Brasileira coloca "coração" no Vale do Silício
No maior centro de tecnologia do mundo, uma brasileira ganha notoriedade investindo em "Kindness" (amabilidade, em tradução livre para o português). Frustrada com o ambiente competitivo e, por vezes, hostil do Vale do Silício, na Califórnia (EUA), a paulista Adriana Veres, 45, arregaçou as mangas para mudar o status quo e fundou o Café com Abraço (CafeKind para o mercado americano), organização sem fins lucrativos que ajuda mulheres expatriadas a se ambientarem e desenvolverem.
Acolhimento, incentivo e empatia são as palavras de ordem da instituição. "Pedimos a todas que deixem seus títulos na porta, entrem e fiquem à vontade. Comentários destrutivos, autoritarismo, embates políticos e religiosos ou propaganda de serviços não pertencem ao nosso espaço", informa Veres.
O Café com Abraço organiza ao menos um encontro mensal para promover interação fora do ambiente virtual. Há quatro tipos de eventos: discussões temáticas em língua portuguesa (Café Brasil), workshops sobre saúde, bem-estar e educação dos filhos (Café Care), debates sobre temas de interesse comum, como feminismo, sexualidade, política, autoconhecimento (Café Book Club) e "coaching" para quem quer desenvolver uma carreira, mudar de área ou voltar ao mercado de trabalho (Café Avante).
Tem participante que tem uma profissão sólida no Brasil, mas não pode exercer a atividade nos EUA. Nós a ajudamos a se recolocar no mercado
Exceto o Café Brasil, os demais eventos são realizados em inglês. O lema que permeia os trabalhos é "Colocando amor no Vale; inspirar e educar para transformar vidas".
A maioria procura o grupo em busca de acolhimento e acaba encontrando outros motivos para participar das atividades. Adriana Veres serve de inspiração. Ela compartilha seus próprios medos e incentiva quem chega a buscar o que deseja e a acreditar em si. Frequentemente empresta o ombro a quem se sente desencorajado.
Grandes empresas, como Intel, Xerox Parc e DocuSign, apoiam a iniciativa abrindo suas salas de conferência para encontros do grupo. Startups, microempreendedores individuais e profissionais liberais colaboram com a oferta de serviços, como workshops, "coaching", assessoramento jurídico, fotografia, filmagem e lanche.
"O Café propicia um 'sense of belonging' (sensação de pertencer, em português) muito importante no apoio à conquista de espaço, amigos e novas carreiras", conta a paulista Margarise Correa, CEO da BayBrazil, uma das empresas que apoiam a instituição.
Começo de tudo
O Café com Abraço nasceu de um blog criado por Veres no período em que ficava em casa para cuidar do filho caçula, então com três meses de idade. "Meu marido aproveitava as oportunidades do Vale do Silício, enquanto eu dedicava tempo integral à família. De certa forma, isso me frustrava".
Foi aí que ela começou a escrever. Queria contar o que se passava na vida de uma mãe de três crianças recém-chegada à Califórnia. "Queria mais do que ser mãe e esposa; eu precisava interagir com o Vale", conta.
Intitulado "Adri and her 3" (Adriana e seus três, em português), o blog atraiu outras mães brasileiras residentes na Bay Area (Baía de San Francisco), e Adriana acabou virando uma representante natural do grupo. O blog dava voz a sentimentos também experimentados por outras expatriadas.
Ao longo dos três últimos anos, a brasileira formada em letras pela Universidade Metodista de São Paulo criou a comunidade que hoje conta com cerca de mil integrantes. Tem gente de várias nacionalidades e até norte-americanas. "Todas buscam aceitação, inclusão ou transformação", disse Veres.
O pontapé inicial contou com a ajuda da estilista paulistana Ana Luiza Correa, 37. Ela tinha um olhar semelhante ao de Veres sobre a atmosfera competitiva do Vale, além de outras afinidades, como ser mãe de três filhos e desejar atuar profissionalmente. "Queríamos oferecer um ambiente sem julgamento, em que todas pudessem compartilhar experiências e aprender umas com as outras".
