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"Sou sua mãe, você me deve gratidão": isso faz algum sentido?

De acordo com especialistas, esperar gratidão pode causar frustração tanto nos pais como nos filhos - iStock Images
De acordo com especialistas, esperar gratidão pode causar frustração tanto nos pais como nos filhos Imagem: iStock Images

Natália Eiras

Da Universa

23/11/2018 04h00

"Eu faço tudo por você" e "Você vai ver quando eu morrer" são frases comuns de pais que esperam que os filhos sejam eternamente gratos por tudo que eles, os progenitores, fizeram. E, muitas vezes, estes pais esperam que a gratidão motive seus filhos a cuidarem deles durante a velhice. Fazer este tipo de exigência traz, no entanto, malefícios em vez de despertar o senso de retribuição nas crianças. De acordo com especialistas exigir algo em troca pode causar dependência emocional nos pais e ansiedade nos filhos.

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"Há dois tipos de relações: as horizontais, onde os envolvidos são iguais e fazem trocas, e as verticais, em que um indivíduo 'superior' dá e cuida do 'inferior'", explica o psicólogo Roberto Debski. "Uma relação saudável entre pais e filhos é vertical, em que os pais devem cuidar e prover sem esperar nada em retribuição".

Porém, de acordo com a psicóloga Deborah Moss, é muito comum -- e, de certa forma, natural -- que pais criem expectativas para os filhos. "Eles são um projeto onde depositam os sonhos que não realizaram, criam todo um enredo", fala a especialista. A exigência da gratidão nasce desta expectativa, mas os pais precisam administrar esse sentimento para não se frustrarem.

Gratidão por natureza

A contadora Magda Barrios, 43, de Campos de Goytacazes (RJ), é filha de mãe solteira. A família a criou para agradecer sua genitora por absolutamente tudo, a ponto de fazê-la se sentir culpada. "Tinha que agradecer até pela minha existência", fala a mãe de Pedro, 9, e Gabriel, 1. "Luto internamente para não repetir esse padrão. É difícil, muitas vezes faço e não percebo, mas me policio ao máximo porque quero ter uma relação leve com eles".

Segundo Debski, uma pessoa justa e emocionalmente saudável é grata por natureza, já que o sentimento faz parte da humanidade. "Um filho que está bem vai agradecer até pela própria vida", fala o psicólogo. Ainda assim, o especialista pontua que o ideal seria fazer um favor ou cozinhar o almoço sem esperar gratidão. Nem dos filhos e nem de ninguém. "Mas, lá no fundo, todos queremos o reconhecimento e todos deveríamos dá-lo".

Deborah complementa, no entanto, que uma relação afetuosa e próxima, unida à gratidão natural do ser humano, é o bastante para que o filho tenha a motivação de fazer coisas como cuidar dos pais na terceira idade. "Quantas pessoas colocam os pais em um asilo e esquecem a chave?", afirma a psicóloga. "A questão é o afeto, aquele compromisso com a relação. Quando eu ficar velho ele vai cuidar de mim?. Que tipo de cuidado se espera dessa cobrança? Que paguem suas despesas? Ou que te ampare, te dê afeto?", diz.

A função dos pais, de acordo com Roberto Debski, é "criar o filho para o mundo". Querer que o rebento, mesmo na vida adulta, viva a vida toda com o objetivo de estar perto e suprir as necessidades dos progenitores pode causar uma inversão de papéis. "Os pais podem ficar infantilizados e querer que os próprios filhos sejam seus cuidadores".

No Brasil, é comum que os filhos fiquem a maior parte da vida morando na casa dos pais. Isso quando eles não mudam para um "puxadinho" nos fundos da casa dos progenitores. "Tem essa afetividade do brasileiro de viver em uma grande família", fala Deborah Moss. Essa cultura muito comum em países latinos evita que haja uma independência inclusive dos pais.

Independência mútua

Magda diz que, para manter uma boa relação com os filhos, procura ter a própria independência emocional. "Tento enriquecer a minha vida madura com lazer, companheirismo e promover que os momentos que vamos passar juntos sejam de amizade, sem carências", fala a contadora. "Por isso, acho importante praticar o individualismo saudável, ter momentos meus para não projetar neles toda a minha existência".

"Há pais que vestem o uniforme parental e esquecem completamente do resto", afirma Roberto Debski. "Esquece que são um indivíduo que tem os próprios objetivos e projetos, que os filhos são pessoas diferentes deles". Ter sua própria vida fora do núcleo familiar, cuidar da relação com o par e ter seus próprios projetos ajudam a deixar a relação com os filhos mais saudável, já que eles não serão mais o centro de sua vida.

Deborah adiciona, ainda, que a melhor herança que os pais podem deixar para a família é cuidar da própria saúde mental, emocional e financeira. "E é um exemplo para a criança, de que é preciso se cuidar. Nós temos que nos preparar para envelhecer sem precisar dos nossos filhos".