Se autoenganar ajuda a não surtar em momentos de estresse

Carolina Prado
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Sabe aquela história de dizer que, ao levar um pé na bunda, a pessoa não nos merecia ou que “não era pra ser”? É um autoengano. Quando temos algum tipo de preocupação, principalmente medo, a tendência é que o nível de estresse vá nas alturas. E ao deixarmos nos enganar um pouco nos equilibramos. “É criar uma espécie de desculpa, de distorção da realidade e, literalmente, utilizá-la para acalmar o espírito, seja como uma forma de consolo, de tornar o meu ego mais feliz, ou a minha culpa menor”, avalia Luciano Salamacha, especialista em neurociência e professor da Fundação Getúlio Vargas.

Depende de você

Muitas vezes, esse mecanismo de defesa tão natural do ser humano acontece em um momento de perda. Seja de um emprego, de um relacionamento ou diante da morte. “Em alguns momentos, é pertinente se enganar. Por exemplo, quando uma pessoa amada está muito doente, acredito na sua cura até que eu esteja preparada para suportar a morte”, conta a neuropsicóloga Nádia Aparecida Bossa. Segundo a especialista, o autoengano varia em intensidade e tempo para iniciar, bem como para cessar. “A duração do autoengano depende da nossa fragilidade e da nossa tendência a vivermos de forma alienada e, evidentemente, da gravidade do fato sobre o qual estamos nos enganando. Não diz o ditado que a pessoa traída é sempre a última a saber? Talvez porque o psiquismo a preserve de uma tragédia, fazendo com que só tome contato com a realidade em questão quando esteja preparado para agir com menos riscos”, conclui Nádia.

Voluntário ou involuntário?

Autoenganar-se pode ser um processo consciente, como quando você adianta o relógio de propósito para não se atrasar mais para o trabalho. Ou quando, por exemplo, você está remoendo um problema e precisa se concentrar para uma reunião e fica repetindo mentalmente que não tem culpa do que aconteceu. Mas o processo é, muitas vezes inconsciente. “Os mecanismos de defesa agem à nossa revelia”, fala Nádia.

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Também pode ser roubada

O problema do autoengano, consciente ou inconsciente, é acreditar tanto na própria verdade criada, a ponto de se sabotar. Dessa forma, quando é preciso encarar a realidade, a pessoa evita o assunto, vai driblando aqui e ali, criando desculpas e urgências secundárias, e deixando o problema central se acumular. Hoje ela se engana para criar um alívio, mas daqui a dois dias, rola uma autossabotagem. “Chega uma hora em que ela passa a acreditar na realidade que criou e faz de tudo para aquilo se tornar verdade. Nesse momento, se autoenganar é muito prejudicial”, alerta Luciano.

Passando dos limites

Diversos exemplos recorrentes do autoengano que mais sabotam do que ajudam estão relacionados a situações em que a responsabilidade tem que ser assumida, mesmo contra a nossa vontade. Deixar para pagar uma conta no dia do vencimento, criar um milhão de pendências “mais urgentes” e dizer, no fim do dia, que não teve tempo, é um deles. Em vez de negociar o valor ou encarar que não tem dinheiro naquele dia, por exemplo, cria-se uma desculpa atrás da outra. Outras situações: colocar a culpa no outro -- para aliviar a nossa – e passar a ter raiva da pessoa ou ter um temperamento explosivo, mas sempre dar justificativas para reações irracionais.

Como ficar alerta

Segundo a neuropsicóloga, geralmente, quem percebe que o autoengano saiu do controle são as outras pessoas. Quando recebemos esses alertas é bom fazer uma autoanálise. Atitudes práticas podem ser tomadas para voltar à realidade. “Uma boa dica é escrever o que está sentindo ou até mesmo gravar um vídeo para si mesmo no celular. É uma forma de materializar a situação. A pessoa tem uma espécie de tranquilidade que aquele problema não foi esquecido e dali a dois dias vai voltar no tema”, diz Luciano.