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Fingir que não percebe uma traição é uma forma de negar a rejeição

Para fugir da dor de se sentir trocada, há quem prefira negar uma traição a enfrentar o problema - Orlando/UOL
Para fugir da dor de se sentir trocada, há quem prefira negar uma traição a enfrentar o problema Imagem: Orlando/UOL

Heloísa Noronha

Do UOL, em São Paulo

23/04/2013 07h49

Todo mundo sabe: os amigos, os parentes, os vizinhos. A própria pessoa também sabe que está sendo traída, mas, mesmo assim, prefere ignorar os comentários e até as evidências mais claras. Fechar os olhos para um fato incômodo é uma opção que muita gente faz como tentativa de minimizar o problema. Mas essa escolha só é mais confortável à primeira vista.

São vários os motivos que levam uma pessoa a fingir que não é alvo de infidelidade: conveniência (em relações em que existe dependência financeira de um dos lados), imaturidade para enfrentar a vida sem um parceiro, medo da solidão, idealização do compromisso, crença de que será impossível arrumar alguém melhor etc. 

"Para algumas pessoas, a identidade é totalmente apoiada no relacionamento e no outro. É como se ela não existisse sem os dois, por isso acredita que vale mais a pena manter as aparências”, afirma a psicoterapeuta Carmen Cerqueira Cesar. 

Já a psicóloga Renata Lucas diz que desprezar a realidade também é uma espécie de fuga de si mesmo. "O traído quer, no fundo, fugir da responsabilidade que tem", explica. Ela afirma a tendência é sempre culpar somente quem trai. É mais cômodo do que rever as próprias atitudes. Por essa razão é mais fácil, então, dizer que os outros são fofoqueiros e invejosos.


Como, historicamente, a mulher sempre foi a escolhida e o homem o que escolhe, fechar os olhos para as puladas de cerca do parceiro é um comportamento mais comum entre o sexo feminino, mas não é uma regra, afinal, mulheres também traem. "Os homens que fingem não ver que estão sendo traídos são aqueles que temem a ruptura do esquema familiar montado, porque para eles é importante contar com esse porto seguro", diz Carmen.
 
 

Aceitar a rejeição 

 
O casamento –mesmo sem papel passado e cerimônia religiosa– é um projeto de vida do qual não é fácil se desfazer. Mesmo com a evolução dos costumes, há muitos fatores envolvidos, e o amor é apenas um deles. Com a independência econômica da mulher, a queda do tabu da virgindade e a legalização do divórcio, a situação do adultério também sofreu mudanças.

"Ninguém precisa mais permanecer na relação quando acontece uma traição. A divisão dos bens é administrada pela Justiça. Mas a questão da rejeição não desaparece. Uma vez que as pessoas escolhem com quem se relacionam,  ser ‘trocado’ é uma ofensa. Por essa razão muita gente evita ao máximo confrontá-la. Negar para si mesmo a traição nos protege dessa dor e do vexame social", diz a psicóloga Maria Teresa Reginato.
 
Negação é um mecanismo de defesa humano, que tenta preservar o psiquismo da dor nas mais diversas circunstâncias: doenças, desastres, tragédias, mortes. "No entanto, qualquer mecanismo de defesa psíquico é um instrumento de uso limitado, porque não podemos passar a vida toda evitando as feridas emocionais. Precisamos aprender a lidar com elas ou adoecemos", afirma Maria Teresa. 
 

 

Fugir não resolve

 
A fuga traz mais malefícios do que vantagens ao relacionamento. O principal é o afastamento do casal. 

De acordo com a psicóloga Marjorie Vicente, aos poucos, a pessoa traída vai perdendo a autoconfiança, o respeito por si mesma e o limite do que é aceitável ou não. "Esse é o resultado de viver em desacordo com os próprios valores", declara.

Se a fidelidade é fundamental e importante para uma pessoa, dor, raiva e ressentimento vão se acumulado. É inevitável que, no dia em que ela chegar ao limite, o resultado seja desastroso (bem pior do que se tivesse encarado a situação desde o início).

Para acabar com o sofrimento sufocado, é preciso perder o medo de enfrentar a realidade. Como? O primeiro passo é compreender que, por pior que seja assumir a verdade, esse é o melhor caminho. A infelicidade faz mal para a saúde física e mental, segundo especialistas.

"Enfrentar a vida como ela é pode ser difícil, dói, dá trabalho, mas traz amadurecimento e novas oportunidades de felicidade. A crise pode significar uma oportunidade de mudança, de rever o que está errado e o que se pode mudar", afirma Carmen Cerqueira Cesar.