Elas tiveram de entregar seus bebês para adoção e hoje revelam seus motivos
Elas deram à luz em situação vulnerável, ainda jovens, e não puderam contar com o apoio de seus pares e nem mesmo da família. Depois de decidirem entregar a criança, seguiram a vida carregando, igualmente sozinhas, dor e culpa. Conheça seis histórias.
Ires Brunielle, 25, cabeleireira, de São Paulo (SP)
"Tive meu primeiro filho com 16 anos, fruto de um relacionamento bem conturbado. Ainda no período de resguardo, engravidei do segundo. Mas se não tinha meios de criar um, sabia que seria impossível criar dois. O pai da criança dizia que o filho não era dele, não queria nem saber de mim. Então, ainda durante a gravidez, procurei uma prima que queria muito ter filhos e não conseguia. Combinei de entregar o bebê a ela para que ele pudesse levar uma vida melhor e mais tranquila. Toquei a gravidez adiante, mas quem montava o enxoval e fazia o quartinho era a minha prima. Quando o bebê nasceu, registrei em meu nome para ele não ir para o abrigo, amamentei no hospital, mas entreguei para a minha prima no dia da alta. Em seguida, fomos ao fórum e passei meu filho para o nome dela, tudo certinho, como ela queria. Também tentei me manter afastada para não atrapalhar. Minha família toda ficou sabendo, alguns me criticaram, mas mantive o combinado. Hoje, meu filho tem sete anos, sabe que sou sua mãe biológica e que a minha prima é a mãe adotiva praticamente desde que nasceu. Mas o mais importante é que ele é muito bem cuidado, tem tudo o que uma criança precisa. Por isso, nunca me arrependi da escolha que fiz. Não tomei essa decisão pensando em mim, só pensei no meu filho, no futuro que ele teria se tivesse mais oportunidades."
*Daniela Costa, 58, representante comercial, de São Paulo (SP)
"Engravidei com 17 anos, 41 anos atrás, em uma época que ser mãe solteira era uma aberração. Minha família tinha muitas restrições e o namorado, com quem eu já estava havia alguns anos, terminou tudo assim que recebeu a notícia. A primeira coisa que passou pela minha cabeça foi abortar, mas após os primeiros exames, quando ouvi o coraçãozinho, perdi a coragem. Foi então que um médico que me atendeu no pré-natal sugeriu que eu doasse a criança. Gostei da ideia e me escondi dos meus pais até o bebê nascer. Ao mesmo tempo, combinei tudo com o médico. No parto, pedi que me dessem anestesia, para que não visse nada. Mas me lembro do choro do meu filho até hoje, como se estivesse ouvindo-o agora mesmo. Só que não cheguei nem a pegá-lo no colo. Depois do parto, tinha uma pessoa que me passava informações sobre ele. Depois de cinco anos, resolvi contratar um advogado para tentar reaver a criança. Mas o profissional mesmo me desanimou, afirmando que dificilmente iria reverter tudo. Quando completou 30 anos, meu filho apareceu procurando por mim no meu lugar de trabalho. Descobri que ele tinha o mesmo nome do médico que fez o meu parto e que esse médico era primo de seu pai adotivo. Felizmente, compreendeu a minha situação e hoje nos damos muito bem. Fui ao casamento dele, acompanhei o nascimento do meu neto, mas, ainda assim, me arrependo muito. Não tinha outra alternativa naquele momento, mas nunca vou superar essa dor."
* O nome foi trocado a pedido da entrevistada.
Iara Aparecida dos Passos, 43, cozinheira, de Joatuba (MG)
"Engravidei na adolescência várias vezes seguidas e de parceiros diferentes. Os pais das crianças nunca me apoiaram, tampouco a minha família. Quando soube que esperava o terceiro filho, aos 21 anos, vi que não conseguiria criá-lo. O parceiro que tinha na época maltratava a mim e às crianças. Me batia o tempo todo. Então, uma pessoa conhecida, que morava na mesma rua que eu, contou que tinha um casal que ia para fora do Brasil e que havia se oferecido para ficar com o meu filho. Não tinha alternativa. Ao me internar no hospital, usei o nome e os documentos da adotante, então, meu filho já saiu com o nome dela. Amamentei por três dias e depois fiz a entrega. Para o meu marido e a família, inventei que havia perdido a criança, que ela tinha sumido no hospital. Mas nunca me esqueci do meu filho, a saudade era grande. Tanto que pedia a Deus que os nossos caminhos se cruzassem. Doze anos mais tarde, estava em um enterro e encontrei meu filho com a mãe adotiva. Um ano depois, contamos toda a verdade para ele e, desde então, meu filho começou a frequentar a minha casa. Descobri que ele nunca tinha ido morar fora do Brasil mas, apesar disso, sempre teve tudo do bom e do melhor. Mesmo assim, com 18 anos, ele se envolveu com gente errada e acabou sendo morto em um assalto. Foi terrível para mim. Nunca deixei de amar esse filho, mesmo quando fiquei longe dele. Costumo dizer que dar um filho é sentir a dor do parto para sempre."
