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Aprenda táticas para fazer a criança lidar de forma saudável com a competitividade

Competitividade tem de ser cuidadosamente trabalhada na educação das crianças - Anthony Freda/The New York Times
Competitividade tem de ser cuidadosamente trabalhada na educação das crianças Imagem: Anthony Freda/The New York Times

Matt Richtel

Do New York Times

20/10/2012 07h14

Pouco antes da hora de dormir em uma noite recente, duas crianças marchavam de modo relutante até o banheiro para escovar seus dentes. E no caminho, meu filho de quatro anos disse para sua irmãzinha: “Eu vou vencer. Eu vou vencer!” Na escovação dos dentes.

Eu tenho uma dessas, uma criança com aparente inclinação competitiva. Quando Milo e eu jogamos beisebol, ele me diz: “Eu vou ser os Yankees e você vai ser o time que eles derrotam”.

Um recente artigo no “The Times” detalhou o desejo profundo de vencer do presidente americano, Barack Obama. Em um encontro de despedida com um grupo de estagiários, o competidor em chefe lhes deu um conselho de vida: “Quando vocês todos tiverem filhos, é importante deixá-los vencer”, disse. Então acrescentou, com um sorriso: “Até terem um ano. Aí você pode começar a vencer de novo”.

Ele está certo, mesmo brincando? É melhor ensinar às crianças duras lições de vida, como a emoção da vitória ser mais doce quando você já provou a agonia da derrota? Ou é melhor simplesmente deixar a criança vencer e permitir que a vitória seja parte da diversão? Existe alguma estratégia que promova felicidade e desempenho, mesmo se você estiver apenas jogando Candy Land (jogo infantil de tabuleiro)?

“A evidência esmagadora sugere que a competição é destrutiva, particularmente, mas não de modo exclusivo, para as crianças”, disse Alfie Kohn, um escritor e palestrante cujos pontos de vista sobre os aspectos negativos da competição são amplamente seguidos no campo da maternidade e da paternidade. “É uma forma tóxica de criar os filhos.” Kohn acrescentou: “A ausência de competição parece ser um pré-requisito para a excelência na maioria dos empreendimentos, ao contrário da sabedoria tradicional".

O escritor, sem causar surpresa, é uma espécie de para-raios. É difícil conciliar seus pontos de vista com a realidade da vida moderna, das disputas presidenciais às olímpicas, nas quais só existem três ganhadores de medalhas, e alguns ficam mais alto no pódio do que outros. Parece ser o trabalho dos pais preparar os filhos para a realidade dos recursos e recompensas escassos.

Muitos acadêmicos concordam que a competição é necessária, arraigada e essencial. Estudos mostram que, sob certas condições, a competição pode melhorar o desempenho e a felicidade. As pessoas ficam em melhor situação quando tentam vencer, em vez de tentarem não perder, e quando são confiantes. Também ajuda quando o que estiver em jogo não for muito alto e a motivação não for apenas vencer, mas atingir excelência.

Mas eu fiquei surpreso com até que ponto muitos pesquisadores concordam com aspectos da visão de Kohn, de que a competição acirrada, que sempre considerei como um fato da vida moderna, pode promover ansiedade, prejudicar a autoestima e o desempenho e levar a um desengajamento.

Uma análise que será publicada em uma das próximas edições da “Psychological Bulletin”, uma revista da Associação Americana de Psicologia, olhou para centenas de estudos sobre competição e desempenho e não encontrou nenhuma ligação clara entre os dois. Ao que parece, a competição às vezes aumenta o desempenho, mas há a mesma chance de que isso não aconteça.

Então como resolver essas posições concorrentes sobre competição? Eu saí em busca de uma resposta, com a motivação adicional de encontrar algum conselho sobre como lidar com meu filho “eu vou esmagar você na escovação de dente”.

