"Soltar os cachorros" faz tão mal quanto guardar mágoa; equilibre-se
Um chefe grosseiro, que dá uma bronca daquelas na frente da equipe toda. Um colega folgado, que rouba para si os créditos de um trabalho feito em grupo. A família, que insiste em dar palpite nas suas decisões pessoais sem a menor cerimônia. Estas situações podem fazer até a pessoa mais zen do mundo perder completamente a linha. E, de acordo com os especialistas, o melhor é mesmo reagir, independentemente do ocorrido.
"Os pais, infelizmente, não costumam estimular seus filhos a expressarem o que sentem. Ao contrário: acabam reforçando conceitos como o de que é preciso respeitar os mais velhos, aceitar as ordens deles sem questionar, evitar a todo custo brigas com colegas e irmãos e assim por diante", aponta o psicólogo José Roberto Leite, coordenador da unidade de medicina comportamental da Unifesp.
Com o tempo, a tendência é incorporar este tipo de comportamento como um padrão. "Isso pode tornar as pessoas incapazes de dizerem o que sentem, porque elas têm sempre um receio de ferir o outro. O problema é que, nessa situação, nos colocamos sempre numa posição inferior, dando mais importância ao que o outro sente do que ao que nós sentimos", diz. É um erro.
Geralmente, quem paga para não entrar em uma discussão costuma usar argumentos como: "Não compensa implicar por isto" ou "Não vou me desgastar por pouca coisa". Porém, de acordo com o psicólogo, é fundamental começar a dar mais atenção a esses pequenos acontecimentos, principalmente se eles deixam uma marca na sua vida e frequentemente voltam à memória. "Guardar tudo o que sente é uma fonte de ansiedade e estresse muito grande. Com o tempo, esse comportamento pode até levar ao desenvolvimento de uma atitude depressiva, quando a pessoa passa a desempenhar as atividades diárias sem nenhum entusiasmo", alerta Leite.
Para a psicóloga Cristiane Moraes Pertusi, doutora em Psicologia do Desenvolvimento Humano pela USP, guardar demais as emoções negativas também pode influenciar na maneira como os outros o enxergam. "A pessoa pode passar uma imagem de falta de comprometimento em relação a si mesma e às suas relações afetivas", aponta.
O caminho do meio
A solução seria, então, colocar para fora tudo o que sentimos e pensamos, aproveitando aquele impulso de raiva ou tristeza? Não exatamente. O mais inteligente é deixar bem claro que você se sentiu ofendido, porém, sem perder as estribeiras. Pessoas que reagem instintivamente às situações, sem antes refletir sobre o acontecido, geralmente se envolvem em discussões desgastantes, saem ainda mais magoadas e, pior, não conseguem resolver o caso de um jeito eficiente. A expressão "quem fala o que quer, ouve o que não quer" veste os mais impulsivos como uma luva.
"Quem não tem pressa de responder consegue analisar a situação e expressar o que sentiu no momento mais propício", pondera Cristiane. A psicóloga garante que é sempre melhor deixar para voltar ao assunto numa ocasião em que o lado racional poderá falar mais alto que o emocional.
Mas expressar-se da maneira correta não é tarefa tão fácil e pode exigir algum treino. Por isso mesmo, Leite ensina seus pacientes a se imaginarem na situação em que se sentiram desconfortáveis e a criarem uma fala, uma resposta que gostariam de ter dado naquele momento. O discurso deve ser repetido em frente ao espelho até que haja total segurança sobre a adequação das palavras e da mensagem.
Segundo o especialista, isso é o suficiente para que qualquer pessoa se prepare para enfrentar o seu interlocutor, e retomar um assunto pendente. "Para ser claro em relação àquilo que se pensa, é preciso pensar não apenas sobre o que se vai verbalizar, mas assumir também uma postura séria, um olhar firme e um tom de voz adequado", explica.
Todo o cuidado é pouco
A sinceridade e a cautela devem sempre caminhar juntas durante uma conversa difícil. Uma boa estratégia é iniciar o diálogo falando das próprias percepções, em vez de começar o papo acusando o outro. Isso porque, ao perceberem que estão sendo julgadas, as pessoas podem se sentir acuadas e naturalmente se prepararem para o ataque. "Prefira relatar como você se sentiu em relação ao que a pessoa fez", ensina Cristiane.
Pior do que engolir sapo é remoer o ressentimento por tempo indeterminado. No entanto, às vezes é preciso reconhecer a impossibilidade de falar exatamente o que se sente. Responder a grosseria de alguém com cargo superior ao seu no trabalho, por exemplo, pode ser um tiro no pé, assim como discutir com autoridades públicas. "Em situações como estas, é preciso ter em mente que você não reagiu por uma questão de estratégia e não porque foi incapaz de verbalizar o que sentiu. Em vez de remoer, aceite que tomou a atitude mais sábia e inteligente", orienta Leite.
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