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Mulheres contam como ataques de fúria as levaram a mudar de vida

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O estresse pode ser o gatilho para a ocorrência do surto

Por Beatriz Santos e Simone Cunha

17/10/2018 04h00

Por conta da pressão no trabalho, a empresária Mariana Marques, de 32 anos, teve um pico de estresse muito elevado. Ela trabalhava em uma empresa que mantinha uma exigência de pontualidade exagerada e procurava se organizar para nunca atrasar. No entanto, em meados de 2013, ocorriam em São Paulo vários protestos que fechavam terminais de ônibus e vias públicas. Em uma determinada manhã, Mariana acabou pegando uma delas. 

“Estava parada há duas horas dentro do carro e percebi que não conseguiria chegar no horário. Começaram a me ligar e eu fui ficando cada vez mais nervosa. Lembro apenas que me deu falta de ar e, quando recuperei a consciência, estava com as mãos ensanguentadas. Acredito que me debati dentro do carro, soquei o painel, algo assim. Comecei a chorar desesperadamente. Foi horrível”. Após esse episódio, ela decidiu mudar de trabalho e, com a ajuda da terapia, apostou em um novo estilo de vida, para controlar o estresse e a depressão.

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O estresse pode ser o gatilho para a ocorrência do surto. De acordo com a psiquiatra Liliana Seger, coordenadora do grupo de Transtorno Explosivo Intermitente do Ambulatório dos Transtornos do Impulso (PRO-AMITI) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, em São Paulo, o estresse é dividido em três fases: 1) alarme, 2) luta ou fuga e 3) prontidão relaxada. “A doença aparece quando a terceira fase não acontece e a pessoa fica oscilando entre a fase 1 e a 2, até chegar à exaustão”, explica a especialista.

Segundo Liliana, a raiva é um denominador comum para uma série de transtornos, e pode variar de intensidade e frequência. “Algumas mulheres deprimidas apresentam irritabilidade forte, como se estivessem em uma tensão pré-menstrual constante”, diz.

Outra patologia relacionada a esse tipo de surto é o Transtorno Explosivo Intermitente (TEI), que pode levar o paciente a quebrar coisas sem necessidade ou a bater o carro de propósito, por exemplo. “Para que haja esse diagnóstico, as explosões devem acontecer de duas a três vezes por semana, por, no mínimo, três meses”, explica. Outra característica do quadro é o sentimento de culpa, pois bate um misto de vergonha e arrependimento após a ocorrência do surto.

A jornalista Gabrielle Jorge*, 31 anos, viveu um momento de descontrole total, que culminou no diagnóstico de depressão severa. “Tive uma gestação muito planejada e sonhada, mas, com onze semanas, descobri que eram gêmeos siameses. Eles compartilhavam o coração e todos os especialistas foram unânimes em dizer que não sobreviveriam. Foi indicada a interrupção para preservar a minha vida, mas tivemos que passar pelo processo judicial, que foi negado em primeira instância. Cheguei ao quinto mês de gestação e o procedimento acabou sendo autorizado após recurso”, conta. Durante todo esse período crítico, Gabrielle teve uma crise agressiva com o marido.

“Eu me exaltei tanto que gritava com ele sem parar, ao mesmo em que chorava muito. Eu queria ficar sozinha e ele insistia em tentar me acalmar. Era como se eu tivesse saído de mim, pois não conseguia controlar minhas ações”, diz. A partir desse surto, a terapia precisou ser intensificada e houve a necessidade de procurar um psiquiatra para complementar o tratamento com remédios.

Segundo a psicóloga clínica Vania  Calazans, especialista em Terapia Cognitiva Comportamental, durante a crise é importante evitar a discussão. “A melhor coisa é deixar a pessoa extravasar, controlando apenas para que não coloque sua segurança ou de outra pessoa em risco. Passado o episódio, vale tentar uma conversa e oferecer ajuda, sem crítica ou julgamento. A fala deve ser afetiva, sem insistência, mas indicando a necessidade de uma orientação médica”, considera a psicóloga.

No caso da vendedora Vanessa Ferreira das Chagas, de 36 anos, a depressão e os surtos vieram associados a outros transtornos. “Há dez anos sofro com depressão, mas há três tive uma crise muito intensa, que me manteve afastada do trabalho por sete meses. Na época, gritava e xingava todos ao meu redor. Eu me sentia a pior mãe, a pior esposa, a pior filha”, relata. Ela conta que o marido não entendia que os sintomas eram a consequência de uma doença e isso a fazia sentir-se ainda mais culpada. Até que foi levada ao psiquiatra e teve o diagnóstico de transtorno bipolar. Vanessa lembra que chegou ao consultório muito debilitada e mal conseguia ficar sentada, de tanta agitação. Mas o tratamento, embora longo, foi efetivo para controlar as crises.

A psiquiatra Liliana reforça que o tratamento médico e/ou psicoterápico é essencial. “No entanto, a própria pessoa pode ficar atenta aos gatilhos que desencadeiam a crise, evitando-os, tanto quanto possível”, afirma. Além disso, atividade física, exercícios de respiração e até meditação podem ser coadjuvantes para ajudar a controlar o problema.

* Nome trocado a pedido da entrevistada