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"Hoje converso sem vergonha", diz mulher que perdeu dentes após agressão

A recepcionista Regiane Mota de Oliveira, que foi atendida pelo projeto "Apolônias do Bem" - Divulgação/Turma do Bem
A recepcionista Regiane Mota de Oliveira, que foi atendida pelo projeto "Apolônias do Bem" Imagem: Divulgação/Turma do Bem

Adriana Nogueira

Do UOL

08/03/2017 16h16

“A maior alegria que tive na vida foi quando pude conversar sem ter vergonha da falta de dentes com o professor da minha filha”, afirma Regiane Mota de Oliveira. A recepcionista de 41 anos perdeu quatro dentes na arcada superior e quatro na inferior após ser agredida a cabeçadas pelo irmão dependente químico.

Regiane só voltou a sorrir depois de ser atendida pelo projeto “Apolônias do Bem”, iniciativa da organização não governamental Turma do Bem, encabeçada pelo dentista Fábio Bibancos.

Durante mais de oito anos, Regiane conviveu com a vergonha por não ter condições de arcar com o tratamento dentário. “Tudo era difícil para mim: sair na rua para comprar um pão, procurar emprego. Uma vez, minha irmã conseguiu para eu trabalhar de faxineira em uma espécie de feira, que acontecia de madrugada, mas a mulher que estava contratando virou e falou que eu não servia nem para limpar banheiro”, conta a recepcionista, que é mãe de Ynara 18, Renata, 16, e Samira, 12.

Em outra ocasião, ela conta que a caçula pediu que, em uma reunião da escola dela, não conversasse com nenhum professor para que não percebessem a falta dos dentes. “Ela tinha vergonha”, fala Regiane. Por isso, a recepcionista conta que, no dia que pegou a prótese provisória, correu para buscar a menina mais cedo no colégio.

“Pedi autorização para tirá-la da aula, mas o professor não queria liberá-la porque não me reconheceu. Eu tinha passado batom, arrumado o cabelo. Minha filha que falou: ‘é minha mãe, sim’. Hoje ela não tem mais vergonha de mim”, diz.

Hilário Rocha, diretor de relações institucionais da Turma do Bem, diz que, em média, são gastos R$ 40 mil com cada paciente atendida no projeto “Apolônias”, que atende vítimas de violência doméstica como Regiane. A iniciativa tem similares em outros países do mundo, como a “Rebuilding Smiles” (“Reconstruindo Sorrisos”, em tradução do inglês), na Austrália.

Desde 2012, quando foi criada, a “Apolônias do Bem” já atendeu 800 mulheres. “Não nos faltam dentistas voluntários. Atualmente são mais de 16 mil em todo o Brasil, mas, para ampliar o atendimento, precisaríamos de mais apoio da iniciativa privada.”

Regiane, que hoje trabalha na recepção da sede da Turma do Bem, em São Paulo, bem que tentou ser atendida na rede pública, mas nunca teve sucesso. “Ia no posto de saúde perto da minha casa. Quando tinha dentista, não tinha cadeira. Quando tinha cadeira, não tinha anestesia.”

O “Apolônias do Bem” trabalha em parceria com órgãos que atendem mulheres vítimas de violência. Em São Paulo, por exemplo, quem precisa de atendimento é encaminhado para o projeto via Coordenadoria da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar, vinculada ao Poder Judiciário.

“Desde que o projeto começou já vi situações chocantes, como uma mulher que teve os dentes destruídos a paneladas, e outra que perdeu os dentes ao sofrer queimaduras no corpo inteiro, até na gengiva”, diz Rocha.