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A vida de provações e sofrimento da princesa Alice, sogra da rainha Elizabeth

A princesa Alice de Battenberg nasceu na presença de sua bisavó, rainha Vitória da Inglaterra, no castelo de Windsor em 1885 - Getty Images via BBC
A princesa Alice de Battenberg nasceu na presença de sua bisavó, rainha Vitória da Inglaterra, no castelo de Windsor em 1885 Imagem: Getty Images via BBC

Beatriz Díez

BBC News Mundo

15/02/2020 09h05

Era uma história praticamente desconhecida do público até que a série The Crown, da Netflix, recuperou sua figura e dedicou a ela um dos capítulos da terceira temporada.

Alice de Battenberg, princesa da Grécia e Dinamarca, mãe do príncipe Philip e sogra da rainha da Inglaterra, Elizabeth 2ª, teve que enfrentar diversos obstáculos durante sua vida.

Desligada da família real por grande parte de sua vida, a princesa Alice se tornou, 50 anos após sua morte, um dos membros mais queridos da monarquia britânica.

Ontem, seu neto Charles, herdeiro do trono, prestou homenagem a ela em Jerusalém, onde seus restos mortais estão enterrados.

O príncipe de Gales disse que as ações altruístas de sua amada avó o inspiram há muito tempo.

Em seu túmulo, na igreja ortodoxa de Santa Maria Magdalena, localizada no Monte das Oliveiras, há um estandarte real grego que o príncipe ordenou que fosse feito em Londres para substituir o original, já deteriorado.

Mas quem era essa mulher intrigante?

Jovens apaixonados

A vida não foi fácil para Alice de Battenberg, bisneta da rainha Vitória, nascida em 1885 no Castelo de Windsor, Reino Unido.

Quando criança, os pais da princesa inicialmente acreditavam que ela tinha uma deficiência mental que a fazia aprender em um ritmo mais lento que seus irmãos.

Depois de ser diagnosticada com surdez congênita, ela teve o incentivo e a ajuda da mãe para aprender a língua de sinais e a ler lábios em inglês, francês, alemão e grego.

Com apenas 17 anos, ela se apaixonou pelo príncipe André da Grécia e Dinamarca ? filho do rei George 1º da Grécia e irmão do rei Constantino 1º ? que conheceu na coroação do rei Eduardo 7º, da Inglaterra, em 1902.

Eles se casaram um ano depois, na Alemanha, e estabeleceram sua residência na Grécia, embora viajassem com frequência, ele devido a suas obrigações militares e ela, por seu compromisso com o serviço social.

O casal teve cinco filhos: quatro meninas e um menino, Philip, duque de Edimburgo e marido da rainha Elizabeth 2ª.

Exílio e separação

Os grandes eventos das primeiras décadas do século 20, como a Primeira Guerra Mundial, a Revolução Russa e a Guerra Greco-Turca, tiveram um grande impacto na vida dos príncipes, que foram forçados a se exilar da Grécia em 1922.

Dizem que, durante a viagem para fora do país, seu filho Philip, que era apenas um bebê, foi transportado em uma caixa de frutas como um berço improvisado.

Nos anos seguintes, o núcleo familiar desmoronou.

O príncipe André se estabeleceu em Monte Carlo e Philip, o caçula dos cinco filhos, foi quem mais se afastou dos pais, sendo educado em internatos na Escócia e na Inglaterra.

As quatro filhas casaram-se com nobres alemães, que eram partidários do emergente movimento nacional socialista alemão, o nazismo.

Tratamento psiquiátrico

Naquela época, a princesa se converteu à fé ortodoxa grega, com a qual se envolveu cada vez mais até dizer que recebia mensagens divinas e que tinha poderes de cura.

Em 1930, ela teve um colapso nervoso e foi diagnosticada com esquizofrenia paranóica.

Ela foi internada em um hospital psiquiátrico na Suíça contra sua vontade e foi tratada lá pelo pai da psicanálise, o austríaco Sigmund Freud.

