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Nova Délhi, onde a elite gay já era livre antes da descriminalização

Indira Guerrero

da EFE, em Nova Délhi

17/09/2018 09h20

Nas noites de Nova Délhi, os coquetéis e o champanhe de um bar gay do centro da capital são saboreados com a mesma normalidade tanto agora como um mês atrás, quando uma lei ameaçava prender os homossexuais na Índia, um país no qual a elite sempre pôde viver sem se esconder.

"Bem-vindos ao domínio da rainha", diz o letreiro na entrada de um luxuoso clube da capital indiana, que durante anos foi o ponto de encontro da comunidade LGBT (Lésbicas, Gay, Bissexuais e Transexuais) em Nova Délhi, uma cidade onde acontecem as mais exóticas festas para manter longe dos preconceitos da sociedade conservadora aqueles que têm dinheiro para levar uma vida "diferente".

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O lugar é apenas um entre vários destinados a uma elite da comunidade, que graças a certos privilégios viveu por anos em uma bolha dentro do país, que até pouco tempo atrás tinha uma das legislações mais antigas contra as relações homossexuais, o artigo 377, que vem da época vitoriana e que recentemente foi declarado inconstitucional pelo Tribunal Supremo da Índia.

"Nunca nenhum dos meus amigos ou nós tivemos a homossexualidade como um problema legal com a polícia, ou sofremos consequências por causa do artigo 377", afirmou à Agência Efe Alessandro, enquanto passeia com o namorado pela festa de um desses clubes.

Sikhs, hindus, cristãos ou muçulmanos, vestidos com camisas de seda, com lantejoulas e estampas coloridas, descem dos carros e entram despreocupados no local.

As ameaças de extorsão da polícia ou de moradores que preocuparam os ativistas e muitos jovens durante anos são lendas neste lugar, onde os beijos e abraços acontecem normalmente, e as telas exibem frases como "amor puro", "orgulho gay".

"Nem nós nem nenhum de nossos amigos sofreu por ser gay em todos estes anos, mas estou falando de indianos muito ricos, com contatos na polícia ou com pessoas influentes, em quem ninguém pode tocar", disse à Efe um italiano que vive em Nova Délhi há quase cinco anos.

O que separa esta elite do resto do grupo, que até poucos dias atrás só podia ser visto às escondidas ou pela internet, são as milhares de rúpias pagas para entrar no círculo e manter o estilo de vida do ambiente "sofisticado".

"Para estes rapazes, a noite não tem nada a ver com o dia, as pessoas que se movem de noite em Nova Délhi, que pagam 3.000 rúpias (35 euros) só para entrar em uma boate, você não vai encontrar durante o dia na rua, são espaços muito diferentes", contou à Efe Alberto, namorado de um executivo de uma empresa internacional instalada na capital indiana há vários anos.

"Em um país onde um salário médio ronda as 10.000 rúpias (120 euros) por mês, há pessoas que não podem pagar por um copo de bebida, ou uma entrada no clube, o que já praticamente determina o público do local, ou seja, alguém de uma categoria superior", acrescentou Alberto.

Há uma rede ainda mais privada dentro da própria comunidade para incluir empresários, diplomatas e executivos que querem espaços ainda mais exclusivos nas casas e vilas, para as quais recebem convites através de telefones celulares.

Wael, um médico muçulmano que visita as festas e os clubes com seu namorado, um ator e modelo hindu de 24 anos, reconheceu à Efe que o dinheiro é o que faz a diferença em seu caso, inclusive desde a época de escola, quando sua situação econômica o salvou de ser chamado de "eunuco" por seus colegas.

"E se não fosse por isso, hoje ninguém me chamaria de doutor", disse o médico, apoiado em um balcão do bar onde o garçom já sabe seu nome.

Todas essas histórias são muito diferentes das de outros jovens gays e lésbicas que, em desvantagem social, há apenas poucos dias não tinham visto tantos membros da comunidade em um mesmo lugar, salvo em comunidades anônimas na internet.

O professor de direito na Jindal Global Law School e ativista Danish Sheikh disse que, "se você faz parte da classe alta, não enfrenta a violência da mesma maneira que as pessoas de uma classe social inferior".

"As pessoas que pertencem a uma classe socioeconômica mais baixa são as mais vulneráveis, elas não têm acesso a lugares privados, enquanto as pessoas das classes altas dispõem de entradas, acesso à educação e acesso a lugares de trabalho mais liberais", explicou Sheikh.

No entanto, "o estigma afeta a todos", disse à Efe o acadêmico, que dá aulas há vários anos em uma faculdade de direito e que nunca escondeu sua orientação sexual.