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Não tratada, síndrome de burnout pode levar à morte

Cerca de 30% dos trabalhadores brasileiros sofrem com a síndrome de burnout - Shutterstock
Cerca de 30% dos trabalhadores brasileiros sofrem com a síndrome de burnout Imagem: Shutterstock

HELOÍSA NORONHA<BR>Colaboração para o UOL

27/01/2011 17h52

O nome não poderia ser mais elucidativo. Em inglês, “burn nout” significa “queimar por completo”. É assim – acabados, esgotados – que um número cada vez mais de portadores da síndrome de burnout se sente.

A doença ganhou esse nome nos anos 70, a partir de estudos do psiquiatra nova-iorquino Herbert Freudenberg, popularizou-se nos Estados Unidos na década de 1990 e voltou à tona recentemente por conta do aumento alarmante de casos. Segundo dados da Isma Brasil (International Stress Management Association), um instituto internacional voltado ao controle do estresse, cerca de 30% dos profissionais brasileiros sofrem desse distúrbio. Fruto, obviamente, de um cenário em que as cobranças, a competitividade e o estresse atingem picos cada vez mais altos. Aliás, o tema do 11o. Congresso de Estresse da Isma Brasil, que acontecerá em junho em Porto Alegre (RS), é “Trabalho, Estresse e Saúde: Riscos Psicossociais – Da Teoria à Ação”.

Encarada como uma doença ocupacional, a síndrome de burnout é, em linguagem popular, sentir-se com vontade de “chutar o pau da barraca” no trabalho. Todas as tarefas soam monótonas, não há rendimento, a perspectiva de melhora e o otimismo são praticamente nulos e a cada manhã o trajeto para o trabalho se transforma em uma verdadeira tortura.

“Perdi a conta de quantas vezes fui chorando para a redação”, revela a jornalista M. H., de 35 anos, que preferiu se mudar para uma cidade do interior há dois e atuar no jornal local, para ter mais qualidade de vida.

O começo de tudo

A síndrome de burnout pode levar o portador, em um estágio avançado, a desenvolver vários males de saúde e até mesmo a cometer suicídio em um momento de desespero. Segundo os especialistas, ela acomete principalmente os profissionais em que o estresse relacionado à qualidade de vida está mais vinculado e os que cuidam ou solucionam de outras pessoas. Alguns exemplos? Trabalhadores da área de saúde (como médicos e enfermeiros), taxistas, bancários, professores, militares, profissionais de telemarketing e jornalistas de redações de jornais.

“Carreiras com treinamentos à base de exigências bem específicas, como enfrentamento do estresse e desprezo pelas emoções, são as mais atingidas”, comenta Sérgio Baldassin, professor de psiquiatria da Faculdade de Medicina da Fundação do ABC. Pessoas exigentes e perfeccionistas, que gostam do que fazem e sentem-se desgastados pelo acúmulo de tarefas ou falta de condições ideais, são suscetíveis. “A doença também afeta aqueles que atuam em locais onde as condições de trabalho são precárias ou insalubres. Nessas condições há uma leitura de incompetência ou fracasso, que é a semente da síndrome. Há a sensação de que qualquer coisa que se faça não muda o contexto. Daí a condição de exaustão, fadiga”, explica o psicólogo e coach executivo George Barbosa, diretor científico da Sociedade Brasileira de Resiliência (Sobrare).

Assim que se formou, a enfermeira R. C. S., de 27 anos, foi atuar em uma clínica especializada em tratamento de crianças com câncer. “Em apenas três meses, precisei recorrer à terapia. Tinha dores de cabeça terríveis e não conseguia dormir. Tratei o problema, faço terapia e desenvolvi condições emocionais para lidar com o dia a dia da clínica. Estou lá há dois anos”, relata. Em um ambiente tenso, a síndrome demora cerca de seis meses para dar as caras. “Os reflexos da vida de uma pessoa dependem de sua constituição biológica e cultural. Se essas heranças forem favoráveis, uma pessoa resiste muito tempo aos efeitos do ambiente. O contrário é verdadeiro também”, afirma George Barbosa.

“Entre os principais sintomas, estão depressão, esgotamento físico, cansaço mental intenso, isolamento, mudanças evidentes de comportamento, despersonalização, vazio interior, desesperança, dores de cabeça, tonturas, tremores, falta de ar, oscilação de humor, distúrbio do sono, dificuldade de concentração e problemas digestivos”, afirma a psicóloga Daniela Levy, presidente da Associação de Psicologia Positiva da América Latina (Appal). Há a invasão de um sentimento de inutilidade e inadequação com a realidade. Ideias suicidas também podem ocorrer – e o doente, se não tratado, corre o risco de chegar às últimas consequências.

Vida afetiva

A vida familiar, social e afetiva também é afetada. Os vínculos são empobrecidos, discussões com o parceiro ou brigas no trânsito se tornam comuns. No entanto, a maior consequência é a ideia de incapacidade generalizada que se instala na pessoa. Suporte médico psiquiátrico, no primeiro momento, é essencial - de preferência, acompanhado de psicoterapia. Outras estratégias para lidar com o distúrbio, sugeridas pela psicóloga Daniela Levy, são organizar o tempo e decidir quais são as prioridades, ter qualidade de vida (tempo para lazer, família e amigos), alimentar-se de maneira equilibrada, fazer exercícios e atividades que dão prazer, falar sobre as dificuldades e não "engolir sapos", realizar atividades de relaxamento e procurar terapias alternativas. “Também é fundamental conversar com os superiores no trabalho sobre o que está acontecendo”, completa.

O papel da liderança

Para banir a síndrome de burnout dos ambientes profissionais, George Barbosa acredita que deveria haver uma atenção seletiva por parte das lideranças para detectarem efeitos nocivos à saúde – de forma integral – e colocar em prática esforços para neutralizá-los. “Em geral, o descaso da liderança ou um estilo de liderança com base na confrontação acirrada são fatores desencadeadores.”

Pode parecer uma atitude radical, mas deixar o emprego, quase sempre, é uma boa solução. “Conheço casos de pacientes que relutaram durante anos em pedir demissão. Quando finalmente tomaram a decisão, sentiram-se felizes e surpreendentemente melhores”, diz o psiquiatra Sérgio Baldassin. Quando isso não é viável ou possível, vale buscar uma recolocação em outra área, ou, em último caso, acionar a justiça para garantir condições de proteção. Os profissionais que acompanham o paciente, entretanto, devem observar se o problema é pontual, ou seja, tem a ver com determinado ambiente, ou se a síndrome vai reaparecer em outro momento, independentemente do local de trabalho.