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"Esse vai ser meu primeiro Dia dos Namorados fora do armário"

Getty Images
Imagem: Getty Images

Helena Bertho

do UOL, em São Paulo

09/06/2017 04h00

A capixaba Giuliana Scarpati, 29, sempre se envolveu com homens e foi casada por quatro anos. Mas diz que só descobriu o amor pra valer nos braços de uma mulher. Juntas há dois anos, ela e a parceira comemorarão o 12 de junho pela primeira vez com todo o romantismo que a data pede. E sem precisar se esconder de ninguém. Aqui, Giuliana fala sobre o processo de se entender homossexual e os obstáculos que enfrentou para viver essa história

"Planejei tudo para que esse Dia dos Namorados seja inesquecível. Fiz a reserva em um restaurante superfamoso aqui de Vitória (ES) e estou ansiosa. Essa noite terá um significado especial para nós. Será a primeira vez que terei um jantar românico, em público, com o meu amor.

Estamos juntas há dois anos, mas só contei para minha família e meus amigos no final do ano passado. Sempre havia me envolvido com homens e foi difícil para mim e para eles lidar com a notícia. Tive que me entender como lésbica. Brindar o Dia dos Namorados com ela, sem me preocupar se alguém conhecido pode nos ver, será como gritar ao mundo que nunca fui tão feliz. Nossa relação é intensa, verdadeira, maravilhosa!  

Fui casada dos 18 aos 22, com um homem. Esse foi o período em que tive intensas crises de depressão, sem saber o porquê... Quando meu ex-marido decidiu terminar comigo, fiquei chocada. 'Como assim não me ama mais? Até ontem estava tudo bem!', falei, assim que jogou a bomba da separação. E ele me respondeu: 'Não, não está tudo bem. Há meses que a gente mal se toca'. Percebi que ele tinha razão, não ficávamos juntos há tempos e, o pior, eu nem sentia falta..."

"Eu pensava: 'nossa, por que será que nenhum cara tem graça?'"

"Fui criada em uma família muito religiosa. Ia à igreja desde pequena e fui educada para ser uma moça bem comportada e agradar as pessoas. A ideia de ser homossexual simplesmente não tinha espaço na minha mente. Quando meu casamento acabou, achava que tudo era sintoma de falta de desejo, tínhamos perdido a química. Jamais passava pela minha cabeça que eu poderia gostar de mulher!

Quatro anos depois da minha separação ainda me achava hétero, mas não me interessava por ninguém. Até rolavam uns encontrinhos, mas nunca ia adiante. Eu conversava com homens, saía, dançava, brincava, mas não sentia a menor vontade de ir para a cama. Foi uma época em que comecei a questionar muitas coisas, pois não me sentia feliz.

Mas a minha sexualidade eu ainda não conseguia questionar.

Com 26 anos, decidi sair da igreja. Não foi por ter me descoberto lésbica, mas sim porque eu comecei a sentir que tudo que eu seguia com tanto fervor passou a me parecer um tanto contraditório. Via os líderes dizendo certas coisas, mas fazendo outras em suas vidas. Não me sentia  feliz ali, então decidi seguir meu coração.

Depois de alguns meses, eu pensava: 'Nossa, nenhum cara tem graça, não me envolvo com ninguém... Deve ter alguma coisa errada comigo!'. Fui até fazer terapia para me entender melhor."

"Aos 14, fui apaixonada por uma amiga, mas reprimi"

"Resolvi dar espaço para me conhecer vivendo uma antiga curiosidade minha. Uma curiosidade que existiu lá na minha adolescência e eu vivia abafando até então.

Na terapia, resgatei lembranças de uma amiga que eu tive aos 14 anos. Ela era religiosa como eu, frequentava a igreja e gente fazia tudo juntas. Eu ficava no do colo dela, a gente se falava por horas no telefone. Em algumas ocasiões cheguei a escrever 'te amo' na pracinha e quem íamos. Eu achava que era amizade, mas hoje entendo que era apaixonada por ela e tinha curiosidade de beijá-la. Mas reprimia. Na verdade, um tipo de desejo que senti muitas outras vezes e sempre reprimi.

Bem, eu resolvi abrir esse espaço, experimentar como seria conhecer outras mulheres e me envolver com elas. Mas eu não fazia ideia de como funcionava, de como fazia para conhecer outras mulheres.

Então entrei em um site de relacionamentos para mulheres e fiz um perfil. Conversei com algumas, era tudo extremamente novo e interessante.

"O beijo dela foi suave, gostoso, aveludado"

Até que marquei meu primeiro encontro e dei meu primeiro beijo... em uma mulher. Aos 26 anos a sensação era de primeira vez! Lembro que eu esperava que fosse algo completamente novo, suave, gostoso e que o beijo de uma mulher seria macio como veludo. E foi exatamente isso! Naquele momento eu me senti em casa e soube que havia me encontrado.