Freud considerou que as visões e alucinações da princesa eram o resultado de frustração sexual e recomendou que ela recebesse choque elétrico e raios-X nos ovários para promover a menopausa e desligar a libido.

Ela defendeu sua sanidade, mas permaneceu no sanatório por dois anos, período que teria um peso enorme em sua vida adulta, física e emocionalmente.

Ao sair do centro, a princesa Alice se viu sozinha e começou a explorar seu lado religioso e humanitário.

Morte de uma filha

Em 1937, uma das filhas da princesa, Cecilia, morreu em um acidente de avião com o marido e dois de seus filhos. Ela tinha 26 anos.

No funeral, realizado na Alemanha e assistido por militares nazistas ? já que o marido de Cecilia, Georg Donatus, era um oficial do alto escalão de Hitler ?, a princesa se reuniu com seus filhos e com o príncipe André, com quem ainda era formalmente casada.

Alice pediu ao filho Philip, então adolescente, que se mudasse para Atenas com ela, mas ele rejeitou a proposta porque queria continuar sua carreira como oficial da Marinha Inglesa.

A Segunda Guerra Mundial estourou e a Grécia foi ocupada pela Alemanha nazista, o que gerou grande preocupação à população.

Graças ao dinheiro e comida enviados por seus irmãos do Reino Unido, a princesa Alice pôde ajudar os necessitados e veio a esconder uma família judia em sua própria casa.

Suas raízes alemãs e o relacionamento de suas filhas com as forças armadas de Hitler a protegiam de qualquer problema. Além disso, ela usou sua surdez como desculpa para evitar interrogatórios.

Atenas foi liberada em outubro de 1944 e, no final do mesmo ano, a princesa Alice tornou-se viúva. Ela não via o marido desde 1939.

Ela vendeu quase todas as suas joias reais, exceto os diamantes que deu ao filho para fazer o anel com o qual ele pediu a então princesa Elizabeth, herdeira do trono britânico, em casamento. Em 1947, Alice participou cerimônia de matrimônio na abadia de Westminster, em Londres.

Ao retornar à Grécia, a princesa fundou sua própria ordem religiosa: a Irmandade Ortodoxa de Marta e Maria.

Desde 1949, ela só foi vista com roupas religiosas. De fato, ela surpreendeu milhões de espectadores ao vestir hábito de freira na coroação de sua nora, em 1952.

Declínio e reconhecimento póstumo

A ordem funcionou por alguns anos, apesar de acabar ficando sem fundos ou voluntários.

A saúde da princesa se deteriorou e, ao mesmo tempo, a situação política na Grécia piorou, até que, em 1967, um grupo de coronéis deu um golpe de Estado.

Isso levou a rainha Elizabeth e o príncipe Philip a convidarem-na para morar com eles no Palácio de Buckingham.

À época, Alice tinha 82 anos e estava muito frágil. Ela morou com o filho e a nora até sua morte, dois anos depois.

Ela foi vista pela última vez em público em 3 de outubro de 1969 e morreu em 5 de dezembro daquele ano.

Inicialmente, foi enterrada na cripta real do Castelo de Windsor, mas em 1988 seus restos mortais foram transferidos para a igreja de Santa Maria Madalena no Monte das Oliveiras, em Jerusalém, como ela desejava.

Embora a reputação de Alice como uma pessoa estranha e excêntrica tenha perdurado, em 1993 a comunidade judaica concedeu-lhe o reconhecimento de "Justa Entre as Nações" por ter arriscado sua vida para proteger a de vários judeus do Holocausto durante a Segunda Guerra Mundial.

O duque de Edimburgo, em seguida, viajou para Jerusalém para participar da cerimônia de homenagem à mãe.

"Eu suspeito que ela nunca tenha pensado que suas ações fossem especiais. Ela era uma pessoa com uma profunda fé religiosa e deve ter parecido perfeitamente natural e humano ajudar o vizinho em perigo", disse o príncipe Philip naquela ocasião.

Com suas palavras no dia 24 de janeiro, o príncipe Charles reforçou a imagem da princesa Alice como uma pessoa generosa e admirável, a quem conhecemos melhor por uma série da Netflix.