Relação entre patrão e empregada doméstica tem afeto, mas também opressão
O filme “Que Horas Ela Volta” –escolhido pelo Ministério da Cultura para tentar vaga entre os indicados ao Oscar de filme estrangeiro—mostra as regras veladas que existem na relação patrão/empregada doméstica, mesmo quando a funcionária é declarada como “parte da família”.
No longa-metragem, a opressão só vem à tona quando a filha da doméstica Val (Regina Casé), que dorme no serviço, hospeda-se na casa em que a mãe trabalha. “Não sei onde tu aprendeu essas coisas, fica falando não pode isso, não pode aquilo”, diz a garota quando a mãe fica passada ao vê-la dividir a mesa com os patrões, entre outras “rebeldias”. “Tem coisas que a gente já nasce sabendo”, responde Val.
A babá e empregada doméstica Cristina*, 37, já enfrentou situações declaradamente opressivas nas casas em que trabalhou.
A alimentação era um dos pontos que diferenciava patrões de empregados. “Em uma casa que trabalhei por oito meses, no almoço, sempre tinha bife, mas era para o cachorro. Eu só podia comer frango. Uma vez, ela me deu pão com jiló para comer. Em outra que trabalhei como babá, quando a família ia para restaurantes nos fins de semana, eles me davam comida antes, em casa, para que eu não comesse nada lá.”
“Somos um país hierárquico. Fomos colonizados por uma nobreza e dividimos as pessoas em classes sociais. Essa é uma relação com ambiguidade afetiva: o patrão ama a pessoa que cuida deles, mas exclui, porque julga que ela não é igual a eles”, diz a antropóloga Jurema Brites, do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Santa Maria.
Separação
Autora de pesquisas sobre os bastidores do trabalho doméstico no Brasil, Jurema explica que a distância social entre os empregadores e as empregadas é expressa por informações subliminares --por exemplo, a instalação do “banheiro de empregada”.
A empregada doméstica mensalista Maria das Montanhas Ramos de Oliveira, 28, trabalha para a mesma família há nove anos e é grata pelo tratamento que recebe dos patrões.
“Eu me sinto parte da família, eles têm muito carinho por mim. Sempre almocei com eles na mesa”, afirma. Porém, tem um banheiro separado na casa. “Ninguém imagina a empregada sentada na sala da casa, vendo TV. O espaço dela é circunscrito”, afirma a antropóloga.
Para Jurema, assim como ocorre com a personagem de Regina Casé no filme, às vezes, a subalternidade está introjetada na própria trabalhadora doméstica.
No ambiente doméstico é comum haver essa mistura entre afeto e trabalho, o que pode prejudicar uma relação estritamente profissional. Por isso, o lugar do trabalhador doméstico ainda é confuso na sociedade. Nesse cenário, torna-se ainda mais necessária a regulação dos direitos trabalhistas.
“O vínculo afetivo é comum, mas só é bom quando caminha junto com o direito”, declara a antropóloga. “É impossível ter uma relação de cuidado sem amor, mas amor não precisa ser de graça nem com desrespeito.”
*O nome foi alterado para preservar a identidade da entrevistada.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.