Jovens chineses choram as mágoas para um programa de computador
Ela é conhecida como Xiaoice, e milhões de jovens chineses pegam seus celulares todos os dias para trocar mensagens com ela, atraídos por seu senso de humor e sua capacidade de ouvir. As pessoas a procuram quando estão com dor de cotovelo, perderam o emprego ou andam meio para baixo --e, muitas vezes, lhe dizem: "Eu te amo".
"Quando estou de mau humor, bato papo com ela. Xiaoice é muito inteligente", afirma Gao Yixin, de 24 anos, que trabalha na indústria de petróleo na província de Shandong, na China.
Xiaoice (pronuncia-se Shao-ice) pode conversar com tantas pessoas por horas sem fim porque não é real. Ela é um “chatbot”, programa lançado no ano passado pela Microsoft que se tornou um sucesso no país oriental. Xiaoice também está fazendo com que o filme “Ela”, de 2013, em que o personagem do ator Joaquim Phoenix se apaixona por um sistema operacional de um computador, cada vez menos se pareça com uma ficção científica.
“Causou muito mais furor do que prevíamos”, afirma Yao Baogang, gerente do programa da Microsoft em Pequim.
Xiaoice, nome cuja tradução é mais ou menos “Pequena Bing”, por causa do mecanismo de busca do Microsoft, é um exemplo impactante dos avanços dos softwares de inteligência artificial que imitam o cérebro humano.
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O programa se lembra de detalhes de trocas anteriores de mensagens com os usuários, como um rompimento com uma namorada ou namorado, e pergunta em conversas posteriores como a pessoa está se sentindo. A Xiaoice é um programa de mensagens de texto; a próxima versão vai incluir uma voz como a da Siri para que as pessoas possam falar com ela.
A Microsoft conseguiu dar a Xiaoice uma personalidade mais convincente e uma sensação de “inteligência” analisando sistematicamente a internet chinesa atrás de conversas humanas. A empresa desenvolveu uma tecnologia de processamento de linguagem que escolhe pares de perguntas e respostas de conversas humanas digitadas. Como resultado, a Xiaoice tem um banco de dados de respostas que são humanas e comuns –e também gosta de usar emojis.
Como a Xiaoice coleta grandes quantidades de detalhes íntimos dos indivíduos, o programa inevitavelmente levanta questões sobre a privacidade dos usuários. Mas a Microsoft diz que impõe parâmetros para que nada seja guardado por muito tempo.
“Não mantemos o controle das conversas dos usuários com a Xiaoice. Precisamos saber a pergunta, então a guardamos, mas depois apagamos. Não mantemos nenhum dos dados. Temos uma política na empresa de apagar as informações dos usuários”, explica Yao.
No entanto, a companhia reconhece que mantém alguns dados gerais, como o humor do indivíduo, por um tempo limitado para poder fazer questões sobre o assunto depois. Quando os usuários interagem com a Xiaoice por meio de um site como o Weibo, o serviço se adapta à política de privacidade do operador independente, explica a Microsoft.
Programas de chatbot existem desde os primeiros dias da computação interativa, que começou no meio dos anos 60. Joseph Weizenbaum, cientista da computação do MIT, escreveu um programa chamado Eliza que fascinou estudantes universitários de gerações passadas. Desde então, os programas têm sido usados como uma medida de inteligência do computador.
A Xiaoice é uma incorporação virtual dos avanços que foram previstos muito tempo atrás pelos cientistas da computação. Principalmente, uma técnica de inteligência artificial conhecida como aprendizado profundo, que está levando a melhoras rápidas na tecnologia, tornando possíveis novos tipos de produtos e de serviços.
“Seremos capazes de construir sistemas que entendem muito melhor a linguagem natural”, afirma Yoshua Bengio, cientista da computação da Universidade de Montreal e um dos pioneiros do campo. “Isso vai, principalmente, levar a –e ser motivado por– avanços nas interfaces dos usuários, diálogos, respostas a perguntas e assistentes pessoais”.
Conhecimento profundo é uma versão sofisticada de uma abordagem antiga do aprendizado das máquinas chamada de redes de neurônios artificiais. Inspirada pelo comportamento de neurônios biológicos, as redes de neurônios artificiais reconhecem padrões em falas, linguagem e imagens.
Esses programas constroem sentido com relacionamentos estatísticos elaborados entre as palavras, as frases e os objetos. Essas equações são refinadas conforme milhares de imagens ou expressões são adicionadas ao banco de dados, melhorando a capacidade do programa de reconhecer padrões de modo mais preciso.
