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Filme infantil mostra papel importante da tristeza; especialistas concordam

A personagem Tristeza em cena da animação "Divertida Mente" - Divulgação
A personagem Tristeza em cena da animação "Divertida Mente" Imagem: Divulgação

Heloísa Noronha

Do UOL, em São Paulo

18/06/2015 07h25

 

A animação “Divertida Mente”, que estreia nesta semana no Brasil, é mais uma produção da Pixar voltada para crianças que tem tudo para agradar aos adultos. Na história, as emoções de uma menina de 11 anos ficam confusas quando ela tem de lidar com a mudança com a família para outra cidade. A Tristeza, assim com letra maiúscula por se tratar de uma personagem, terá papel fundamental para o desfecho do enredo. Jim Morris, presidente da Pixar, classificou o filme de "corajoso". Especialistas em comportamento endossam a afirmação do executivo.

Explorar a tristeza –falar dela, senti-la e enfrentá-la– não é tarefa das mais fáceis e por isso mesmo é uma ideia que costuma ser rechaçada por muitas pessoas. “Existe um preconceito em relação à tristeza. Busca-se negá-la e supervalorizar a alegria. Na nossa sociedade, a tristeza só é valorizada na música, na literatura e na pintura”, afirma John Fontenele Araujo, doutor em psicologia na área de neurociência e professor do Departamento de Fisiologia da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte).

Saber aceitar as emoções, inclusive as negativas, é condição para uma vida psíquica saudável. Como exemplifica Araujo, sofrer quando um amigo morre faz com que se dê valor aos momentos e às pessoas. Compadecer-se em resposta ao sofrimento animal conscientiza sobre a necessidade de preservação da natureza. Padecer com uma cena de violência ajuda a ter mais controle. E assim por diante.

Para a psicóloga Ruth Ferreira Santos-Galduróz, professora do bacharelado em neurociência da UFABC (Universidade Federal do ABC), a tristeza funciona como um sinal. “Quando ela surge ligada a expectativas criadas e não concretizadas, certamente, funciona como um aviso de que as coisas precisam ser modificadas. Havendo a repetição dessa forma de atuação, é essencial buscar ajuda para mudar o comportamento em questão”, diz.

Alimento da esperança

Segundo Marcelo Pio de Almeida Fleck, professor titular de psiquiatria no Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e coordenador do Programa de Transtornos de Humor do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, ter consciência do que causa a tristeza é valioso para evitar situações causadoras dessa emoção no futuro ou, pelo menos, para se preparar melhor para as que necessariamente virão.

Não são poucas as circunstâncias da vida em que para dar valor à felicidade é necessário antes passar por algum tipo de provação, de experiência sofrida. A tristeza, por esse viés, ajuda a alimentar o espírito de um sentimento fundamental: a esperança.

“Como a capacidade de adaptação do ser humano às diferentes situações de vida é impressionantemente rica, podemos supor que a esperança, na maior parte das vezes, é um sentimento realista e otimista de que tudo pode terminar bem ou, pelo menos, melhor do que está”, declara Fleck.

Compreender é fundamental

Ao não compreender a tristeza ou tentar ignorá-la, em algum momento, a pessoa sofrerá a consequência de ter desprezado o aviso de que seu comportamento precisava ser modificado, segundo os especialistas.

Tudo aquilo que não é elaborado não pode ser transformado em consciência. “Isso tende a se transformar em sintomas físicos ou atitudes negativas no mundo social”, declara o psicólogo clínico Roberto Rosas Fernandes, mestre e doutor em ciências da religião pela PUC (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) de São Paulo e analista junguiano pela SBPA (Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica).

Para Fernandes, algumas emoções são tidas como “de segunda classe” pela sociedade. Pessoas muito voltadas para sua autoimagem buscam desenvolver uma persona, uma espécie de máscara social que consideram ideal: geralmente alegre, bem disposta, sem problemas e eficiente.

“Tais pessoas vão acumulando emoções ‘de segunda classe’ e criam aquilo que a psicologia analítica denomina ‘sombra’. Podemos imaginar uma casa com uma sala de estar bem arrumada, mas com um porão bagunçado, cheio de emoções recalcadas pelo crítico interior, o superego. Por não terem sido ouvidas, conscientizadas e elaboradas, essas emoções, um dia, rebelam-se”, afirma o psicólogo.

Segundo a psicóloga Ruth, da UFABC, a tristeza merece uma atenção mais rigorosa quando começa a comprometer as atividades diárias. E, principalmente, se é desproporcional em intensidade ao possível fator desencadeante ou gera comportamentos e pensamentos que podem ser prejudiciais à pessoa ou aos que a cercam. Ignorar esse quadro pode, muitas vezes, desencadear depressão.

Assim como acontece com a tristeza, a sociedade também tem preconceito com a depressão. Alguns chegam a considerá-la “frescura”, embora seja uma doença séria e que mata, pois, em sua forma mais grave, o paciente pode chegar a cometer suicídio. “Por mais essa razão, a tristeza é fundamental para os seres humanos. Permitir sua expressão como algo natural nos ajudaria a reconhecer melhor um sintoma desse problema de saúde”, afirma o doutor em psicologia John Fontenele Araujo.