Mais tarde, as brasileiras Christine Nazareth, Júlia Veres, María Tanaka, Milena Batista e Vanisi Leal se uniram à dupla para fazer o Café com Abraço acontecer. O nome surgiu de um comentário da fundadora em uma rede social:
Se você está em casa, triste, deprimida, com saudades do Brasil, vem aqui em casa tomar um café e receber um abraço. Estamos no mesmo barco.
Evolução
Em agosto próximo sai uma vertente nova da organização: o Café Play. O objetivo é estimular o relaxamento e a criatividade. "Morar no Vale é estressante. A quantidade de informação, a pressão por 'ser alguém' e a competição acirrada fazem subir os níveis de ansiedade, depressão e ataques de pânico. Precisamos de um tempo para brincar", explica.
Os eventos da organização são limitados a um público de 40 pessoas e frequentemente têm entrada esgotada. Há uma demanda reprimida que a organização não consegue atender. Veres disse que precisa ampliar a estrutura antes de oferecer mais eventos, e que há planos de expansão no forno.
Hoje, a organização se mantém basicamente com doações e empenho de uma equipe de voluntárias (Christine Nazareth, Candice Scotuzzy, Julia Veres, Maria Tanaka, Marcilene Webster, Milena Batista e Vanisi Leal). Veres está em busca de apoio financeiro para ampliar a atuação do Café. "Investir em 'Kindness' dá retorno visível, e a indústria high-tech sabe disso", disse.
Ela conta que as atividades do Café têm impacto direto na dinâmica familiar, afetando positivamente a produtividade. "Recebo mensagens de pessoas agradecidas pela transformação por que suas famílias passaram depois de se unirem ao grupo".
Há casos de vítimas de violência doméstica que encontraram no grupo apoio emocional e orientação profissional de como agir. Também há depoimentos de mulheres que conseguiram emprego, outras que recuperaram a autoestima e tem até quem tenha mudado a concepção sobre a vida no Vale.
Para a médica paulista María Tanaka, 55, o Café não muda a vida das pessoas, mas mostra que existem indivíduos com os mesmos problemas. "O grupo te ajuda a achar maneiras de trabalhar o que está incomodando".
Organizadora do Café Book Club, a cientista política cearense Marci Meneses-Webster, 34, explica que as atividades do grupo contribuem com informação e debate. "Essa parte do Café é minha paixão".
É uma oportunidade de trocar ideias com outras mulheres, adultas e incríveis. Sempre saio dos encontros com uma 'good vibe'
A construção de uma rede de contatos profissionais é outro motivo que leva expatriadas a procurar a instituição. A gerente de Recursos Humanos catarinense, Heloísa Feuser, 40, conta que os eventos do Café Avante são ideais para quem procura emprego. "Escutar as pessoas que conseguiram furar o bloqueio é estimulante", explica. Segundo ela, o bloqueio não é imposto pelo mercado, mas pelo próprio candidato.
Feuser acredita que o motivo pelo qual os eventos de Café com Abraço estão quase sempre esgotados é que o ambiente é leve, livre de prejulgamentos. "Já fui a outros encontros de mulheres na região, mas não senti a mesma empatia ou predisposição à amizade que vi no Café com Abraço".
Entre os grupos que agregam brasileiras residentes no Vale do Silício, há também o Brasileiras do Vale, com 3.700 seguidoras no Facebook, e o Famílias brasileiras no Vale do Silício, com cerca de 500. O primeiro é voltado à troca de informações úteis para a comunidade e a divulgação de projetos profissionais. O segundo foca em dicas de eventos, passeios e serviços. Tem ainda o Mamães Brasil, que promove encontros sociais e a troca de dicas por email, e o Mamães brasileiras na Península, com objetivo semelhante.
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