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Mulher presa por pai pode ter danos emocionais por toda vida, diz psicóloga

Local em Uruburetama onde a mulher foi mantida em um cômodo de 3x3 metros, sem iluminação e ventilação precária - Divulgação/Polícia Civil do Ceará
Local em Uruburetama onde a mulher foi mantida em um cômodo de 3x3 metros, sem iluminação e ventilação precária Imagem: Divulgação/Polícia Civil do Ceará

Denise de Almeida

Do UOL

31/03/2017 23h29

Resgatada após passar 16 anos trancafiada pela própria família em um cubículo, a mulher de 36 anos pode guardar danos emocionais para sempre, na opinião de Darlane Andrade, psicóloga e pesquisadora de estudos de gênero na Universidade Federal da Bahia. "Pode repercutir na forma com que ela vai se relacionar com as pessoas. Ela pode perder a confiança, não se envolver em relações afetivas com qualidade", acredita. 

Darlane explica que esse tipo de violência vai gerar não só consequências físicas, mas também emocionais. "Ela pode levar isso para a vida toda. Será preciso um acompanhamento direcionado. Pode demorar um tempo até ela voltar a conseguir socializar e até a ter uma relação melhor consigo mesmo". A vítima foi mantida desde os 20 anos isolada em um quarto sem iluminação e com ventilação precária. Ela foi encontrada pela polícia nua e em péssimas condições de higiene.

Para a psicóloga, esse tipo de violência ainda existe por conta da ideia de dominação sobre o corpo da mulher que o machismo propaga. "A gente vê que essa violência parte de um pressuposto de que os homens têm poderes sobre a mulher. Eles aprendem a ser assim em função da sociedade patriarcal em que a gente vive, que é muito desigual e que ainda coloca dentro da nossa cultura a premissa de que as mulheres têm que ser submissas e que os homens têm que mandar, enquanto elas têm que ser obedientes". 

Ela explica que essas hierarquias na família vêm de uma construção histórica e social. "O pai era quem dominava a família e mandava em todo mundo, em função de ser o provedor. Isso acaba repercutindo na forma que a gente constrói nossa identidade, tanto para homens quanto para mulheres. E, na forma mais extrema, repercute em várias situações de violência, por haver hierarquias e desigualdades".  

"Nesse caso extremo do cárcere privado choca mais ainda, mas a gente vê que isso vai existir já em várias situações de assédio e até de abuso sexual de crianças e adolescentes cometidos dentro da própria família que deveria proteger esses menores". 

João de Almeida Braga, 48, irmão da vítima e suspeito de ajudar o pai a manter a mulher encarcerada, contou em depoimento à polícia que a prisão começou quando ela engravidou, ainda jovem e solteira. "Você delimitar que momento essa mulher tem que engravidar já é também uma imposição social, ainda mais dentro da família. Ela ter que se manter virgem até quando os pais quiserem. Como pode isso?", questiona a pesquisadora. 

Como evitar que se repita? 

O caso divulgado na última terça-feira (28) ocorreu na cidade de Uruburetama, a 114km de Fortaleza, mas Darlane acredita que poderia ter acontecido em qualquer lugar. 

submissão mulher, getty - Getty Images - Getty Images
"Precisa desconstruir a ideia de que menino tem que mostrar mais força e a menina, submissão"
Imagem: Getty Images

"O Brasil tem ainda uma cultura forte de machismo. Claro que em alguns centros urbanos maiores as pessoas têm contato com outras culturas, tem variedades de modo de vivência, o que pode diluir um pouco mais o machismo. E no interior, em cidades pequenas, as tradições podem se manter mais. Mas acredito que isso aconteça em vários lugares e até em outros países, inclusive desenvolvidos". 

Para tentar evitar que casos semelhantes aconteçam, a psicóloga afirma que o caminho é longo e complexo e engloba tanto mudanças dentro da nossa própria casa, quanto ações no campo das políticas públicas e da justiça. 

"Precisa desconstruir a ideia de que menino tem um comportamento diferente da menina, de que ele tem que mostrar mais força e ela, submissão. Essa construção hierárquica é muito perigosa para nossa sociedade como um todo. Desde criança a gente tem que começar a desconstruir esses estereótipos que acabam moldando nossos comportamentos". 

Ela ainda afirma ser importante investir também em educação, segurança pública, políticas públicas para crianças e adolescentes, e em leis que protejam pessoas com maior vulnerabilidade social. "É investir na construção de cidadania, para desconstruir estereótipos e viver de forma mais igualitária”.