Para ser modelo, adolescente precisa saber lidar com rejeição
Já faz algumas décadas que ser modelo é um sonho compartilhado por um grande número de adolescentes. Ser reconhecido pela beleza, estampar capa de revista, circular com glamour entre os famosos: a vida idealizada de quem exerce essa carreira alimenta as fantasias de meninas e meninos. Mas, antes entrar nesse mundo, o jovem precisa estar preparado para aceitar muito trabalho, suportar altas doses de ansiedade e ter uma boa autoestima.
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Não existe idade para começar. Em agências de modelos infanto-juvenis, há trabalho até para bebês e muitos iniciam a carreira bem cedo. É na adolescência, no entanto, que a autoimagem pode ser mais abalada pela rotina da profissão, na qual é preciso passar por um grande número de testes para conseguir alguns trabalhos.
“Se é um adolescente com problema de autoestima, a probabilidade de ele não lidar bem com o ‘não’ de um teste é muito maior do que um adolescente que está mais bem resolvido com essas questões”, diz Mara Pusch, psicóloga do Centro de Atendimento e Apoio ao Adolescente da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
De acordo com Mara, quando o adolescente vai para um teste, existe um padrão esperado por quem escolhe quem fará o trabalho, como altura, tipo de cabelo. Ao ser rejeitado, o jovem não escuta que não preenche os requisitos e sim que não é bonito o suficiente, o que pode ser um baque para sua autoimagem.
O psicólogo Marco Antonio De Tommaso, que há mais de 15 anos desenvolve um trabalho de acompanhamento com as modelos de grandes agências de São Paulo, destaca que, durante os testes, o “não” nem sempre é dito educadamente e acaba tendo cara de rejeição.
“Tem o paredão: as modelos ficam todas contra uma parede e o cliente vai passando dizendo ‘você sim, você não’”, conta. “Ser avaliado todo dia e não servir acaba jogando por terra a autoestima.”
Segundo Mara Pusch, um jovem submetido a essa rotina sem o devido apoio pode formar uma imagem ruim que vai levar para a vida adulta. “É uma fase em que a autoestima está sendo consolidada, então, quanto mais ‘não’ ele ouve, mais defeitos ele pode ver no seu corpo, e menos ele gosta de si mesmo”, diz a psicóloga. Isso pode levar a distúrbios alimentares ou a um desejo de se enquadrar nos padrões lançando mão de cirurgias plásticas antes dos 18 anos.
Por isso, se o filho quer ingressar nessa carreira ainda na adolescência, é importante que os pais reforcem em casa sua autoestima e o ajudem a superar as rejeições nos testes como fariam no caso de uma dispensa em uma entrevista de emprego. “Os pais não devem fazer pressão para que o adolescente passe nos testes e precisam fazê-lo entender que ouvir ‘não’ faz parte da vida”, declara Mara.
Padrão de beleza
Para os especialistas, a pressão é ainda maior com as adolescentes do sexo feminino por conta dos padrões rígidos da indústria da beleza. “Elas sofrem uma pressão terrível para emagrecer, é o verbo que elas mais escutam ao longo da carreira. O mundo da moda é irredutível nessa questão de peso e medidas”, diz Marco Antonio De Tommaso.
Clara Godoy, 13, começou a trabalhar como modelo no ano passado e, apesar de morar em Ilhabela, no litoral norte de São Paulo, tem sempre a companhia dos pais nos testes que realiza na capital paulista. Ela conta que se preocupa com sua aparência e cuida para estar sempre bonita.
“Sou bastante vaidosa. Em casa, a gente come muita coisa saudável, estou sempre fazendo exercício”, diz. Para a mãe, Ana Paula Inacio Godoy, o bem-estar da menina é o mais importante. “A gente pede para ela cuidar da saúde, independentemente do que for fazer.”
Para Ana Paula, é importante também conversar com a jovem sobre todos os assuntos e estar sempre ao seu lado. “Nossa preocupação é acompanhá-la até ela ter discernimento para fazer boas escolhas.” Sair de casa, só quando os pais acharem que ela está pronta.
Sob pressão
A ansiedade é outro fator que pode abalar o jovem adolescente nessa carreira, em especial aqueles que ingressam em um mercado mais profissional e competitivo. “O nível de estresse de uma adolescente modelo profissional é superior ao de uma vestibulanda da mesma idade”, diz Tommaso. “Tem a pressão dos testes, que são avaliações totalmente arbitrárias. Uma hora ela é alta demais, baixa demais, tem peito demais, peito de menos.”
Nesse universo, muitas meninas deixam a família e a cidade natal para trás e se mudam para São Paulo, morando em repúblicas de jovens modelos administradas pelas agências. Para o psicólogo, essa situação gera ainda mais estresse pela distância da família e pela pressão financeira que é colocada sobre ela. “Muitas são arrimo de família.”
No dia a dia, a distância entre o sonho e a realidade rende também angústias e tristezas. “É trabalho, é dureza. Às vezes, não tem dinheiro para a condução, então cria uma ansiedade muito grande. Não é uma regra geral, mas pode levar à depressão”, afirma o psicólogo.
Ganhos
Ao trabalhar como modelo, o adolescente começa, aos poucos, a ganhar seu próprio dinheiro e pode não ter a maturidade necessária para administrá-lo corretamente. Segundo Mara Pusch, os pais devem combinar com o filho como a família irá lidar com os ganhos da carreira desde o início.
Para a psicóloga, um bom combinado é deixar o jovem ter acesso à parte do dinheiro e manter os pais administrando o restante até ele ter mais maturidade.
Esse acordo funciona na casa de Clara. Apesar da pouca idade, a adolescente tem controle de seus ganhos e gastos, mas são os pais que administram a conta.
“A gente põe tudo em uma conta que é dela e vai administrando conforme ela vai precisando. Ela tem acesso, sabe tudo o que entra e sai”, diz a mãe Ana Paula.
Mas os lucros dessa profissão não são apenas financeiros. Para os jovens que avançam na carreira, existe a possibilidade de viagens e experiências enriquecedoras.
“Tem a possibilidade de adquirir uma cultura ampla, ter acesso a outros idiomas, e ele pode fazer contatos para a vida posterior, porque a carreira de modelo é curta, então tem de construir o futuro enquanto trabalha como modelo”, afirma o psicólogo Marco De Tommaso.
Muitos adolescentes que buscarem a profissão de modelo, no entanto, devem estar preparados para não chegar a esse ponto da carreira. “É uma peneira muito séria. Milhões querem ser modelos, milhares entram nas agências, centenas trabalham, unidades são top”, diz o psicólogo.
Segundo o especialista, sem o apoio adequado, o adolescente que não for bem sucedido pode levar uma frustração grande para a vida adulta.
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