A partir daí eu vivi algumas experiências maravilhosas com mulheres e fui me conhecendo, descobrindo a minha sexualidade! Apesar de ser tudo novo, era ao mesmo tempo também tudo muito familiar.

Alguns meses depois conheci minha namorada, através do site de relacionamentos. Começamos a conversar, mas ela morava no Rio de Janeiro. Fomos nos falando online, nos encontramos pessoalmente, trocamos muito e percebemos que nos completávamos. Desde o começo, percebi que a gente compartilhava uma visão de mundo e formamos uma parceria incrível. Não sei nem dizer o quanto me sinto feliz ao seu lado.

Aos poucos, fomos desenvolvendo essa parceria. Como todo relacionamento, tivemos nossas crises e questões, fomos aprendendo a gerir isso e a conviver dentro das diferenças. E fui percebendo que essa era a parceria que eu queria ter durante toda a minha vida."

"Os parentes queriam conhecer meu 'namoradinho'"

"No entanto, sofria com medo da família. Tinha medo de viver esse amor abertamente, meus pais jamais aceitariam. Somente meus amigos mais íntimos sabiam dela e quase tudo que vivíamos, tinha de ser escondido.

Sempre pensava que seria difícil para minha família entender e tinha dó de fazer com que passassem pelo processo de aceitar uma filha lésbica.

Era tão difícil... Não podia falar ao telefone com minha namorada se tivesse alguém perto. Nossos dias do namorado não podiam ser especiais, tinham que ser dentro de casa, escondidos. Quando algum parente me perguntava do meu 'namoradinho', eu só respondia que um dia eles iriam conhecer.

E eu detestava ter que disfarçar! Sempre fui muito carinhosa, adoro demonstrar afeto. Quando você vive algo bom e intenso, quer mostrar para todo mundo e não ficar abafando, sabe? O que me entristecia era não poder mostrar nossa felicidade, como todos os outros casais

Inclusive, algo que me ajudou a passar por isso e me aceitar, foi descobrir um pastor americano que têm um olhar de amor sobre a homoafetividade. Entendi que criou a gente para ser feliz e não para ficar controlando com quem a gente transa."

"Chorava por ter que esconder minha felicidade"

"Passei um ano e meio da nossa relação assim. Quando ela vinha me ver em Vitória, era tudo escondido. Só quando eu ia vê-la no Rio, podíamos andar de mãos dadas e viver nosso amor. Fazia tanta diferença! Várias vezes eu chorei sozinha, de indignação de ter que abafar a minha felicidade.

Até que no fim do ano passado soube de uma coach que ajudava lésbicas a se assumirem e decidi buscar sua ajuda. Comecei a seguir os conselhos dela e dei início ao processo de me assumir completamente. Apesar de ter sido algo para o mundo todo, acho que o mais intenso foi passar pela barreira que minha família tentou me impor.

É que, na verdade, sinto que as pessoas com que convivo e a sociedade, em geral, nunca me desrespeitaram, mas a família... Meu Deus, eles acham que podem falar o que pensam! Sei que não é por mal, mas eles sentiam que sabiam o que era melhor para mim. Mas me sentia como se tivesse sido empurrada para dentro do armário.

Com ajuda da coach, entendi que ninguém da minha família nunca me pediu autorização para nada, nem para namorar, nem para casar com ninguém. Só que eles sentiam que sabiam o que era melhor para mim e no direito de querer vetar meu relacionamento, que me fazia me sentir viva e inteira. Então comecei a pensar: não sou eu que escolho quem quero para minha vida?

Então decidi contrariar as normas que existiam e tentavam me impor, enfrentar quem quer que fosse, porque eu amo a Natália e quero ela na minha vida 100%. Teve gente que cortou contato comigo na família, mas eu entendi que esse era um custo de poder viver por completo."

"Pedi minha namorada em casamento no palco"

"Há seis meses, saio de mãos dadas com meu amor, sem precisar disfarçar. Apresento como 'minha namorada' para todos que conheço. Tenho muito orgulho disso.

E em janeiro, no meu aniversário, fiz algo ainda mais incrível. No karaokê, depois de cantarmos uma música juntas, peguei o microfone e a pedi em casamento. Ali no palco, na frente de todos. Foi a coisa mais linda do mundo e ela disse 'sim'!

Sou feliz como nunca antes. Então esse Dia dos Namorados vem cheio de significados para mim, porque agora sei o valor de expressar o amor que a gente tem ao mundo.

Agora a gente pode viver essa data com esse sabor de que nada nos impede. Nós podemos entrar, onde quer que for, pela porta da frente!"