Topo

Falsificação afeta mais a imagem do que o bolso das grifes de luxo

Oficial do governo chinês ensina como reconhecer um tênis falso da marca Nike  - France Presse/AFP
Oficial do governo chinês ensina como reconhecer um tênis falso da marca Nike Imagem: France Presse/AFP

Augusto Paz e Fernanda Schimidt

Do UOL, em São Paulo

06/04/2015 07h00

Ainda longe da invenção das máquinas de costura --criada em meados do século 18--, a nobreza europeia mandava fazer seus trajes sob medida; um processo custoso e demorado para a época. A ascendente burguesia esperava ansiosamente pelas novas roupas, para que logo pudesse copiá-las. Desta mecânica de criação e cópia, nasceu o que hoje chamamos de moda.

Mas o termo “cópia” ganhou outros significados nos tempos modernos. Em 2012, a grife norte-americana Coach moveu processo contra Linda e Courtney Allen, mãe e filha que, de Nova York, comercializavam modelos falsificados das bolsas de luxo da marca. A dupla, que já havia sido processada pela Chanel, em 2007, por comercialização de bens contrabandeados, foi sentenciada a indenizar a marca norte-americana em R$ 100 milhões.

Recente também é a tendência dos “produtos inspirados”. Atire a primeira pedra aquele que nunca viu (ou comprou) uma bolsa da Kate Spade, Céline ou Louis Vuitton anunciada assim. Um caso famoso foi a sanção imposta à rede brasileira 284, processada pela francesa Hermès por comercializar uma imitação declarada da bolsa Birkin feita em moletom. A marca nacional foi impedida de vender o produto sob ameaça de pagar multa de R$ 10 mil por dia em que a medida fosse descumprida.

Chinese fake - fabricante de produtos de luxo Louis Vuitton está processando o Carrefour porque uma das lojas da rede varejista, em Xangai, vendeu falsificações de uma bolsa pelo equivalente a R$ 13 - Associated Press/AP - Associated Press/AP
Em 2010, a Louis Vuitton processou o Carrefour porque uma de suas lojas, em Xangai, vendeu falsificações de uma bolsa pelo equivalente a R$ 13
Imagem: Associated Press/AP

Cópia como reconhecimento
O consumo de falsificações denota que o império das marcas segue robusto. Adquirir um bem ilegítimo é endossar o poder daquele nome, ainda que não se saiba de que empresa se trata. Mas há quem defenda que as cópias prejudicam a marca, uma vez que suas criações são voltadas para um público seleto. A dispersão deixaria o produto marginalizado.

Histórias dão conta de que Coco Chanel ficava felicíssima ao ver os camelôs de Paris vendendo cópias de seu perfume Nº 5. Diz-se que ficava tão lisonjeada com o reconhecimento de sua marca, que chegava a abraçá-los. Da mesma maneira se sente Rony Meisler, estilista da carioca Reserva. Para ele, a pirataria afeta mais o moral que o financeiro de sua marca. “Moralmente, sinto-me homenageado. A falsificação é uma consequência do fato de a demanda e o carinho pela marca serem maiores do que a oferta dela”, completou.

Mas, se as marcas pirateadas desenvolvessem produtos a preços populares, acabariam as falsificações? A questão não é tão simples. O desenvolvimento de uma linha acessível demais pode comprometer o posicionamento de uma marca de luxo. O executivo Fabio Garcia, dono do blog Bolsas de Valor, dá um exemplo: “A Dolce & Gabanna encerrou as operações de sua segunda e lucrativa marca, a D&G. A similaridade entre nomes e publicidade acabava gerando confusões”. A Dior tomou outra atitude ousada: tirou de linha todos os modelos de bolsa que traziam os logotipos, para dificultar as réplicas. “Fazer produtos com certa complexidade de confecção, que são difíceis de copiar, também é uma maneira de se proteger”, explicou Luc Perramond, diretor geral da La Montre Hermès, divisão de relógios da tradicional grife francesa.

Detalhes da confecção artesanal de uma bolsa Hermès, em vídeo divulgado pela própria grife - Reprodução/Hermès - Reprodução/Hermès
Detalhes da confecção artesanal de uma bolsa Hermès, em vídeo divulgado pela grife
Imagem: Reprodução/Hermès
De quanto é o buraco?
A presidente da associação francesa de luxo Comitê Colbert, Elisabeth Ponsolle des Portes, é franca ao falar sobre a influência que a pirataria tem sobre este mercado exclusivo da moda. “Não posso dizer que há impacto no nosso trabalho, mas um problema de imagem. Se o produto circula demais, mata o sonho, explicou a representante do comitê que reúne 75 grifes, entre Baccarat, Cartier, Chanel, Dior, Givenchy, Louis Vuitton, Hermès e Saint Laurent.

Estudo dos pesquisadores brasileiros Genaro Galli e Paula Cristina Hinz mapeou hábitos de consumo de falsificados. Dados do IBGE acusam que, em 2006, roupas e tênis copiados abocanhavam o equivalente a 40% da arrecadação da extinta CPMF, cifra de mais de R$ 12,8 milhões. A estilista Tory Burch é outro importante nome do mercado que argumenta contra essa tendência da imitação. “Este é um assunto sério que ainda não foi abordado como deveria. Vemos que todo mundo é inspirado por todo mundo. Mas, quando você copia algo literalmente, é roubo. A moda é a segunda maior indústria em Nova York e o mercado de falsificados tira milhares de dólares de empresas ao redor do mundo”, falou ela ao UOL.

E quanto às empresas que não são de luxo, mas habitam o imaginário do consumidor? A calçadista Melissa, queridinha das consumidoras jovens, é alvo frequente das falsificações. “O posicionamento é prejudicado, porque o produto falsificado não tem a qualidade que oferecemos e acaba enganando o consumidor”, afirmou Paulo Pedó, gerente de operações da marca. “Para o financeiro é uma concorrência desleal que influencia diretamente nas vendas”.

Querer ter x querer ser
Os falsificados estariam hoje relacionados à necessidade de espelhamento das pessoas. É o que defende Gilda de Melo e Souza, pesquisadora de Sociologia da Moda no Brasil, que explorou o assunto em seu livro “O Espírito das Roupas”. As pessoas hoje em dia têm como referenciais os artistas, pessoas de alto poder aquisitivo e consumidoras de grifes. Junta-se a isso a um poder de compra inferior e a saída acaba sendo as cópias. “As pessoas preferem ser tidas em alta conta pelo que parecem ter a serem tidas pelo que de fato possuem”, afirma o economista Eduardo Giannetti da Fonseca.