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É justo? Na maioria dos países com aborto legal, pai é ignorado na decisão

Para psiquiatra Alexandre Saadeh, excluir o pai da decisão de ter ou não o filho é violento - Getty Images
Para psiquiatra Alexandre Saadeh, excluir o pai da decisão de ter ou não o filho é violento Imagem: Getty Images

Adriana Nogueira

Do UOL

16/12/2016 06h01

A decisão da primeira turma do STF (Supremo Tribunal Federal) de que praticar aborto nos três primeiros meses de gestação não é crime reacendeu a discussão sobre o tema. Se o aborto fosse descriminalizado –o que ainda não aconteceu, embora tenha aberto precedentes para futuras decisões do gênero–, o pai poderia se colocar contra o aborto e impedi-lo? Nos países onde a prática é legalizada, a opção é pelo "não".

Segundo o advogado George Augusto Niaradi, presidente da Comissão de Relações Internacionais da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de São Paulo, em Portugal, na Alemanha e nos Estados Unidos, países em que o aborto é legal, o pai --seja casado ou não com a mulher-- não tem direito de impedir o procedimento.

Levantamento do Center for Reproductive Rights --ONG com sede em Nova York, nos Estadis Unidos, dedicada aos direitos reprodutivos--, dos 68 países que permitem o aborto sem restrição no mundo, apenas Japão, Taiwan e Turquia exigem autorização do cônjugue. De acordo com o mesmo documento, entre outras 157 nações em que o aborto pode ser feito sob algumas circunstâncias, só em 13 têm a mesma exigência.

Pai deveria ter direito? Especialistas divergem

Ainda que do ponto de vista legal, o tema seja tratado como uma questão sobre o direito individual da mulher, o psiquiatra Alexandre Saadeh, médico supervisor do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo), afirma que, quanto mais importante o vínculo entre o casal, mais o homem tem de ser ouvido na decisão.

O pai tem o direito de impedir a mulher de abortar?

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“Ainda mais se a possibilidade de ter filhos tiver sido aventada entre eles. Nesse caso, o filho é uma construção dos dois. Excluí-lo da decisão é uma coisa violenta”, diz Saadeh.

Em uma relação estável, a mulher não pode decidir sozinha o que fazer, de acordo com o especialista. “Tanto que, pela legislação, a criança é responsabilidade do casal”, fala o psiquiatra.

Mas, segundo Saadeh, não bastaria que o homem quisesse fazer valer sua vontade de ter um filho, ele teria de demonstrar para a mulher de que maneiras dividiria com ela as responsabilidades pela criança. “Dizer apenas ‘estamos juntos’ é lindo apenas em um filme da Sessão da Tarde.”

Para Saadeh, no entanto, se a gravidez for resultado de uma relação casual, a decisão sobre ter ou não a criança é muito mais da mulher do que do homem. “Se o homem some ou se apaixona por outra, todo o impacto do nascimento do filho recai sobre ela”.

O especialista também diz que as convicções religiosas do homem –não partilhadas pela mulher– também não podem ser determinantes para a decisão de não abortar.

Ainda que reconheça que deva haver um diálogo que preceda a decisão de abortar, no caso de relacionamentos estáveis, a psicóloga Vanessa Canabarro Dios, diretora-executiva da Anis Instituto de Bioética –organização não governamental feminista– diz que cabe à mulher a palavra final sobre o que fazer.

“É o corpo dela que vai engravidar, então, ela precisa estar bem com isso. Precisa ter o desejo de ser mãe”, declara Vanessa. Aos que levantam a possibilidade de a mulher manter a gestação e entregar o bebê para o pai criar, ela rebate em dois aspectos.

Para a psicóloga, estar grávida e não querer pode causar um intenso sofrimento mental para a mulher. “A ONU enviou um parecer para o STF [Supremo Tribunal Federal] que diz que negar o aborto legal a mulheres infectadas pelo vírus zika, e que desejam interromper a gravidez, pode ser uma forma de tortura. Sei que não estamos discutindo fetos possivelmente doentes, mas creio que o raciocínio também vale aqui.”

Vanessa Dios também propõe uma reflexão sobre o julgamento moral que a mulher pode sofrer se aceitar levar a gestação adiante.

“Ela passará a gestação sendo questionada sobre o sexo do bebê, de quanto tempo está... Quando nascer e entregar o bebê para o pai, certamente, será taxada de má, cruel”, fala a psicóloga.

O psiquiatra Saadeh concorda com Vanessa nesse ponto. “No nosso mundo preconceituoso, ela seria vista como uma megera e ele, como um fofo.”