"Passei um ano estudando para o vestibular do quarto de um hospital"
Ana Carolina Ferreira Freitas, 17 anos, descobriu um tumor no osso do braço quando estava no primeiro ano do Ensino Médio. Ela precisou interromper o ano letivo para se tratar, mas não se entregou: passou o ano seguinte todo estudando para o vestibular de dentro do hospital. Entrou para o curso de Enfermagem da FURG (Universidade Federal do Rio Grande), mas decidiu dar a si mesma mais um ano para prestar Medicina e realizar seu maior sonho: ajudar crianças, da mesma forma como foi ajudada.
Ana Carolina Ferreira Freitas, 17 anos, em depoimento ao UOL
“Quando eu estava no primeiro ano do Ensino Médio, aos 14 anos, comecei a sentir dores fortes no braço direito. Não dei muita atenção de início, achei que era dor muscular porque eu tocava flauta em uma banda da escola e violão em casa. Mas o incômodo foi piorando, e logo o braço começou a inchar. Já no primeiro raio X o médico deu o diagnóstico: era um tumor. Mais tarde, descobri que se tratava de um tumor ósseo maligno, o osteossarcoma. O tratamento incluiria fazer quimioterapia e depois amputar o braço, uma vez que a minha família não tinha como pagar uma prótese de R$ 100 mil para substituir o osso afetado pelo câncer.
Eu já estava me conformando, internada para o início do tratamento, quando uma médica, parte da junta do hospital que discutia o meu caso, deu a ideia que mudaria os rumos da minha vida. Ela sugeriu que eu me mudasse para São Paulo, para ser tratada no GRAACC (Grupo de Apoio ao Adolescente e a Criança com Câncer). A entidade custearia as minhas despesas médicas e eu não precisaria amputar o braço. Eu e meus pais aceitamos a mudança, e a médica conseguiu uma vaga no hospital. Foi por isso que acabei interrompendo meu ano letivo.
A previsão era que eu recebesse altas doses de medicamentos durante nove meses, mas o tratamento se prolongou por quase um ano por causa das reações à quimioterapia. Sentia enjoo, vomitava, tinha dores no corpo, fraqueza, enxaqueca e até falta de ar. Para piorar, também tive dengue hemorrágica durante o processo, minhas plaquetas ficaram muito baixas e foi preciso parar a quimioterapia até o organismo voltar ao normal.
Mas eu não podia nem queria parar nesse (longo) período de hospital! Foi então que descobri que poderia continuar a estudar com a Escola Móvel do GRAACC, uma iniciativa da entidade que permite aos pacientes ficar em dia com os estudos. A Escola Móvel mantinha contato com o meu colégio em Rio Grande (RS), então um professor me acompanhava, passava os mesmos trabalhos e as mesmas provas que os meus colegas. Sempre fui muito estudiosa e tive facilidade para aprender, mas confesso que precisei ser persistente, porque durante o tratamento era difícil ter disposição. Mas fiquei firme nos estudos.
Além das sessões de quimioterapia, foram necessárias duas cirurgias, uma para substituir o osso afetado pelo câncer por uma prótese e outra para a retirada de metástases que se estenderam para o pulmão com a demora do diagnóstico.
O retorno
Consegui voltar à minha cidade e à minha escola só no terceiro ano do Ensino Médio. Como era uma instituição pública, houve muitas greves e ocupações durante a minha ausência --ou seja, muitas aulas foram perdidas pela minha turma. Eu já queria cursar Medicina e, depois de um ano praticamente morando em um hospital, passei a ter mais certeza de que estava fazendo a escolha certa.
Quando voltei, só pensava em recuperar o tempo perdido! As aulas eram puxadas, e eu também estudava em casa. Mas percebi pela minha nota do Enem que não entraria em Medicina. Foi aí que decidi me inscrever para Enfermagem no vestibular da Universidade Federal de Rio Grande pela cota de PNE (Portadores de Necessidades Especiais). Afinal, eu tinha pressa de entrar na faculdade. E consegui.
Você não imagina o orgulho que foi ver que estava no curso de Enfermagem de uma universidade federal, depois de o meu primeiro ano do colégio ser interrompido por um câncer e passar o segundo ano inteiro estudando dentro de um hospital! Fiquei tão, mas tão feliz com a notícia que decidi que faria Enfermagem mesmo, e depois prestaria Medicina. O plano era mudar de curso ao ser aprovada.
Mas, quando fui conversar com as minhas médicas (inspiração pura!), acabei mudando de ideia. Elas me orientaram a focar no que eu realmente queria, lembraram que o curso de Enfermagem é integral e que ocuparia demais o meu tempo. Então, duas semanas antes de as aulas começarem, mudei os planos. Quero passar este ano estudando para prestar Medicina. Estou confiante - ainda mais porque agora não preciso estudar de um quarto de hospital!
Ter câncer aos 14 anos me fez ter ainda mais certeza de que consigo superar tudo e que meu caminho é ser oncologista pediátrica para ajudar outras crianças e jovens.”
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