Maria Elza Cardoso, 54, doméstica, de Brasília (DF)
"Sempre trabalhei como doméstica e, aos 17 anos, engravidei do meu segundo filho. Estava solteira e o bebê foi fruto de um romance passageiro. O pai não quis assumir e fiquei em uma condição muito precária. Nessa época, para tentar me ajudar, meus ex-patrões me indicaram um casal que queria ter filhos e não conseguia, me disseram que eles estavam indo para o exterior e que poderiam levar a criança. Sem opção, concordei em entregá-la. Mas, de verdade, nunca desejei isso. Quando minha filhinha nasceu, me convenci de que não ia entregar mesmo, queria ficar com ela de qualquer jeito. Estava fugindo, já na rodoviária, quando a família adotante me encontrou. Minha filha tinha dez dias e estava registrada em meu nome, mas eles me convenceram e a levaram embora. Desde então, me arrependo todos os dias de ter aceitado a proposta que me fizeram, pois nunca mais tive notícias dela. Hoje, estou procurando em todos os lugares, mas nunca tive nenhuma pista. Espero que ela esteja feliz com a família que a adotou e nem desejo que ela venha morar comigo. Tudo o que mais quero é saber se ela está bem. Meu coração de mãe não vai descansar até que eu consiga encontrá-la."
Adriana Beraldo, 32, auxiliar de serviços gerais, de Pouso Alegre (MG)
"Já vim de uma família desestruturada, com muita violência doméstica. Com 18 anos, resolvi arrumar um marido para sair daquela situação e, logo depois, acabei engravidando. Só que meu marido também me batia. Meu filho nasceu e, quando ele completou dois anos, decidi abandonar meu marido, mas não tinha para onde ir. Então, tomei a decisão de ligar para os avós paternos, pedindo para que eles ficassem com a criança até que eu conseguisse um emprego e uma casa. Passados alguns dias, eles me disseram que eu precisava assinar uns papéis para poderem viajar com o menino. E, desde então, nunca mais me deixaram vê-lo. Acabei engravidando de novo, fiquei em uma situação mais vulnerável ainda, não tinha muito o que fazer. E assim o tempo passou. Hoje, meu filho está com 11 anos e, com o crescimento, começou a questionar sobre suas origens e, naturalmente, teve vontade de me conhecer. Veio atrás de mim e conseguimos nos ver, mas logo meus ex-sogros descobriram e afastaram a gente. Mais recentemente, resolvi abrir um processo e minha esperança é, ao menos, conseguir visitá-lo. Meu maior sonho é abrir uma ONG para ajudar mães que passaram pela mesma situação que eu e, algum dia, por algum motivo, entregaram o filho. Na minha opinião, ao menos o direito de visitar a criança tem que ser garantido, porque o sofrimento de ficar longe é muito, muito grande."
Eliane da Costa, 42, técnica de enfermagem, de Parauapebas (PA)
"Engravidei quando tinha 15 anos e meu namorado, na época, até queria casar comigo. Só que, quando percebi que ia ser mãe, já não gostava mais dele. Morava no Maranhão, mas decidi ir para Goiânia com uma irmã para tentar uma vida melhor. Quando cheguei, conheci um convento onde as mulheres entregavam os filhos que não tinham condições de criar. Aí, colocaram na minha cabeça que era isso o que eu tinha de fazer. Na realidade, decidiram por mim. Quando meu filho nasceu, nem me deixaram amamentar e entregaram a criança para um casal que estava lá esperando e que falava italiano. Registrei meu filho e, depois, passei para o nome deles. No dia da audiência, só chorava, não sabia o que estava fazendo. Por todos os anos que se passaram, busquei notícias do meu filho no convento. E as madres me davam. Vi foto dele com um ano e depois com dez, na primeira comunhão. Só que aquilo me cortava o coração. Em 2011, finalmente consegui encontrá-lo no Facebook, porque ele também estava me procurando. Foi uma grande alegria! A gente se falava três vezes por dia, até comprei uma câmera boa para conseguirmos nos ver. Mantivemos contato por mais dois anos, até que ele faleceu em serviço, pois era marinheiro lá na Itália. Mesmo com todo o sofrimento que passei, até hoje, quando me perguntam se me arrependi de ter entregado meu filho, penso antes de responder. Para mim, foi mesmo muito ruim. Mas para ele foi bom, porque foi muito bem cuidado, teve tudo o que eu nunca poderia ter dado se tivesse ficado comigo aqui no Brasil."
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