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Por que esportes de luta como o MMA fascinam tanto as pessoas?

O brasileiro Anderson Silva (à dir.) nocauteou o japonês Yushin Okami no UFC Rio, em agosto de 2011 - Antonio Lacerda/EFE
O brasileiro Anderson Silva (à dir.) nocauteou o japonês Yushin Okami no UFC Rio, em agosto de 2011 Imagem: Antonio Lacerda/EFE

Andrezza Czech

Do UOL, em São Paulo

19/04/2012 07h00

Em pouco menos de dois anos, o Brasil tem vibrado com o MMA (Mixed Martial Arts - Artes Marciais Mistas, em português) quase que com a mesma intensidade com que vibra pelo futebol. Nesse período, o esporte virou tema de reality show e o lutador Anderson Silva, ídolo de milhões, passou a estrelar as mais diversas propagandas na TV. Quase como as reuniões regadas a cerveja para assistir partidas de futebol, surge o hábido de marcar encontro com os amigos para acompanhar o quebra-quebra no octógono. Para entender o fenômeno do MMA, o UOL Comportamento conversou com especialistas que ajudam a desvendar o motivo pelo qual gostamos tanto de ver esportes de luta.

É preciso proibir a exibição do MMA na TV?

A Câmara dos Deputados discute um projeto de lei que proíbe a transmissão do MMA e outras lutas que podem ser consideradas violentas na televisão aberta. Para o psicólogo João Ricardo Cozac, presidente da Associação Paulista da Psicologia do Esporte, a forma como o MMA é exposta para o público é perigosa e pode estimular a agressividade ao jovem que pouco entende do que acontece dentro do octógono.

"A criança vê duas pessoas se estapeando e sangrando, o que pode ser um estímulo", diz. Para ele, conceitos presentes nas artes marciais como amizade, ética, companheirismo e respeito precisam ser ressaltados para evitar esse tipo de interpretação. 

Katia Rubio, professora da Escola de Educação Física da USP, acredita que não há um forte filosofia por trás do MMA. "Não considero um esporte", diz ela. "As lutas fazem parte de uma tradição cultural, isso hoje é um espetáculo destinado a gerar público e dinheiro". Para ela, mesmo alguns lutadores não sabem o que fazer com a própria força e técnica. "Se há alguns anos o jiu-jitsu era causador de brigas, vejo com temor esse novo fenômeno."

Cozac atende atletas de MMA e de artes marciais e sabe que muitos mestres que treinam os lutadores nem sempre são preparados do ponto de vista comportamental. “Atletas às vezes usam a agressividade na rua por conta do baixo nível de seus professores, que não apresentaram os conceitos básicos das artes marciais”. Para Cozac, o MMA, como qualquer esporte, deve priorizar não só o preparo físico e tático, como o psicológico. “Com um bom mestre e um psicólogo do esporte, as situações de agressividade fora do ringue são prevenidas”.


Referência de força e superação
Para João Ricardo Cozac, presidente da Associação Paulista da Psicologia do Esporte, o brasileiro é carente de ídolos e heróis que sejam uma referência de força, poder e superação. "O MMA pega em cheio nessa ausência de figuras públicas que representem a força do brasileiro", afirma. Coordenador do Núcleo de Estudos sobre Situações de Violência e Políticas Alternativas da Unesp, José dos Reis Santos Filho também acredita que transformamos os lutadores em figuras míticas que se destacam por poderes e características específicas. "Não podemos dissociar essas lutas do contexto mercadológico", afirma Santos Filho. Ele entende que as lutas são transformadas em mercadorias glamurosas, com heróis que competem com outros astros e galãs. "Se você acrescentar a esses elementos a atração que a violência exerce sobre os seres humanos, descobre a causa do sucesso".

Atração pela violência
"Faz parte da vida do homem guerrear", diz José dos Reis Santos Filho. Para ele, a violência é quase um fato cultural e está presente em praticamente todos os meios de entretenimento. "Há sempre alguma briga ou agressão em filmes de Hollywood, seriados e novelas", diz ele. "O BBB, por exemplo, não seria um sucesso se não mostrasse uma latente possibilidade de agressão". No caso do MMA, o sofrimento alheio se transforma em um espetáculo que provoca manifestações, entre elas a de contentamento.

Relação com nossos instintos
Uma das possíveis razões para essa febre é que a modalidade é uma das que mais tem relação com a nossa parte instintiva, que é reprimida em função da civilização, de acordo com a psicóloga do esporte Katia Rubio, professora da Escola de Educação Física e Esporte da USP. Como somos educados a termos posturas elegantes e formais, mesmo diante das situações mais extremas, é como se o MMA autorizasse esse nosso lado reprimido a se manifestar. "Nunca fomos tão policiados como agora", diz Katia. "Como naquele espaço há autorização para bater, muitos de nós gostaríamos de nos ver ali". Para José dos Reis Santos Filho, esse tipo de luta já pertence ao imaginário coletivo. "Desde as arenas romanas, os homens vêm assistindo a lutas. Quando isso é transformado em um espetáculo, as memórias de nossos ancestrais são atualizadas."

Identificação emocional
Para José dos Reis Santos Filho, há um processo de identificação emocional muito grande entre o espectador –ou telespectador– e o lutador. "Vemos o que acontece no octógono não com distanciamento, mas com a sensação de estar lá, no lugar do outro". É possível observar na fisionomia dos espectadores a raiva, o contentamento, a mágoa e o ressentimento com aquele que foi derrotado. João Ricardo Cozac diz que o ser humano tem a facilidade e a necessidade de se projetar na figura do campeão, do herói. Cozac diz que fora do Brasil há uma visão mais racional do esporte, e que aqui vemos o MMA com mais emoção. "Nós latinos vemos tudo de uma maneira mais passional, com mais empolgação."