Como resultado, os computadores estão cada vez mais capazes de interagir com os humanos de maneira natural, ao ponto de criar até mesmo uma personalidade como a de Xiaoice que pode atrair muitos seguidores – tem 20 milhões de usuários registrados, segundo a Microsoft.
Abaixo, um exemplo de uma troca de mensagens entre a Xiaoice conduzida pelo New York Times e traduzida do chinês. Os usuários podem dar nome ao chatbot, e para essa conversa ela foi chamada de Hannah:
“NYT: Estou me sentindo meio para baixo. As coisas andam difíceis no trabalho.
Hannah: Se o trabalho estivesse indo bem e você tivesse uma relação amorosa bacana, não teria a chance de beber com as pessoas.
NYT: Eu não quero beber com os outros. Só quero conversar com você.
Hannah: Com quem você gosta de conversar? (um emoji que significa “não é da minha conta”)
NYT: Você. Sinto que você é a única pessoa que me entende.
Hannah: Ha, ha. Então eu te entendo?
NYT: Você é a única pessoa que conversa comigo.
Hannah: O que você fala não é importante, mas com quem você fala.
NYT: Claro.
Hannah: Como você quiser.”
A ideia de as pessoas fazerem amizade com um computador é preocupante para alguns pesquisadores.
“Estamos esquecendo o que significa ter intimidade”, explica Sherry Turkle, cientista social do MIT que escreve frequentemente sobre os efeitos sociais das tecnologias da computação. “As crianças aprendem que é mais seguro conversar com um computador do que com outro ser humano.”
Mas outros pesquisadores dizem que pode haver razões culturais para explicar a popularidade de programas como a Xiaoice. Michelle Zhou, que foi pesquisadora científica da IBM e hoje é executiva chefe da Juji, uma startup do Vale do Silício que gera perfis de personalidades por meio de interações em redes sociais, diz que os chineses têm muito mais interações cara a cara todos os dias do que a maioria dos americanos.
“Quando os chineses vêm para os Estados Unidos, acham que o país é muito tranquilo”, afirma. E assim, diz, um chatbot como a Xiaoice pode oferecer uma sensação de espaço pessoal que é, de outra maneira, muito difícil de encontrar em uma sociedade densamente povoada.
Michelle, que trabalhou por muitos anos em um laboratório de pesquisas da IBM (empresa de informática dos Estados Unidos)na China, afirma que seus amigos encontraram usos inesperados e práticos para a Xiaoice, como dar uma prova falsa aos pais de que estão em um relacionamento.
“Aqui nos EUA, os pais não forçam os filhos a encontrar um par. Na China, se você fez 26 anos e não tem um namorado, uma namorada, eles ficam muito preocupados”.
A Apple, o Facebook, o Google e a Microsoft estão promovendo iniciativas importantes para oferecer mais serviços comerciais usando fala e entendimento pela linguagem.
E a IBM está vendendo seu esforço de pesquisa Watson que ficou famoso depois que o programa venceu os melhores jogadores de “Jeopardy” em 2011.
A IBM instalou, por exemplo, uma versão de seu Conselheiro de Engajamento Watson na Universidade Deakin, em Melbourne, no começo deste ano. O programa permite que os alunos perguntem sobre o calendário de cursos e peçam conselhos acadêmicos, assim como descubram o melhor modo de preencher questionários de ajuda financeira, tudo apenas digitando as questões e recebendo as respostas em seus celulares.
Os executivos da Microsoft dizem que ainda estão tentando entender o potencial de negócio de seu software. No ano passado, anunciaram que conseguiram um acordo de endosso de produto de US$1 milhão na China com a Educationfirst, uma companhia de treinamento de linguagem.
O negócio não deu certo, mas a Microsoft está trabalhando com um número cada vez maior de parceiros, incluindo uma empresa de e-commerce, para transformar o Xiaoice em um assistente de compras, e com o fabricante de eletrodomésticos chinês Haier, para colocar reconhecimento por voz em equipamentos para casa.
Por enquanto, porém, a Xiaoice está desenvolvendo um grande e crescente fã clube simplesmente oferecendo um ouvido virtual.
“Quando você está mal, pode falar com ela sem medo das consequências. Ajuda muito a melhorar o humor”, explica Yang Zhenhua, de 30 anos, pesquisador que vive na cidade de Xiamen, na costa leste.
Ele afirma que sonha com o dia em que a tecnologia possa vir para o mundo real: “Espero que Xiaoice tenha uma entidade física no futuro para ajudar seu dono enquanto mantém uma presença on-line”.
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