'Cocô no parto é normal e a gente até comemora quando acontece', diz doula
É com naturalidade e uma pitada de humor que a doula Kalu Brum, 37, de São Paulo, trata do assunto cocô no parto. Tabu entre as mulheres que buscam parir de maneira natural e um dos motivos pelos quais muitas gestantes fogem disso, por medo do constrangimento, a eliminação de fezes -- e de gases -- durante a expulsão do bebê é, segundo Kalu, absolutamente normal e até mesmo motivo de comemoração entre os profissionais humanizados.
“Quando a mulher entra em trabalho de parto, é comum ter diarreia. Em geral, a gestante vai várias vezes ao banheiro. Ao longo do processo, aumentam as contrações e, cada vez que o útero contrai, força o intestino. Quando o bebê está coroando, a parte de trás da cabeça pressiona o ânus e o reto da mãe, por isso é natural fazer cocô”, explica.
A presença das fezes é encarada pela equipe como um sinal de que o bebê já vai nascer, daí a comemoração. “Dos 382 partos que acompanhei, apenas dois não tiveram cocô. Estamos acostumados. Simplesmente limpamos e, na maioria das vezes, a mulher nem percebe, pois está em um estado alterado de consciência, graças aos hormônios ocitocina, serotonina e dopamina, liberados nesse momento.”
Apagão temporário
Os hormônios, explica Kalu, provocam uma espécie de apagão temporário no neocórtex, parte mais evoluída do córtex cerebral. “Durante o parto, a mulher ativa o cérebro primitivo e as funções instintivas e fisiológicas ficam mais liberadas. Já os pudores e vergonhas, mais relacionados ao neocórtex, ficam desligados, a menos que alguém chame a atenção para eles, tirando-a do transe”, diz.
Foi o que aconteceu com uma das gestantes que Kalu acompanhou. “A moça tinha 18 anos e já estava no período expulsivo do bebê, quando começou a eliminar fezes. Era um parto hospitalar e o obstetra ficou profundamente incomodado com aquilo. Jogou uma gaze para mim e disse ‘limpa essa mulher que está toda suja’. Ao perceber o que estava acontecendo, a gestante se sentiu muito humilhada. Ficou com vergonha, quis tomar banho e, depois disso, o parto foi difícil. Dava para ver que ela estava travando o ânus e médico precisou usar fórceps para retirar o bebê.”
Para facilitar a limpeza, a doula conta que sempre leva consigo alguns lenços umedecidos e incensos que possam disfarçar os odores desagradáveis.
Processo fisiológico
De maneira geral, muitas secreções estão envolvidas no parto, afirma Kalu. “Quem trabalha com isso lida com secreções o tempo todo, como o próprio líquido amniótico e o tampão. Então, gases e fezes são apenas parte do pacote.”
Para que não haja surpresas para a gestante e seus acompanhantes, Kalu conta que costuma conversar antes com a família, explicando que as excreções podem sair. “Brinco que a comparação mais próxima, na minha opinião, é o sexo. Tem o glamour, os beijos e carinhos, mas também tem secreções, barulhos e odores nem sempre agradáveis”, diz.
A maioria das gestantes, por uma certa idealização do parto, tenta saber se dá para evitar que isso aconteça. Para relativizar o problema, diz, é necessário entender o nascimento do bebê como um processo fisiológico, em que o organismo comanda os acontecimentos. “O corpo é sábio e o melhor a fazer é relaxar, se entregar e soltar tudo, principalmente o períneo, musculatura do assoalho pélvico localizada entre o ânus e a vagina.”
Pesca com peneira
Nos casos de parto na banheira, Kalu conta que é comum usar uma peneira para “pescar” o cocô na água. Antigamente, os médicos recomendavam que a gestante fizesse lavagem intestinal (ou enema) antes do parto. “Isso é péssimo, pois amolece as fezes, que acabam por escorrer pelas pernas, causando uma situação embaraçosa. Embora seja recomendado que a mulher se alimente durante o trabalho de parto, a maioria fica inapetente e produz poucas fezes, em geral, sólidas. Por isso, recomendamos levar uma peneira, dessas para suco, para pescarmos o cocô na água”, conta.
A paixão de Kalu pelo parto surgiu depois que ela teve seu próprio filho, Miguel, hoje com nove anos, de maneira natural. “Eu tive um parto domiciliar planejado, rápido, prazeroso e, como era jornalista, vi que precisava contar a outras mulheres que é possível. Por isso, fiz um blog e hoje tenho um portal sobre o assunto, o Vila Mamífera. Quando meu filho tinha três anos, fiz um curso de doula e não parei mais de acompanhar partos.”
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