A boa notícia é que há uma verdadeira chance de os pais começarem com uma folha em branco quando se trata de definir a competição para as crianças, segundo David Shields, professor-assistente de psicologia educacional da Faculdade Comunitária de Saint Louis e fundador da TrueCompetition.org, que se concentra na “recuperação da competição para excelência, ética e prazer”.

“As crianças têm um entendimento raso da competição”, disse Shields. “Elas sabem que a palavra ‘vencer’ é usada lá fora.” Em outras palavras, meu filho aparentemente não estava pensando profundamente no que estava dizendo quando me falou que queria me derrotar. Logo, o primeiro conselho de Shields para mim foi: “Deixe-o trabalhar sua fantasia. Não há nenhum problema nisso”.

Qual é a lição para os pais? Tente mudar a natureza dos jogos que você joga com seus filhos, disseram Shields e outros, para enfatizar a cooperação. Eu experimentei.

Milo e eu estávamos na sala de estar quando propus meu plano: vamos arremessar bola e tentar contar quantas vezes podemos jogá-la um para o outro. “Legal”, disse Milo, empolgado. Então fez uma pausa. “Eu vou pegar mais vezes do que você.”

Não pude deixar de rir. Não estou preocupado que ele venha a se tornar um daqueles idiotas que dão cotoveladas em jogos de basquete por diversão e estragam qualquer conversa por tratarem tudo como uma disputa de poder.

Também ouço muitos dos amigos de Milo, especialmente os primogênitos, falarem sobre vencer, com a sensação de que é bom, mas sem qualquer entendimento real do que significa e por quê.

Já fiz a minha parte para promover o valor da competição de modo inconsciente. Falo sobre se os San Francisco Giants venceram sua partida. Ele sabe que alguém será eleito presidente e alguém não vai. Ele me ouve falar sobre minhas partidas de tênis e não apenas quando jogo bem.

Mas mesmo pesquisadores que não são grandes fãs das metáforas de batalha, que acentuam a natureza nada agregadora de algumas formas de competição, reconhecem que competir é uma parte inescapável da vida.

  • John Tauer, que tem aplicado sua experiência como professor de psicologia e treinador de basquete, em seus estudos sobre competição, com os filhos, Jack, 10 anos, e Adam, 7

John Tauer é professor de psicologia da Universidade Saint Thomas, em Saint Paul, Minnesota, onde estuda competição e treina a equipe masculina de basquete. "Soluções que pedem pela eliminação da competição não são realistas”, disse Tauer.

“Nem todo mundo consegue ser um doutor”, afirmou o professor de psicologia como exemplo. “Você não escapa da competição a menos que haja um sistema onde todo mundo possa fazer o que quiser, quando quiser.”

Em uma série de estudos por um período de cinco anos, ele olhou como crianças com idades entre nove e 14 anos se comportavam ao jogar bola ao cesto em três situações: quando um jogador era colocado contra outro (competição direta); quando dois jogadores trabalhavam juntos para obter o maior placar combinado (cooperação) e quando dois jogadores se uniam para tentar marcar mais do que outra dupla (cooperação combinada com competição).

A combinação de cooperação e competição resultou na maior satisfação, assim como, frequentemente, nos placares mais elevados. “É o resultado mais consistente que já tivemos”, disse Tauer. “As crianças preferem uma combinação de competição e cooperação. Isso aumenta significativamente o prazer.” Mas e quando uma criança está jogando sozinha ou com sua irmã ou com outros?

Tauer ofereceu um conselho concreto: ainda mais básico do que a necessidade de vencer, é a necessidade de se sentir bem e ter uma visão de mundo correta. Assim, se eu deixar Milo vencer o tempo todo, ele poderia inicialmente se sentir bem, mas em algum momento desenvolveria a sensação de que algo não está certo. Ele precisa aprender a perder, idealmente em uma situação onde tenha um parceiro, e onde a cooperação e a excelência sejam parte do cenário.

“Um dos maiores culpados na psicologia é querer que as crianças sintam-se bem o tempo todo”, afirmou Tauer. “Tentar evitar a competição a torna maior do que ela precisa ser.”

