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Município cearense reúne talento de mulheres-rendeiras. Conheça a história e o trabalho destas artesãs

FERNANDA SCHIMIDT

Enviada especial a Fortaleza*

03/05/2010 07h00

No artesanato do Ceará, o renda alcança sua excelência em pequenos vilarejos praianos, onde há concentração de pescadores, como o município de Aquiraz, a cerca de 30 quilômetros de Fortaleza. O trabalho é daqueles ofícios tradicionais e hereditários, passados de mãe para filha há gerações.

  • Dário Gabriel/UOL

    Mulheres trabalham no centro das rendeiras da Prainha, no muncípio de Aquiraz

“Somos todas filhas de pescadores e mães rendeiras”, contou Maria Cleide dos Santos Costa, 54, que desde os oito anos de idade se dedica à técnica do bilro. Ela faz parte do grupo de 134 mulheres-rendeiras divididas nos dois centros de rendas de Aquiraz: o de Prainha, com 80 artesãs, e o de Iguape, com 54.

 

O trabalho desenvolvido nos dois pólos rendeiros é bastante similar, o que os distingue é a linha utilizada: mais fina (na Prainha) ou mais grossa, como a de crochê (de Iguape).

 

Bilro e paletão de labirinto

Os nomes dados aos diferentes tipos de renda são definidos de acordo com os instrumentos utilizados para sua confecção; são eles que conferem aos tecidos um ou outro desenho. O bilro é uma pequena haste de madeira, que é acoplada a uma semente de buriti (planta da família das palmeiras) em uma ponta e envolta em linha na outra. A renda é criada com o manusear dos bilros, jogados de um lado para outro pelas mãos ágeis das rendeiras.

 

 

Além do bilro, Aquiraz é especializado também no paletão de labirinto. O labirinto consiste em uma renda criada a partir da desfiadura do linho corrido com a ajuda de uma agulha. O paletão é o bordado criado sobre o tecido vazado.

  • Dário Gabriel/UOL

    Renda de bilro é tradicional no município de Aquiraz, no Ceará

História e sustentabilidade

Criado há 30 anos pela então primeira-dama do Ceará, dona Luiza Távora, o centro de Prainha nasceu para satisfazer uma necessidade de centralizar o comércio do artesanato regional. Antes disso, as rendeiras trabalhavam individualmente em seus lares e batiam de porta em porta nas casas de moradores e pousadas de turistas para oferecer suas criações.

 

Hoje, o trabalho é mais organizado. Mas, bem antes da consciência ecológica virar tendência mundial, já era todo sustentável. As sementes provêm dos frutos comidos pelo gado ou utilizados na preparação de doces. O bilro é coletado de árvores. O enchimento da almofada que dá suporte aos fios é feito de folhas secas de bananeira. Os alfinetes que prendem os fios e o molde à almofada são espinhos de cactos de diferentes tamanhos.

 

É difícil estimar quanto este trabalho artesanal gera de rendimentos anualmente. Segundo Rosana Lima, assessora especial da secretaria de Turismo e Cultura de Aquiraz, não existem dados oficiais neste sentido. “Este tem sido um dos maiores debates na secretaria, somos muito carentes de pesquisas deste tipo. A renda gerada é muito variável de acordo com a sazonalidade turística e com o volume de vendas”, disse ela.

 

Os ganhos, no entanto, têm sido suficientes para que as rendeiras sustentem suas famílias, como conta Maria Helena Pereira, 60, 53 deles como rendeira. “Com o bilro, ajudava minha mãe, comprava meus cadernos e estudava. Ajudei meu marido a criar os quatro filhos e, agora, ajudo minhas filhas a criar as minhas netas”, disse. Hoje em dia, a transmissão do ofício para as próximas gerações tem sido adiada. Das sete netas de Maria Helena, apenas uma delas familiarizou-se com a técnica, aos 13 anos. “Estou deixando que ela estude antes, mas ela vai aprender”, garantiu.

  • Dário Gabriel/UOL

    Moldes criados pelos estilistas André e Raphaella Castro, da Mar del Castro

É só levar o molde

Atualmente, os centros de rendeiras beneficiam-se de projetos como o Conexão Solidária, que promove a comercialização dos produtos e adiciona design de moda ao trabalho artesanal, em parceria com os estilistas André e Raphaella Castro, da marca Mar del Castro, de Fortaleza.

 

Para o trabalho conjunto, as artesãs receberam os moldes esboçados pela dupla e, sobre eles, executaram seu “pièce de résistance”. A parceria rendeu biquínis, maiôs, vestidos, casacos, blusas masculinas e femininas, entre outras peças.

 

Em Iguape, as rendeiras oferecem também cursos com as técnicas do bilro e paletão de labirinto. E para quem quer fazer vezes de estilista, a presidente do centro, Raimunda Vicente da Costa, 73, avisa: “é só trazer os moldes, que desenvolvemos qualquer peça”.

 

*A repórter viajou a convite da organização do Dragão Fashion Brasil