milton Leite comunicou que "todos os projetos conduzidos pelos vereadores devem cumprir o Regimento Interno e as leis em vigor". E, de acordo com as normas da casa, informa o órgão, "as cessões de uso dos espaços da Câmara podem ocorrer apenas para eventos pontuais". Em nota enviada, a assessoria da Casa informa ainda que "todos os bens móveis que guarnecem o gabinete, como computadores, são custeados com dinheiro público, e se destinam única e exclusivamente ao exercício do mandato”, segundo trecho do parecer da Procuradoria lido por Leite na ocasião.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.