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Final do BBB: vitória de Thelma é 'simbólica', mas não 'desestabiliza' racismo estrutural, diz Djamila Ribeiro

Thelma venceu prêmio de R$ 1,5 milhão na 20ª edição do Big Brother Brasil, veiculado pela TV Globo - Reprodução/TV Globo
Thelma venceu prêmio de R$ 1,5 milhão na 20ª edição do Big Brother Brasil, veiculado pela TV Globo Imagem: Reprodução/TV Globo

Luis Barrucho

Da BBC News Brasil em Londres

28/04/2020 17h41

A vitória da médica anestesiologista Thelma Assis na final do reality show Big Brother Brasil, veiculado pela TV Globo, tem "peso simbólico" e deve ser "comemorada", mas "não desestabiliza" o racismo estrutural do Brasil.

A opinião é da filósofa e escritora Djamila Ribeiro, uma das principais vozes do ativismo negro no país.

"Claro que é simbólico (vitória de Thelma), mas a grande mídia do país ainda não representa a diversidade do povo brasileiro. Precisamos refletir e ter uma discussão séria sobre isso. Há uma reivindicação histórica para que mais pessoas negras ocupem lugar de destaque na mídia, e não só reproduzindo estereótipos", diz Ribeiro à BBC News Brasil, lembrando que Thelma era a única mulher negra no programa (o outro participante negro era o ator Babu Santana. Havia 20 participantes no total).

Mais de 50% da população brasileira se declara negra, de acordo com dados do IBGE.

Segundo Ribeiro, "comemoramos porque são tão poucas as vezes que isso acontece que entendo a euforia das pessoas. A massa assiste à TV e milhares de meninas negras podem se inspirar em Thelma. Isso é inegável".

"Mas muito poucas mulheres negras conseguem chegar ao lugar aonde Thelma chegou. E não deveria ser assim."

"Se, de fato, não houver pressão para que isso mude, tudo vai continuar do jeito que está. Precisamos mudar essas estruturas de poder para não ter que ficar comemorando uma no meio de várias. Não vejo a vitória dela desestabilizando isso (racismo estrutural). Só vamos poder dizer isso quando tivermos mais inclusão dentro desses espaços".

Ribeiro ressalva ainda que "no ano passado uma participante declaradamente racista ganhou o programa", aludindo a Paula Von Sperling. Ela foi indiciada por intolerância religiosa, mas o processo foi arquivado.

Djamila Ribeiro - Divulgação - Divulgação
A filosofa Djamila Ribeiro
Imagem: Divulgação

Ataques racistas

Ribeiro também chama atenção para o fato de que, durante sua passagem pelo programa, Thelma sofreu ataques racistas dentro e fora da casa.

Um dos casos mais emblemáticos foi o do empresário e guia turístico nos Estados Unidos Rodrigo Branco, que, durante uma live no Instagram, declarou que "torcer por Thelma é racismo". Além disso, afirmou que a torcida dela só existia porque "ela é negra, coitada".

O empresário também atacou a apresentadora do Jornal Hoje, da Globo, Maju Coutinho. "É a mesma coisa que falo da Maju. Ela é péssima, é horrível. Ela fala tudo errado e só está lá por causa da cor", afirmou o empresário.

Após a repercussão negativa, ele pediu desculpas nas redes sociais.

Ribeiro também critica a descrição, por parte da audiência, de que Thelma era uma "planta", ou seja, parada na casa.

"Há um estereótipo que pesa sobre a mulher negra de que ela tem que ser raivosa ou arruaceira. Ou então, uma superativista da causa. A sociedade lhe nega, portanto, o direito à individualidade. Ela é um ser humano. Ninguém cobrou que a Rafa (Rafa Kalimann) fosse igual a Manu (Manu Gavassi), mas a mulher negra tem que ser como o Babu."

Apesar disso, Ribeiro diz que a vitória de Thelma aumenta a conscientização sobre a discussão do racismo no Brasil e sobre a representatividade étnica na mídia.

Ela destaca ainda que as mulheres negras continuam ser as principais vítimas de violência contra a mulher. Segundo dados da Anistia Internacional, enquanto o homicídio de mulheres negras aumentou 54,2% entre 2003 e 2013, no mesmo período, o de mulheres brancas caiu 9,8%.

"É importante lembarmos que Thelmas do Brasil ainda estão morrendo assassinadas, vítimas de violência sem o apoio do Estado", conclui Ribeiro.