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'Fui posta à venda na internet por ser muçulmana'

Hana Khan descobriu que foi colocadas à venda em aplicativo e site - Acervo pessoal
Hana Khan descobriu que foi colocadas à venda em aplicativo e site Imagem: Acervo pessoal

Geeta Pandey - da BBC News, Delhi

20/07/2021 09h59

Há uma semana, dezenas de mulheres muçulmanas na Índia descobriram que foram colocadas à venda na internet.

Hana Khan, uma piloto comercial cujo nome estava na lista, disse à BBC que foi alertada depois que um amigo mandou um tweet para ela.

O tweet a levou ao "Sulli Deals", um aplicativo e site que pegou fotos públicas de mulheres e criou perfis, descrevendo-as como "ofertas do dia".

A página de destino do aplicativo tinha a foto de uma mulher desconhecida. Nas duas páginas seguintes, Khan viu fotos de amigas dela. Na página seguinte, ela encontrou a dela mesma.

"Contei 83 nomes. Poderia haver mais", disse ela à BBC. "Eles tiraram minha foto do Twitter e ela tinha meu nome de usuário. Este aplicativo estava no ar há 20 dias e nós nem sabíamos sobre ele. Ele me causou arrepios na espinha", diz.

O aplicativo pretendia oferecer aos usuários a chance de comprar uma "Sulli" — gíria depreciativa usada por trolls hindus de direita para falar das mulheres muçulmanas. Não houve venda real de qualquer tipo — o objetivo do aplicativo era apenas degradar e humilhar.

Khan disse que foi alvo dos agressores por causa da religião que ela segue. "Sou uma mulher muçulmana que é vista e ouvida", disse ela. "E eles querem nos silenciar."

GitHub — a plataforma na internet que hospedava o aplicativo de código aberto — fechou-o rapidamente após reclamações. "Suspendemos contas de usuários após a investigação de relatórios de tal atividade, todos os quais violam nossas políticas", disse a empresa em um comunicado.

Mas a experiência deixou cicatrizes nas mulheres. Todas aquelas que apareceram no aplicativo eram muçulmanas com grande visibilidade, incluindo jornalistas, ativistas, artistas ou pesquisadoras. Desde então, algumas excluíram suas contas nas redes sociais e muitas outras disseram que temiam mais assédio.

"Não importa o quão forte você seja, mas se sua foto e outras informações pessoais forem tornadas públicas, isso te assusta, te perturba", disse outra mulher ao serviço da BBC em Hindi.

Mas várias das mulheres cujas informações pessoais foram compartilhadas no aplicativo recorreram às redes sociais para responder aos "pervertidos" e juraram lutar. Uma dezena delas formou um grupo de WhatsApp para buscar — e oferecer — apoio e, algumas delas, incluindo Khan, prestaram queixas à polícia.

Artistas, ativistas e lideranças sociais também se manifestaram contra o assédio. A polícia disse que abriu uma investigação, mas não disse quem poderia estar por trás do aplicativo.

As pessoas que desenvolveram o aplicativo usaram identidades falsas, mas Hasiba Amin, um coordenador de redes sociais do partido de oposição do Congresso, culpou várias contas que atacam regularmente muçulmanos, especialmente mulheres muçulmanas, e afirmam apoiar a política de direita.

Esta não é a primeira vez, disse Amin, que mulheres muçulmanas foram atacadas dessa maneira. No dia 13 de maio, enquanto os muçulmanos celebravam o festival de Eid, um canal do YouTube exibia um "Eid Special" — um "leilão" ao vivo de mulheres muçulmanas da Índia e do Paquistão.

"As pessoas estavam dando lances de 5 rúpias (R$ 0,35) e 10 rúpias (R$ 0,70), eles estavam classificando as mulheres com base em suas partes do corpo e descrevendo atos sexuais, além de ameaças de estupro", disse Khan.

Amin conta que mais tarde naquele dia, uma conta anônima tentou "leiloá-la" no Twitter. Várias outras — uma delas chamada @sullideals101, que desde então foi suspensa — aderiram, "abusando de mim, do meu corpo, me envergonhando e descrevendo atos sexuais grosseiros", diz Khan.

Ela acredita que quem tentou leiloá-la no Twitter são as mesmas pessoas que estão por trás do aplicativo Sulli Deals e do canal do YouTube — que já foi retirado do ar pela plataforma.

Há duas semanas, o Twitter suspendeu contas que alegavam que estavam por trás do aplicativo.

Os ativistas dizem que o abuso online tem o poder de "depreciar, rebaixar, intimidar e, eventualmente, silenciar as mulheres".

Na semana passada, mais de 200 atores, músicos, jornalistas e funcionários do governo de todo o mundo escreveram uma carta aberta, cobrando os CEOs do Facebook, Google, TikTok e Twitter a tratar da segurança das mulheres como "uma prioridade".

"A internet é a praça da cidade do século 21", escreveram eles. "É onde o debate acontece, as comunidades são construídas, os produtos são vendidos e as reputações são feitas. Mas a escala do abuso online significa que, para muitas mulheres, essas praças digitais são inseguras."

Um relatório da Anistia Internacional sobre o assédio online na Índia em 2020 mostrou que quanto mais voz uma mulher tinha, mais ela se tornava um alvo. E, assim como as mulheres negras eram mais alvo de perseguições no Reino Unido e nos Estados Unidos, as mulheres de minorias religiosas e castas desfavorecidas eram mais perseguidas na Índia.

Nazia Erum, autora e ex-porta-voz da Anistia na Índia, disse que havia poucas mulheres muçulmanas nas redes sociais e que elas eram "caçadas e perseguidas".

"Este ataque direcionado e planejado é uma tentativa de tirar o microfone das mulheres muçulmanas educadas que expressam sua opinião e falam contra a islamofobia. É uma tentativa de silenciá-las, envergonhá-las, tirar o espaço que ocupam", ela diz.

Amin disse que os assediadores "não têm medo porque sabem que vão se safar".

Ela listou vários casos recentes de atrocidades contra muçulmanos incentivados por membros do partido da situação BJP, como um ministro do governo que deu uma condecoração a oito hindus condenados por linchar um muçulmano. Já o novo ministro de radiodifusão do país foi visto no ano passado em um vídeo viral estimulando uma multidão hindu a "atirar contra muçulmanos".

Para as mulheres cujas identidades foram obtidas e usadas pelo aplicativo "Sulli Deals", a luta por justiça pode ser longa e difícil. Mas elas estão determinadas a alcançá-la.

"Se a polícia não encontrar quem nos colocou à venda, irei aos tribunais", disse Khan. "Vou perseguir isso até o fim".