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Essa mulher se lembra de tudo o que aconteceu a ela desde recém-nascida

A australiana Rebecca Sharrock consegue se lembrar de coisas que aconteceram com ela desde o 12º dia de vida - Reprodução/Facebook
A australiana Rebecca Sharrock consegue se lembrar de coisas que aconteceram com ela desde o 12º dia de vida Imagem: Reprodução/Facebook

Adriana Nogueira e Denise de Almeida

Do UOL

25/04/2017 09h36

Rebecca Sharrock, 27 anos, conta que a primeira lembrança que tem da sua vida é de quando tinha 12 dias de vida e seus pais a colocaram no banco do motorista do carro para tirar uma foto. Invenção da australiana da cidade de Brisbane? Não, ela tem uma memória autobiográfica altamente superior, condição compartilhada por um grupo de menos de cem pessoas, no mundo.

“Como uma criança recém-nascida, estava curiosa sobre o que eram o revestimento assento e volante acima de mim. Embora naquela idade eu ainda não tivesse desenvolvido a capacidade de querer levantar e explorar o que eram esses objetos curiosos”, escreveu Rebecca em seu blog.

Entre as façanhas que a condição permite, ela consegue se lembrar de sonhos que teve com 18 meses de idade e recitar de cabeça passagens de todos os livros da saga “Harry Potter”.

Em seu blog, ela fala que, aos 14, leu em um jornal que as pessoas só conseguiam se lembrar de eventos da própria vida a partir dos quatro anos. “Depois que terminei de ler pensei: ‘não tem o menor sentido’. Estou escrevendo o meu livro, ‘My Life is a Puzzle’ (minha vida é um quebra-cabeça, em tradução livre do inglês), e as memórias dos eventos da minha vida anteriores a essa idade preenchem um longo capítulo.”

No blog, Rebecca também contou que se lembra do nascimento da irmã, pouco antes de seu aniversário de dois anos. “Não entendia exatamente o que era uma irmã, porque estava mais interessada em brincar com meu trenzinho. Nos anos seguintes, comecei a fazer algumas maldades quando percebi que não era mais filha única e tinha de dividir tudo com ela, assim como doar minhas roupas e brinquedos antigos a ela.”

Ainda em seu relato, Rebecca explicou que a memória autobiográfica altamente superior só a permite se lembrar de eventos que ela própria tenha experimentado.

Todo mundo poderia ter lembranças do início da infância?

Ivan Hideyo Okamoto, neurologista do Instituto do Cérebro, do Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein, explica que é pouco provável termos lembranças antes dos dois ou três anos de idade porque, para guardar a memória, é preciso que a criança, antes, adquira linguagem.

"É por isso que a gente começa a ter lembranças e consolidação da nossa memória e lembranças boas e ruins em torno dos dois anos, quando a gente começa a desenvolver linguagem. O que você pode guardar são boas ou más sensações. Crianças que sofreram abusos ainda bebês, por exemplo, não têm linguagem desenvolvida ainda, mas são capazes de guardar más sensações", conta o médico.

Okamoto diz não ter conhecido nenhum caso de memória autobiográfica altamente superior e questiona a habilidade de Rebecca. "Tem que ver como ela comprova isso. Uma coisa é falar que eu lembro de coisas quando estava na maternidade, outra é provar isso. Tem que ter cuidado".

O neurologista explica como seria possível confirmar que as afirmações de Rebecca são reais. "Se a colocarem em uma máquina de ressonância funcional e se ela tiver essas lembranças mesmo vai acionar, no cérebro, áreas relacionadas à memória episódica".

Segundo o médico, a nossa capacidade de reter informações é ilimitada, mas o nosso cérebro cataloga todos esses dados de acordo com a importância que damos a cada memória. "O que diferencia é a valência emocional que você dá para essa ou para aquela outra informação. Você dá valores diferentes para cada uma. Por exemplo, do 11 de setembro você consegue lembrar porque deu uma valência a ele maior do que, por exemplo, ao dia 6 de maio de 2015".

Okamoto lembra ainda que alguns casos de autismo podem apresentar uma memória com peculiaridades. "Alguns pacientes com a Síndrome de Asperger são capazes de guardar, por exemplo, as placas de todos os carros que ele viu naquele dia passando. Mas geralmente são habilidades que não têm um funcionamento adequado, não têm finalidade. E, por outro lado, ele não é capaz de lembrar dos pais ou ter contato verbal com eles".