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"Se não gritar, dói menos", mulher fala de estupro coletivo aos 11 anos

A gestora social Goretti - Arquivo
A gestora social Goretti Imagem: Arquivo

Giórgia Cavicchioli

Colaboração para Universa

20/06/2018 04h00

“Eu era uma criança", se emociona a gestora social Goretti Bussolo, que hoje tem 51 anos, ao contar sobre a brutal violência que sofreu aos 11 anos. 

O terror aconteceu quando ela trabalhava como empregada doméstica para ajudar a pagar as despesas de sua família. 

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Goretti relembra que a violência começou quando ela era deixada sozinha com o patrão. Ele ficava por perto quando a menina limpava embaixo da mesa e passeava seminu pela casa.

Os abusos pioraram quando o patrão passou a chamar os amigos para casa quando sua mulher estava fora. Goretti era obrigada a lavar panos com esperma dos homens e ouvia do patrão: “Um dia vou fazer isso pra você”. Sem entender o significado daquilo, ela sentia muito medo, mas não podia largar o emprego, porque precisava do dinheiro. 

Até que um dia, ela foi brutalmente estuprada. Goretti serviu café para o chefe e os amigos e sentiu muito medo dos olhares deles. Ela conta que sentiu vontade de fugir e foi correndo para o quarto de empregada se trocar e ir embora. Nesse momento, porém, os homens entraram no quarto. O patrão falou: “Se você não gritar, vai doer menos”. Os quatro homens, então, a torturaram. O patrão assistia a tudo e se masturbava. Na sala ao lado, uma música muito alta abafava seus gritos. 

Depois do estupro coletivo, o patrão lhe deu um banho. “Fiquei estática, só observando a água escorrendo pelo ralo com sangue. Eu sentia cheiro de tudo podre, tudo fedia. Ainda é assim para mim. Qualquer cheiro me incomoda, preciso de tudo muito limpo”, afirma Goretti, que ainda hoje precisa de remédios para se sentir melhor, e conta que já teve compulsão por analgésicos.

Goretti encontrou um caminho de conforto emocional ajudando pessoas que passaram por uma tragédia a falarem sobre isso. Ela desenvolve esse trabalho na ONG Todas Marias. “Foi difícil colocar em palavras o sentimento de perda de algo que eu desconhecia. Sabia que minha vida nunca mais seria a mesma, que teria que fugir para sempre. Nem sei se parei de fugir. Talvez seja uma espécie de fuga da minha dor apoiar outras pessoas”, afirma.

Por meio da ONG, Goretti dá apoio por meio de escuta, terapia e canais jurídicos. Além disso, ela promove palestras que tratam de temas diversos, entre eles, os de questões de gênero. Isso porque, a Todas Marias tenta auxiliar qualquer pessoa em situação de opressão, não só mulheres. Elas acolhem crianças, adolescentes, homens e pessoas LGBT. 

“Talvez eu seja apenas sobrevivente, não uma vencedora. Dizer que venci o que vivi? Não, nunca! Me acompanha o cheiro, o gosto, os sons daquele dia". Goretti, no entanto, diz que desenvolveu uma autoconfiança e que segue "firme, sendo forte, linda e poeta”.

Segundo o mais recente Atlas da Violência, estudo promovido pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), a realidade vivida por ela em meados dos anos 1970 ainda se perpetua no Brasil.

De acordo com o levantamento, 50,9% dos casos de estupros denunciados em 2016 foram cometidos contra menores de 13 anos. Crianças são as maiores vítimas dos estupros no país.

O governo federal tem canais para combater esses crimes. Para denunciar casos de violência sexual contra crianças, disque 100. Para denunciar casos de violência contra a mulher, 180.