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Em parto de lótus, placenta permanece ligada ao bebê e precisa de cuidados

Giulia Cecchetto fez parto de lótus e o filho ficou conectado à placenta por quatro dias - Elis Freitas/Reprodução/Facebook
Giulia Cecchetto fez parto de lótus e o filho ficou conectado à placenta por quatro dias Imagem: Elis Freitas/Reprodução/Facebook

Melissa Diniz

Do UOL, em São Paulo

04/04/2016 07h05

A busca por formas naturais de dar à luz tem levado mulheres do Brasil e do mundo a optarem pelo parto de lótus, espécie de ritual, comum em países como Indonésia e Austrália, em que se mantém a placenta ligada ao bebê após o nascimento, até que o cordão umbilical solte-se naturalmente, assim como um fruto maduro desprende-se do caule.

Durante esse período, que costuma levar de três a sete dias, a placenta recebe cuidados especiais. É colocada em um tecido impermeável, dentro de uma bolsa, e tratada com sal grosso, ervas e flores. “Dessa forma, todo o conteúdo líquido é absorvido, a placenta resseca com a ação do sal e as ervas a aromatizam, impedindo qualquer mal cheiro”, explica a enfermeira obstétrica e neonatologista Cecília Melo, de Florianópolis, que faz parte da equipe Hanami, especializada em parto domiciliar planejado.

A principal justificativa das mães que escolhem esse tipo de parto é permitir que o bebê passe por uma transição mais suave entre a barriga e o mundo. Além disso, elas encaram o parto como uma experiência espiritual, na qual a placenta é vista como um símbolo da vida. "Essa é uma maneira gentil de parir, pois o bebê nasce acompanhado daquele que foi seu lar até então, um órgão não somente físico, mas também energético", afirma a fisioterapeuta Giulia Cecchetto, 26, de Vicenza (Itália). Seu bebê, Amedeo Shiva, cinco meses, ficou ligado à placenta por quatro dias. "Foi uma experiência mística, a mais profunda que já tive na vida", conta.

Essa é também a opinião da professora de inglês Karlee Dawn Demierre, 32, do Canadá, que há um ano vive em Florianópolis. Ela e o marido, Santiago, optaram pelo parto de lótus após verem um vídeo no YouTube.

Odin ficou sete dias ligado à placenta - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Odin ficou sete dias ligado à placenta
Imagem: Arquivo pessoal

Como sua ginecologista desconhecia a prática, Karlee decidiu fazer um parto em casa, com a ajuda de uma parteira e de uma doula.

“Acredito que a conexão entre a mãe e o bebê seja muito forte. Por isso, cortar o cordão umbilical tão rapidamente é uma ação violenta e desnecessária”, diz. Seu bebê, Odim, hoje com três meses, ficou sete dias ligado à placenta. 

A vendedora argentina Estefania Alvarez, 31, que vive no Brasil há dois anos, ficou sabendo do parto de lótus pela equipe de parto domiciliar que contratou. “No começo, achei estranho, mas as enfermeiras explicaram como funcionava e eu e meu marido, Sidney, optamos por fazer, principalmente quando soubemos que o bebê ficaria mais tranquilo. De fato, isso aconteceu.” 

O cordão de Maya, hoje com um mês, caiu no quinto dia. Mas, segundo Estefania, manter a placenta exigiu cuidado, principalmente no momento do banho e da amamentação. Por causa disso, o casal só permitiu que as visitas pegassem o bebê no colo após o desligamento do cordão. 

Estefania cuida da placenta da filha Maya - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Estefania cuida da placenta da filha, Maya
Imagem: Arquivo pessoal

Assim que souberam que esperavam o primeiro filho, a psicóloga Malu Monteiro, 38, de Lages (SC), e seu marido, Jair, iniciaram uma busca por formas mais naturais de realizar o parto. “Vimos alguns vídeos na internet e acabamos descobrindo o parto de lótus, que nos pareceu ideal”, afirma.

Joaquim nasceu há um mês, em um parto domiciliar de cócoras, e manteve-se ligado à placenta por quatro dias. “Ele mesmo decidiu se desconectar, enrolando o pé no cordão, foi bastante tranquilo.”

Durante esse período, Jair a ajudou nos cuidados da placenta, que recebeu camomila, hortelã, alecrim e sal grosso, além de flores. “Foi tudo muito prático, pois quando íamos trocar o bebê, cuidávamos também da placenta.” 

Para Malu, o maior benefício do parto de lótus foi espiritual. “Acreditamos que a placenta passe energia vital ao bebê.” Após o desligamento, a família fez um ritual de agradecimento, jogando a placenta no mar. “Foi maravilhoso e pretendo repetir no segundo filho.”

A placenta de Joaquim foi guardada em uma bolsa até se soltar no quarto dia - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
A placenta de Joaquim foi guardada em uma bolsa até se soltar no quarto dia
Imagem: Arquivo pessoal

Prática nada convencional

A ciência já comprovou que o corte tardio do cordão umbilical é bom para o bebê, que absorve mais sangue e nutrientes, além de ganhar mais peso. Mas por que manter a placenta após o cordão parar de pulsar? Para o ginecologista e obstetra Alberto Guimarães, de São Paulo, que é defensor do parto humanizado, a prática não traz benefícios à saúde do bebê.

“Trata-se de uma opção de cunho filosófico ou religioso e por isso respeitamos. Mas não há fundamentos do ponto de vista científico. Recomendamos o parto natural e o corte tardio do cordão, mas consideramos que manter a placenta após o nascimento gera um desconforto desnecessário para os pais, que já estarão envolvidos com os cuidados do bebê.”

Apesar de não indicar o procedimento, o médico afirma que, a princípio, a manutenção da placenta, desde que sejam tomados cuidados de higiene, não gera risco de infecção. “Tudo vai depender do ambiente, certamente essa não é uma prática para a população em geral e pode até chocar algumas pessoas.”

Foi somente após começar a trabalhar na equipe Hanami que a enfermeira obstétrica Cecília Melo, mestre em enfermagem pela UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), tomou conhecimento do parto de lótus. “Em minha formação profissional esse assunto não foi sequer comentado”, afirma.

Malu Monteiro e Joaquim, ligado à placenta - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Malu Monteiro e Joaquim, ligado à placenta
Imagem: Arquivo pessoal

Hoje, a técnica faz parte de sua rotina. “O lótus não irá modificar a forma em como a mulher dá à luz. A única diferença é a manutenção da placenta, cujo nascimento é comemorado pela nossa equipe. Somos gratas a ela por ter propiciado uma gestação saudável e o crescimento adequado do bebê.”

Já nos hospitais e maternidades, a postura é bem diferente. “A maioria dos profissionais vê a placenta como um problema a ser resolvido, preocupa-se apenas se ela sairá completa ou não. Depois, ela é descartada como lixo hospitalar”, diz Cecília.

Segundo a enfermeira, ao optarem pelo parto lótus, as famílias são orientadas a adquirirem alguns materiais necessários para realizar os cuidados de higiene, que acontecem apenas uma vez ao dia.  “Orientamos também a lavar o local de inserção do cordão umbilical no bebê durante o banho e manter essa região sempre seca e limpa.”