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Parteiras compartilham suas experiências em ajudar mulheres a dar à luz

A obstetriz Priscila Raspantini em ação - Katia Ribeiro/Divulgação
A obstetriz Priscila Raspantini em ação Imagem: Katia Ribeiro/Divulgação

Daniel Lisboa

Colaboração para o UOL

21/08/2017 04h00

Ainda nem havia amanhecido em São Paulo e lá estava Priscila Raspantini, 32, na Marginal Pinheiros com seu carro cheio de apetrechos de obstetrícia. Um bebê nascia na Vila Leopoldina, e ela fora chamada. O percurso era relativamente curto, Priscila mora no bairro vizinho do Butantã. Mas ao chegar, sua cliente já havia dado à luz. 

Coisas de vida de obstetriz. Ou, como é mais conhecida, parteira. O nascimento havia ocorrido sem problemas, Priscila fez os primeiros atendimentos e depois foi com o casal até o Hospital Albert Einstein, no Morumbi, para os cuidados pós-parto. Apesar da correria, aparentemente as próximas horas seriam tranquilas. Mal sabia ela que naquele mesmo dia outras três crianças viriam ao mundo sob seus cuidados.

Um bebê atrás do outro

Mal se despediu dos novos pais, Priscila recebeu outro chamado. Era um parto domiciliar, em Pinheiros, que foi rápido. Para as parteiras, porém, não existe hora ou prazo de entregar o trabalho. A 12 quilômetros dali, no Alto da Boa Vista, mais um bebê decidira que era hora de nascer: Priscila foi chamada e foi até lá. Ela acompanhou o casal até o hospital, novamente o Einstein, onde o parto aconteceria. O bebê estava sentado na barriga e, apesar de ter se preparado para um parto normal humanizado, a mulher teve de passar por uma cesárea.

Três partos seguidos já tornavam o dia excepcional, mas a obstetriz foi chamada novamente, para mais um em Pinheiros. O parto correu bem, mas acabou sendo no hospital porque a mãe quis tomar anestesia. Não deu tempo, porém de administrá-la: o bebê nasceu antes. Um dia com quatro partos é algo bem incomum para parteiras, mesmo em uma cidade como São Paulo. “Cheguei em casa só na manhã do dia seguinte, com a minha filha acordando e pedindo para brincar!”, conta ela, rindo.

Intervenção médica não é fracasso

Há partos em casa, no hospital, os que começam em casa e terminam no hospital, os que ocorrem sem precisar de procedimentos médicos e aqueles que, por diferentes razões, terminam com a opção pela anestesia e até mesmo a cesárea. Procedimentos, aliás, que não necessariamente significam um parto malsucedido.

Parte importante do trabalho das parteiras é justamente acompanhar e entender os sinais que indicam a real necessidade de tais recursos médicos. Mesmo que, a princípio, a mulher tenha se preparado muito para um parto natural. “Mesmo depois do nascimento, ainda ficamos algumas horas no hospital com a mãe. É um processo lento”, explica Priscila.

A obstetriz Natalia Rea era artista plástica - Daniel Aratangy/Divulgação - Daniel Aratangy/Divulgação
A obstetriz Natalia Rea era artista plástica
Imagem: Daniel Aratangy/Divulgação

Das artes para os partos

Formada em Artes Plásticas, Natalia Rea trabalhou na área durante quase dez anos. Aos 27, engravidou da primeira filha e conheceu termos como doula, parto em casa e humanizado. Aos 30, entrou para o curso de obstetrícia da USP (Universidade de São Paulo). Hoje, aos 39, acredita que o “estalo” para a virada na vida profissional se deve em muito a sua experiência pessoal.

“Tive um parto natural de extremos. Me mostrou o quanto uma mulher pode ser desrespeitada durante o trabalho de parto. Por outro lado, me mostrou também o quanto a experiência do parto pode ser gratificante e potencializadora”, diz.

Elas ajudam cada mulher a superar os desafios

Para Natalia, um bom trabalho passa por questões muito mais profundas do que, por exemplo, se a mulher sentiu muita dor ou ficou muitas horas em trabalho de parto. Ela pode chorar durante boa parte do processo e ao final sentir-se feliz e realizada. “Muitas mulheres encaram o trabalho de parto como algo equivalente a dez anos de terapia. Enfrentam questões pessoais que acabam resolvidas ali”, acredita. 

A doula Janie Paula com uma cliente - Belle Favarin/Divulgação - Belle Favarin/Divulgação
A doula Janie Paula com uma cliente
Imagem: Belle Favarin/Divulgação

A doula Janie Paula, 32, concorda. “O importante, para nós, é saber que aquela jornada foi boa para a mulher”, diz ela, que trabalha com as obstetrizes e, no caso de parto no hospital, com o médico obstetra. Seu trabalho é acompanhar a mulher antes e, principalmente, durante o parto, oferecendo suporte físico, emocional e ajudando a tirar as dúvidas que surgem no processo.

Até na hora do parto acontecem casos de mulheres que sentem vergonha. “Mesmo que a posição de quatro apoios seja fortemente indicada, a associação com o ato sexual impede que algumas mulheres se sintam à vontade para adotá-la”, relata a também doula Natalia Cunha, 32.

O marido ausente e o empolgado podem atrapalhar

Como em toda profissão, as parteiras precisam contornar situações que atrapalham o andamento do trabalho. Uma delas é saber quando devem se impor. “Uma das situações mais difíceis pela qual passei foi a de um parto na banheira. Estávamos só eu e a cliente, a saboneteira caiu dentro da banheira e quebrou em vários pedacinhos, mas, como ela já estava meio 'doidona' por conta do trabalho de parto, não queria levantar, ficou mexendo para lá e para cá. Foi a primeira vez que percebi que teria que ser brava, o que não é do meu perfil”, conta a doula.

Companheiros que não se envolvem no processo também são um obstáculo. Afinal, por mais intimidade que a parteira já tenha com a família, ela não pode intimar o homem a ajudar. Mas há também o outro lado: o marido tão envolvido e empolgado que acaba atrapalhando. “Tem situações engraçadas também. Como maridos que já trabalharam com parto de animais, como cavalos e vacas, e ao verem o bebê nascendo dizem ‘mas é igualzinho!'”, diz.

Se precisar,  elas expulsam com jeitinho

A doula Natália Cunha - Bia Takata/Coletivo Buriti - Bia Takata/Coletivo Buriti
A doula Natália Cunha auxilia um parto
Imagem: Bia Takata/Coletivo Buriti

Acontece também de o companheiro ou outro acompanhante se comportar de forma inconveniente e atrapalhar a mulher. Aí é hora de, com jeitinho, pedir para que se retire. “Normalmente dizemos que o médico está pedindo para a pessoa sair”, diz Natalia Cunha. Situações assim ocorrem, muitas vezes, com pessoas que não acompanharam todo o processo e não compreendem o que está acontecendo.

“Aconteceu uma vez de a mãe entrar durante o parto e dizer 'coitadinha!' para a filha, que pediu para ela sair. Porque, por mais que essa seja uma reação natural, ser tratada com pena ou dó não ajuda em nada a mulher”, explica. A mãe pode até atrapalhar em alguns casos, mas, quando elas já se foram, é nelas que muitas mulheres pensam. “As mulheres que vejo chamarem pela mãe no parto são aquelas com mães já falecidas. É muito curioso. Elas dizem 'mamãe, você está comigo!'”, comenta Natalia Rea.