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Entenda como funciona a mente de quem mata e comete suicídio

Erica Goode

The New York Times

13/04/2015 15h15

Logo depois da tragédia com o avião da Germanwings, ele foi descrito como um piloto feliz e cuidadoso, um jovem que sonhava em voar desde que era criança.

Mas desde então, parece cada vez mais claro que Andreas Lubitz, de 27 anos, o copiloto do avião, era definitivamente uma pessoa muito mais sinistra: o realizador de um dos maiores assassinatos em massa e suicídios da história.
 
Se o que os pesquisadores descobriram a respeito desses crimes serve de indicação, essa notoriedade pode ser justamente o que Lubitz queria.
 
As ações que foram atribuídas a Lubitz – levar 149 pessoas inocentes para morrer com ele – parecem absurdas e incompreensíveis, e seus motivos podem nunca ser inteiramente esclarecidos, mas estudos realizados nas últimas décadas começaram a encontrar algumas características compartilhadas por muitas das pessoas responsáveis por esse tipo de violência, entre as quais um narcisismo enorme, um forte sentimento de injustiça e um desejo de notoriedade.
 
Adam Lankford, professor associado de Justiça Criminal na Universidade do Alabama, afirmou que, durante sua pesquisa a respeito de assassinos em massa que também se suicidam, ele encontrou "um número significativo de casos onde onde há menção de desejo por fama, glória e atenção como motivo".
 
Antes que Adam Lanza, de 20 anos, o assassino da Escola Elementar Sandy Hook, matasse 20 crianças, seis adultos e se suicidasse em 2012, ele escreveu em um fórum online: "Olhe só quantos fãs a gente consegue encontrar com qualquer tipo de assassinato em massa".
 
Robert Hawkins, de 19 anos, que se suicidou depois de matar oito pessoas em um shopping em Omaha, Nebraska, em 2007, deixou um bilhete dizendo: "Eu vou ficar famoso", completando a frase com um palavrão.
 
Além disso, Dylan Klebold, de 17 anos, famoso pelo tiroteio em Columbine High School, dizia que seu objetivo era "causar o máximo de mortes na história dos EUA. É o que a gente espera. É isso que a gente espera".
 
"Os diretores vão se bater para conseguir os direitos da história", afirmou Klebold em um vídeo antes do massacre.
 
Se as autoridades sabem o que está por trás dos atos de Lubitz, elas decidiram não publicar essas informações. Na semana passada, a promotoria afirmou que agora sabiam que o acidente havia sido planejado, já que o copiloto pesquisou formas de cometer suicídio e de fechar a porta do cockpit do avião.
 
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A Lufthansa, empresa que controla a Germanwings, afirmou que Lubitz era vítima de depressão profunda e chegou a conversar com um conselheiro a respeito de sua vontade de acabar com a própria vida durante o treinamento.
 
Contudo, especialistas em saúde mental que estudam assassinatos em massa seguidos de suicídios afirmaram que a depressão e os pensamentos suicidas – que são bastante comuns – estão longe de explicar atos tão drásticos e estatisticamente raros.
 
"As pessoas querem uma saída fácil para entender o que aconteceu, querem colocar a culpa em alguma coisa, ou em um bode expiatório", afirmou o Dr. James L. Knoll, diretor de Psiquiatria Forense da Upstate Medical University, ligada à Universidade Estadual de Nova York.
 
Porém, se concentrar na depressão é "uma estratégia improdutiva e sem futuro", afirmou. Acrescentando que "o caso em questão é fundamentalmente diferente, e está muito além da depressão. Temos que buscar respostas em outro lugar".
 
Os estudos a respeito de assassinos em massa sugerem que problemas mentais graves são um fator importante em uma parcela pequena dos casos – cerca de 20 por cento do total, de acordo com estimativas feitas por diversos especialistas. As distorções de personalidade são muito mais comuns – crises de raiva, paranoia, mania de grandeza, sede de vingança ou narcisismo e insensibilidade patológica.
 
"A característica de personalidade mais típica dos assassinos em massa é a paranoia associada a uma insatisfação constante", afirmou o Dr. Michael Stone, psiquiatra forense de Nova York que acaba de completar um estudo envolvendo 228 assassinos em massa, muitos dos quais se suicidaram.
 
"Eles querem morrer, mas querem levar muitos outros com ele, sejam colegas de trabalho, chefes, membros da família ou pessoas comuns que estão no lugar errado".
 
Lubitz, destaca Stone, agora está entre alguns dos maiores assassinos em massa da história, competindo com Adilson Marcelino Alves, que matou cerca de 500 pessoas no Brasil em 1961 ao atear fogo em um circo, ou Timothy McVeigh, o responsável pela bomba de Oklahoma City, que matou 168 pessoas e feriu mais de 680.
 
O Dr. J. Reid Meloy, psicólogo forense que presta consultoria na área de avaliação de ameaças a universidades e empresas, afirmou que a característica mais óbvia dos assassinos em massa é a crença de que foram enganados, ou traídos.
 
