Topo

Transforma

Mulheres protagonizam um mundo em evolução


Ouvi que seria processada por aliciar menor, diz professora demitida no ABC

Juliana Lopes lecionou História, Atualidades e Cinema no colégio Liceu Jardim por três anos - Arquivo Pessoal
Juliana Lopes lecionou História, Atualidades e Cinema no colégio Liceu Jardim por três anos Imagem: Arquivo Pessoal

Talyta Vespa

Da Universa

06/11/2018 04h00

A professora de História, Atualidades e Cinema, Juliana Lopes, foi desligada do colégio particular Liceu Jardim, no ABC Paulista, na última terça-feira (29). Segundo a escola, Juliana foi demitida por dois motivos: um deles diz respeito ao "posicionamento político excessivo da educadora", que contou em sala de aula que não votaria em Jair Bolsonaro. O outro, devido ao fato de Juliana ter deixado a sala de aula sem pedir autorização à direção. Juliana, de sua parte, diz que não tinha esse tipo de posicionamento e que avisou, por meio de mensagem de celular, que não tinha condições de continuar trabalhado aquele dia porque havia tido uma crise emocional. E ela vai além. "Na demissão, disseram que minha manifestação política podia gerar um processo criminal por aliciamento de menores", diz a professora. 

À Universa, Juliana afirma que a única vez que se posicionou politicamente foi quando, depois de muita insistência por parte dos alunos, disse em qual candidato jamais votaria, Jair Bolsonaro. “Os ânimos estavam à flor da pele, os jovens perguntavam diariamente em quem eu ia votar. Tentei me esquivar algumas vezes, mas, depois de muita insistência, resolvi dizer que, no Bolsonaro, não votaria em hipótese alguma pelo projeto de governo autoritário e excludente e pelo desrespeito às minorias”, diz Juliana.

A historiadora trabalhava no Liceu Jardim havia três anos. Entre os principais projetos desenvolvidos por ela, destacam-se a criação de um coletivo feminista e periódicas saídas culturais. Segundo ela, o rumo progressista que a escola passou a tomar foi malvisto pelos pais. “A direção do colégio me deu liberdade para implantar esses projetos, mas quem tem o poder econômico são os pais, e eles estavam insatisfeitos”, explica.

Depois do posicionamento da professora em relação às eleições presidenciais -- feito antes do primeiro turno -- alguns alunos passaram, em casa, a questionar os pais, em sua maioria eleitores de Bolsonaro, alega Juliana. “Essas pessoas procuraram a direção, dizendo que a culpa dos questionamentos dos filhos era dos ‘professores comunistas, petistas e guerrilheiros que estariam doutrinando os adolescentes’.”

A professora afirma que não existe doutrinação na escola. “É absurdo falar em doutrinação sabendo que é preciso se desdobrar para que 40 adolescentes prestem atenção em você por uma ou duas horas. A doutrinação só acontece em espaços onde não há debate: no ambiente familiar, porque o jovem precisa obedecer aos pais e não os questionar, e em ambientes religiosos, porque não é permitido desafiar o líder. A escola é lugar de debate”.

E eram os debates que mais caracterizavam as aulas de Juliana, segundo uma ex-aluna do Liceu Jardim, que preferiu não se identificar. “Todas as ideias tinham espaço, a gente podia debater, ouvir opiniões contrárias e discutir as melhores. Na escola, aprendi o verdadeiro conceito de cidadania e o peso do meu voto. Inibir esse tipo de discussão é impedir que os alunos se tornem adultos com consciência crítica”.

Na segunda-feira que sucedeu o domingo de decisão eleitoral (28), todos os professores estavam avisados: o assunto "política" estava proibido na escola, segundo Juliana. As câmeras, instaladas nas salas de aula, seriam fiscalizadas durante todo o dia. “Se algum professor descumprisse a regra, seria punido. O clima era de tensão. Os alunos discutiam, todos efervescentes. Alguns, comemorando a vitória. Outros, criticando os que celebravam. Eu estava aplicando prova e não aguentei, tive uma crise de choro. Não tinha condições de continuar na escola naquele dia. Fui socorrida por uma colega e pedi à direção, por mensagem de celular, que fosse para casa. Não obtive resposta, mas fui embora mesmo assim”, diz.

Juliana afirma que mandou uma segunda mensagem para a direção do colégio, se desculpando por ter deixado a sala de aula. “Sugeri que descontassem meu dia de trabalho, apesar de achar que não seria um problema, já que havia passado o domingo na escola em uma festa com os alunos do terceiro ano”, conta. No entanto, ao chegar ao trabalho no dia seguinte, foi convocada para uma reunião.

“Foi uma conversa amistosa. A escola disse que houve um movimento de pais insatisfeitos, que começaram a pressionar a diretoria para que existisse uma escola sem partido. Tentei argumentar dizendo que esse projeto é falacioso e sugerido por pessoas que nunca lecionaram. Mas não adiantou. Aos alunos, foi notificado que eu usava o horário de aula para fazer palanque, coisa que jamais aconteceu.”

Juliana diz que é difícil conter a decepção. “Eles se pronunciaram afirmando que eu era uma doutrinadora que abandonou o emprego e que, mesmo assim, tiveram compaixão de mim, já que quiseram me proteger”, diz.

Segundo a professora, os dois lados ideológicos sempre foram incentivados em suas aulas. "Eu desenvolvi um projeto com os alunos do Ensino Médio em que eles precisaram criar plataformas de governo de partidos políticos, cada um com a orientação política que quisesse. Eu sou professora de atualidades, é claro que eu falo de política. Nesse projeto, todos os alunos tiveram liberdade para discutir cada um com sua ideologia. Minha demissão foi política, mas palanque eu nunca fiz”.

O outro lado

O colégio Liceu Jardim confirma que falou para a professora sobre a possibilidade de processo por aliciamento de menores. Por meio de uma nota, informou à Universa:

"No dia 30 de outubro, optamos por desvincular uma das integrantes do nosso quadro de docentes, cabendo-nos esclarecer:

Nas redes sociais e imprensa, surgiu uma informação fictícia e deturpada, segundo a qual a professora teria sido desligada por suas publicações no Facebook particular. Essa versão é absolutamente infundada. Seria disparatoso, além de condenável, que a escola usasse de alguma prática de censura e patrulhamento aos seus colaboradores - dentro e fora do nosso ambiente, incluindo as redes sociais.

Mesmo orientando e reorientando a professora sobre a posição, não apolítica, mas apartidária e plural do nosso projeto pedagógico, houve desafios para que as diretrizes da escola fossem atendidas em sala de aula, garantindo o direito à aprendizagem dos alunos. Na última segunda-feira, para surpresa de todos, alegando que diante do resultado das eleições não teria condições emocionais para prosseguir com suas atividades docentes, unilateralmente deixou seu local de trabalho, apesar de ainda ter nove aulas para serem ministradas.

Como instituição de ensino voltada para formação de crianças e jovens, mesmo assegurando aos nossos docentes a liberdade de cátedra, sob a crença de que a escola é, por excelência, um ambiente de construção da tolerância e do respeito ao diferente, impõem-se-nos os limites éticos inerentes à faixa etária de nosso alunado.

Em síntese, reafirmamos nossa crença no papel do espaço escolar como o ambiente propício para o debate e a compreensão das grandes questões da contemporaneidade, objetivando formar cidadãos autônomos, capazes de dimensionar e redimensionar o mundo por si mesmos.

Ao mais, agradecemos as contribuições da professora, a despeito dos acontecimentos, desejando-lhe votos de êxito em seus novos desafios profissionais."