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Barriga de Ronaldo não é a única patrulhada; você passa por isso?

O ex-jogador Ronaldo, que está passando as férias em Ibiza (23.jul.2013) - Grosby Group
O ex-jogador Ronaldo, que está passando as férias em Ibiza (23.jul.2013) Imagem: Grosby Group

Heloísa Noronha

Do UOL, em São Paulo

25/07/2013 07h01


Há uma preocupação mundial com a obesidade, cujo índice não para de crescer. De acordo com a OMS (Organização Mundial de Saúde), atualmente, cerca de 1,6 bilhão de adultos está na faixa de obesidade. Em 2015, o número tende a subir para 2,3 bilhões, o que corresponderá a cerca de um terço da população mundial.

No Brasil, dados de 2012 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) informam que 50,1% dos homens e 48% das mulheres com mais de 20 anos está acima do peso. Especialistas são unânimes em afirmar que há uma pandemia mundial de obesidade.

Embora sejam muitos, os obesos ainda são tidos como "diferentes" e "fora dos padrões", o que faz com que o fato de ser gordo, hoje, tenha ainda mais barreiras do que há dez ou vinte anos.

Quem está acima do peso reclama que é vítima de uma patrulha constante. O ex-jogador de futebol Ronaldo, por exemplo, sempre é notícia quando aparece sem camisa (mesmo não sendo mais atleta e sua forma física não influenciar em nada a sua atual carreira, de empresário). 

Para o psiquiatra Adriano Segal, diretor do Departamento de Psiquiatria e Transtornos Alimentares da Abeso (Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica), um dos fatos que explicam a vontade generalizada de emagrecer, em contrapartida aos ponteiros da balança que não param de subir, é que o baixo peso virou uma espécie de símbolo de status sócio-econômico. "Por isso é tão valorizado", diz.

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Esse paradoxo também tem a ver com o padrão de beleza vigente, que prega o corpo esbelto como o ideal a alcançar. O problema é que a patrulha alheia é rigorosa.

"Os padrões tidos como ‘aceitáveis’ de magreza e obesidade estão muito mais estreitos hoje. Agora, a pessoa precisa ser muito mais magra para ser considerada doente e muito menos gorda para não se sentir excluída", afirma a psicanalista Joana de Vilhena Novaes, coordenadora do Núcleo de Doenças da Beleza do Laboratório Interdisciplinar de Pesquisa e Intervenção Social da PUC-Rio (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro).

As mulheres se tornaram ainda mais críticas, de acordo com a psicóloga Patricia Spada, doutora em Nutrição e Pós-Doutoranda em Ciências da Saúde pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), pois se ocupam primeiramente em observar mais as outras do que os homens no que diz respeito ao corpo. 

 


"Nunca fui magra. Sempre tive altos e baixos. Às vezes, me sentia mal e começava uma dieta; em outras fases me sentia bem e desembestava a comer. Porém, sempre fiz os outros acreditarem que eu era bem resolvida, mesmo que estivesse desconfortável com meu peso. As pessoas acham que porque hoje há mais informação e academias todos deveriam ser magros. A cobrança é bem maior. Sem contar que se dão o direito de julgar os outros pelo peso. Todo mundo come batata frita, mas se ela está no prato do gordinho, é porque ele é desleixado. A patrulha vem de todos os lados. Na novela ‘Amor à Vida’, por exemplo, a desesperada para perder a virgindade é a gordinha. Muita gente acha que ser gordo é uma opção, mas há quem sofra com a compulsão alimentar, que é o meu caso. Sei que devo e quero emagrecer, mas por questão de saúde". Débora Cristina Guerra Cristofani, 31 anos, analista de negócios de São Paulo (SP).
 

"A mulher teme o olhar de julgamento das demais e sente pavor de ficar obesa quando não é gorda. É cruel ao se referir às outras, especialmente às que estão acima do peso, e ainda mais cruel se estiver próxima de seu peso adequado", diz Patricia.

Comer em público é um tormento para muitos obesos, que têm a impressão –na maior parte das vezes com fundamento– de que todo mundo fica de olho no que ele vai colocar no prato. E o olhar, em geral, é de reprovação. Segundo Joana, as pessoas acham que diante de tantas opções saudáveis de comida, os obesos deveriam saber escolher melhor.
 
Para Adriano Segal, a patrulha não é só contra os obesos, mas contra os tratamentos da obesidade. "Como se considera erroneamente que o obeso não tem uma doença, mas uma fraqueza de caráter, os tratamentos são encarados como desnecessários ou picaretagem. Infelizmente, há técnicas não comprovadas aos montes, prometendo perda milagrosa de peso, o que de certa forma reforça o preconceito", diz o psiquiatra. 
 
Quem vê a situação de fora também acredita que basta "fechar a boca" e se "matricular na academia" para que qualquer um ganhe a silhueta dos sonhos. O principal mito que ronda a obesidade é o de que ela é uma condição de vontade própria, o que não corresponde à realidade.

Vários fatores interferem nessa condição, como alterações metabólicas e endócrinas, estilo de vida e até problemas emocionais, como ansiedade e insegurança, que levam a pessoa à compulsão alimentar. "E não podemos esquecer que o culto à forma física demanda tempo e dinheiro", diz Joana de Vilhena Novaes.
 