"O que ficou claro nos últimos 30 anos de pesquisa é que sempre existe algum nível de mágoa pessoal por trás do que leva uma pessoa a cometer esse tipo de crime", afirmou Meloy.
 
O alvo dessa mágoa pode ser uma pessoa, uma empresa, uma instituição ou um governo, afirmou, "mas o problema é visto de uma óptica bastante pessoal e geralmente envolve uma grande perda ou a impressão de uma perda".
 
No caso de Lubitz, ainda não é possível determinar se ele sabia quem eram ou se interessava pelas pessoas que iriam morrer.
 
"Para algumas pessoas, os alvos são o propósito do ataque", afirmou Meloy, referindo-se aos assassinos em massa. "Eu acredito em outros casos, quando o objetivo do ataque é, por exemplo, obter fama, os alvos acabam se convertendo nos meios para outra finalidade. É como se eles não passassem de efeito colateral".
 
Os assassinatos em massa correspondem a uma fração ínfima dos assassinatos realizados nos EUA, que totalizam algo entre 1.000 e 1.500 mortes ao ano, de acordo com um estudo epidemiológico de 1992. A grande maioria dos crimes é cometida por homens em espaços domésticos: um homem violento, por exemplo, que mata a esposa, a namorada ou a amante.
 
Os suicídios precedidos pelo assassinato de diversas pessoas desconhecidas representam uma fração ainda menor do total de homicídios. Mas eles parecem ser consideravelmente diferentes dos assassinatos cometidos em ambiente doméstico, afirmam pesquisadores.
 
Nos casos domésticos, a depressão parece ter um papel significativo. Uma recente pesquisa de autópsia psicológica envolvendo assassinatos seguidos de suicídio em Dallas, em sua maioria envolvendo violência doméstica, revelou que 17 dos 18 assassinos tinham todos os traços de depressão e outras formas da doença.
 
O estudo, realizado por Knoll e pela Dra. Susan Hatters Friedman, psiquiatra forense da Case Western, revelou que a maioria dos assassinos também fazia uso frequente de álcool e drogas. Quatro deles tinham um histórico familiar de suicídios. O estudo está sendo avaliado para a publicação em revistas científicas.
 
Os assassinatos seguidos de suicídio em ambiente doméstico quase sempre são impulsivos – cometidos no auge da raiva ou dos ciúmes, muitas vezes facilitado pela presença de uma arma de fogo no ambiente. Por outro lado, assassinos que matam grupos de desconhecidos costumam planejar seus crimes com cuidado, esperando por uma oportunidade de entrar em ação.
 
E, embora os assassinatos seguidos de suicídio em ambiente domésticos sejam frequentemente incentivados pelo álcool, as pessoas que planejam se matar e matar outras pessoas geralmente querem estar com a mente limpa na hora do crime.
 
George Sodini, de 48 anos, que matou três pessoas e feriu outras nove durante uma aula de aeróbica em um subúrbio de Pittsburgh em 2009, afirmou o seguinte no blog onde detalhava seus planos: "Eu não bebo desde sexta-feira às 2h30", escreveu na segunda-feira, dia três de agosto, um dia antes do massacre. "Preciso fazer o esforço. Amanhã será o grande dia".
 
O avião pode parecer um veículo improvável para um assassinato em massa ou para a autodestruição. Mas isso não é tão surpreendente quando se trata do método de escolha de um piloto, afirmam diversos psiquiatras.
 
Em um estudo envolvendo 85 suicídios com aeronaves desde 1965 até o presente, Hatters Friedman e o Dr. Chris Kenedi, psiquiatra da universidade Duke, revelaram que 18 dos acidentes pareciam ser assassinatos seguidos de suicídio, 15 dos quais realizados pelo piloto. O estudo observou acidentes de aviação comum e comercial, incluindo os acidentes deliberados causados pelos pilotos de um jato da Mozambique Airlines, em 2013, e da EgyptAir em 1999.
 
O voo 370 da Malaysia Airlines não estava entre os estudados, embora o suicídio do piloto fosse uma das teorias por trás do desaparecimento da aeronave no ano passado.
 
"Nem todos tinham um histórico de doenças mentais. O quadro muitas vezes é de estresse familiar, estresse nos relacionamentos, no trabalho ou nas finanças pessoais", afirmou Hatters Friedman a respeito dos pilotos.
 
Em diversos casos, os pilotos – todos homens – pareciam estar agindo em resposta a alguma mágoa. Um deles bateu com o avião na casa de sua ex-sogra, outro no escritório de seu patrão. Um terceiro bateu um Piper Dakota em um escritório ocupado pela Receita Federal.
 
Contudo, poucos assassinatos em massa são tão assustadores quanto aqueles que envolvem jatos de passageiros com centenas de pessoas à bordo.
 
Quando o crime acontece em um shopping ou uma escola, destacou Knoll, as pessoas podem correr e se proteger.
 
"Em um avião, o número de vítimas está fechado, e é impossível fugir".