Tauer falava não apenas como pesquisador e treinador, mas como pai de dois meninos, de sete e dez anos, com temperamentos muito diferentes em relação à competição. Um não é muito ligado em disputas e o outro não se esforça a menos que algo esteja em jogo. Na infância, o professor de psicologia ficava em uma posição intermediária, interessado em dominar a técnica, mas incomodado quando seu time perdia.

Em seguida, eu busquei o conselho de um campeão de tênis, Erik van Dillen, que na adolescência, no final dos anos 60, foi o melhor jogador do país. Ele venceu a Copa Davis em 1972, como parceiro de duplas de Stan Smith, e derrotou o jovem John McEnroe, em Wimbledon. Ele também é pai de cinco filhos e alguém que pensa muito a respeito de paternidade, como descobri nos últimos anos, como amigo e ocasional companheiro de tênis.

  • Erik van Dillen, campeão de tênis, e o filho Hague

De acordo com Dillen, a ênfase na competição, às vezes, era o foco mesmo no nível dos campeões. Os maiores jogadores que conheceu e contra os quais jogou são solucionadores de problemas, disse o ex-atleta. Quando jogam contra outros grandes, eles desfrutam o desafio de resolver um problema difícil. Vencer ou perder é apenas uma medida de terem conseguido ou não resolver o problema.

Ele os observou manterem essa mesma habilidade de solução de problemas no restante de suas vidas e não percebia nenhuma perda do senso de autoestima quando perdiam ou qualquer senso acentuado de ego quando venciam.

Dentro desse espírito, Van Dillen deu aos seus filhos o poema “Se”, de Rudyard Kipling (escritor britânico nascido na Índia, 1865-1936), que pede à alma em amadurecimento que considere tanto o triunfo quanto o desastre como “impostores”.

Ouvindo a ele e a Tauer, o problema pode ser as próprias questões com as quais comecei esse texto: com que frequência devo deixar Milo vencer? Com que frequência devo deixá-lo perder?

Talvez a pergunta mais relevante seja: o que significa vencer ou perder? A resposta: na maioria dos dias, muito menos do que as palavras deixam implícito na TV. Logo, o que eu deveria fazer é tirar o peso dessas palavras e diminuir sua importância, ao mesmo tempo as aceitando como um fato da vida.

David Johnson, professor-emérito de psicologia educacional da Universidade de Minnesota, que realizou um trabalho pioneiro sobre as condições que tornam prazerosa a competição e aumentam o desempenho, sugeriu uma forma de mudar a cultura em torno da vitória: fazer com que Milo encoraje outras crianças. Fazê-lo reconhecer a excelência e o esforço nos outros, aplaudindo quando os vir.

Desse modo, segundo Johnson, ele cultivará um espírito de cooperação mesmo em meio a uma competição. E quando perder, como invariavelmente ocorrerá, ele receberá encorajamento em troca. Ao retirar a ênfase da vitória e colocá-la na excelência, o indivíduo e a equipe –a sala de aula, o país, o mundo– crescerão no processo, afirma o professor. “A criatividade, a inovação, a qualidade do produto, tudo cresce quando você nutre o talento e o desempenho dos outros.”

Eram ideias provocantes para um pai tentando ensinar uma criança a colocar a competição na perspectiva apropriada, especialmente em uma cultura que frequentemente não a tem. “É muita responsabilidade”, concordou Johnson rindo.

Experimentei. Quando joguei bola de novo com Milo, dessa vez com dois de seus amigos, eu o encorajei a elogiar os esforços e as habilidades deles. Na sua primeira tentativa, Milo rebateu uma. Então seu amigo também conseguiu. “Legal”, gritou Milo.

A coisa pegou. Poucos dias depois, nós decidimos jogar bola de novo, dessa vez com sua irmãzinha. Lembrei Milo a encorajá-la por seu esforço e bom trabalho. “Eu sei”, ele disse, enquanto tirávamos o taco da sacola. Sua irmã gritou: “Eu sou a primeira!”