 

O poder dos estereótipos

 
O preconceito acaba contribuindo para que o obeso não busque ajuda. "É muita pressão para cima do indivíduo, que já sofre com suas próprias cobranças internas. Muitas vezes, ele chega à conclusão de que é melhor permanecer com sobrepeso, algo com que ele já convive no dia a dia e está acostumado, a se embrenhar em uma luta diária para cuidar da alimentação, da atividade física e do controle emocional que envolve esse processo", diz a psicóloga Luciana Kotaka.

Arquivo pessoal
"Gosto de mim do jeito que sou. Nunca tive problemas com meu corpo e quem se relaciona comigo também não. Sou bem casada e, antes disso, sempre fui muito namoradeira. Nunca reclamei ou reclamaram de nada! Só emagrecerei se for por problemas de saúde. Por enquanto, tirando uma dorzinha do joelho, a saúde vai bem. Não estou nem aí para o que o povo acha. A sociedade pode olhar torto, mas eu não presto atenção. Uma coisa que me incomoda é o tal do politicamente correto e o tal de ‘plus size'. 'Plus size' é o caramba! Eu sou gordinha, mesmo, e feliz". Nádia Argeri Burghi, 41 anos, ilustradora, de São Paulo (SP)


Na opinião dela, a pessoa deve procurar ajuda porque tem vontade de perder peso, porque ela se incomoda e quando se acha pronta para mudar, não por pressão.
 
Outro ponto importante é o fato de se associar, ainda que de forma inconsciente, a aparência ao temperamento das pessoas. Segundo a psicóloga Patricia V. Spada, estudos científicos comparativos entre obesos e não obesos apontam que as mulheres são vistas de forma mais negativa nos requisitos inteligência e sucesso, além de serem consideradas sem força de vontade e de ego fraco. "Elas também são tidas como frustradas nas relações amorosas, deslocando toda afetividade para a superalimentacão", explica. 

Os homens são avaliados como preguiçosos, pouco enérgicos, lentos, desleixados, descontrolados e pouco confiáveis, segundo ela. "A sociedade se agarra a falsas crenças e as aceita como verdades absolutas, estigmatizando ainda mais quem tem excesso de peso. Muitas vezes, os próprios obesos acabam assumindo esses rótulos", afirma Luciana Kotaka.
 
Não raro, os estereótipos prejudicam a carreira de quem está fora de forma. As empresas costumam rejeitá-los nos processos seletivos, por causa dos problemas de saúde decorrentes da obesidade e potenciais faltas, e preteri-los para cargos mais altos, pela impressão de que não darão conta do recado. Para atividades nas quais precisam lidar com o público, estar fora de forma também é considerado um empecilho.
 

Arquivo pessoal
"O que hoje chamam de bullying antes era tiração de sarro. Sempre tive bom humor. Acho que quem se preocupa com a aparência esquece daquilo que está por dentro. E eu sempre digo: gordo não é só gordura, é ternura, gostosura e cultura. Mas tudo é pensado para um padrão físico, desde as roupas até as cadeiras de cinema, poltronas de avião, catracas de ônibus... A sociedade deveria entender que somos iguais a eles, os magros, só ocupamos um espaço um pouco maior". Marcelo Lohmann, 39 anos, representante comercial, professor de dança de salão e enólogo, de Massaranduba (SC)

Defesa e decisão

 
Como estratégia de defesa, muitos obesos assumem personagens –que nada mais são do que estereótipos por um viés mais positivo. É o caso da gordinha simpática, do bonachão piadista, da exagerada ao se vestir, do bonzinho altruísta. É uma maneira não só de camuflar a insatisfação e a insegurança, mas de se sentir aceito pelo grupo.

"A obesidade é um fator de exclusão. Não dá para fechar os olhos e ignorar que ela prejudica várias esferas da vida, como a sociabilidade, a acessibilidade, o trabalho, a vida afetiva. Assumir uma persona ajuda a driblar as dificuldades, mas não a resolvê-las”, diz Joana.
 
A melhor forma de detonar o preconceito e a patrulha é, então, emagrecer? Seria hipocrisia responder que não, segundo os especialistas, que lembram que a obesidade é uma doença. A questão é decidir perder peso e mudar o estilo de vida não para se adequar a um padrão, mas por questões individuais de saúde e autoestima. 
 
Muitas pessoas podem ser obesas e, sim, bem resolvidas. Mas, de acordo com os entrevistados, essas existem em pequeno número. O ônus da obesidade é grande, sob os pontos de vista biológico, psicológico e social. Para Antonio Serafim, professor do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Saúde da Umesp (Universidade Metodista de São Paulo), estar obeso não deve se tornar sinônimo de tristeza ou constrangimento.

"O sofrimento dependerá da condição psicológica de cada um, de como a pessoa se vê. A obesidade não impede a realização pessoal", afirma. O segredo para enfrentar qualquer adversidade está em reconhecer em nós mesmos as capacidades e os limites. Essas duas condições nos permitem ser quem somos em quaisquer circunstâncias, independentemente do que o outro pense.   
 
Segundo Marco Antonio de Tommaso, psicólogo clínico especialista em transtornos alimentares, é importante evitar que o desejo de emagrecer se torne uma obsessão. "É fundamental ter metas realistas, factíveis, que respeitem o próprio biótipo", diz.