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Quem foi a 'bruxa de Wall Street' que se tornou a primeira magnata dos EUA

Green foi apelidada de "Bruxa de Wall Street" por seu talento para finanças, usar sempre preto e suposta personalidade impiedosa - Getty Images
Green foi apelidada de 'Bruxa de Wall Street' por seu talento para finanças, usar sempre preto e suposta personalidade impiedosa Imagem: Getty Images

24/03/2019 14h57

Alguns dizem que ela era avarenta e impiedosa, enquanto outros afirmam que suas excentricidades despertavam fofocas e mentiras.

Aos 6 anos, Hetty Green lia notícias sobre o mercado financeiro e o preço de ações para seu avô, que lhe explicava o que era bom e por quê.

Aos 10, já trabalhava como secretária do avô, escrevendo cartas e participando de reuniões de negócios.

A trajetória foi descrita em um perfil que apresenta Green como a mulher mais rica do país, publicado em 1905 pela revista National Magazine, de Massachusetts, nos Estados Unidos.

E não para por aí: ela foi a primeira magnata da história do país, segundo o jornalista e historiador Charles Slack, autor da biografia mais completa sobre a investidora, lançada em 2004.

Família era 'rica há quatro gerações'

Henrietta Howland Robinson nasceu em 21 de novembro de 1834 em New Bedford, Massachusetts, em uma família que era "rica há quatro gerações", afirma a National Magazine.

Há quem diga que o pai dela deixou US$ 7,5 milhões de herança para a filha, em 1865. Outros sustentam que ela herdou US$ 1 milhão. De acordo com a enciclopédia Britannica, ela recebeu um total de US$ 10 milhões do pai e da tia materna, que morreu naquele mesmo ano.

Uma caricatura de 1895 mostra milionários como Hetty Green (ao centro) sofrendo ao pagar impostos para o Tio Sam - GETTY IMAGES - GETTY IMAGES
Uma caricatura de 1895 mostra milionários como Hetty Green (ao centro) sofrendo ao pagar impostos para o Tio Sam
Imagem: GETTY IMAGES

Seja qual for a quantia, quando Hetty Green morreu, em 1916, tinha acumulado uma fortuna de US$ 100 milhões, o que hoje equivaleria a US$ 1,6 bilhão (R$ 6,5 bilhões), segundo Slack. Ou US$ 3,8 bilhões (R$ 14,8 bilhões), de acordo com a New England Historical Society.

Enfim, todas as informações sobre sua vida parecem controversas, cercadas por uma série de rumores e exageros.

Mas o fato é que, em uma época em que as mulheres não podiam sequer votar, ela se tornou uma das maiores (e "mais temidas", segundo a enciclopédia Britannica) operadoras de Wall Street.

Com seu talento para finanças, a chamada "bruxa de Wall Street" colocou o patrimônio da família em outro patamar.

Uma estratégia de investimentos de sucesso

Hetty Green ampliou a fortuna com base na compra e venda de imóveis e hipotecas, concedendo empréstimos e investindo na bolsa de valores, especialmente em ações do setor ferroviário e de mineração, além de títulos do governo.

"Sua estratégia de investimento imobiliário era comprar uma propriedade barata quando ninguém queria e vendê-la mais caro quando surgia interesse", diz Ellen Terrell, especialista da Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos, em uma publicação de 2012 dedicada à magnata.

Embora tenha ficado famosa pela atuação em Wall Street, Terrell diz que ela era "menos ativa" na hora de gerenciar a carteira de ações: "Preferia comprá-las para investimento, e não para especulação".

Mas ela soube especular e ganhar muito dinheiro com empréstimos, especialmente durante o chamado pânico de 1907, crise financeira provocada pela queda do mercado de ações, que levou bancos e empresas à falência.

De acordo com o livro The Witch Of Wall Street ("A Bruxa de Wall Street", em tradução livre), de 1936, Green viu o colapso se aproximar e fez grandes esforços para ter dinheiro disponível para conceder empréstimos.

Quando o pânico terminou, entre aqueles que deviam dinheiro a ela estava a cidade de Nova York, a quem Green emprestou mais de US$ 1 milhão em troca de títulos de curto prazo.

Uma fama de avarenta e impiedosa

Apesar da fortuna de milhões, Green nunca deixou de levar uma vida humilde e de tomar conta de cada centavo.

Ela morou em uma série de apartamentos pequenos e baratos no Brooklyn (Nova York) e em Hoboken (Nova Jersey), "para evitar se fixar em uma residência e pagar impostos", segundo artigo da New England Historical Society.

Além disso, gerenciava seus investimentos de um escritório localizado no Chemical Bank de Nova York, onde todos os dias "almoçava mingau, que esquentava no aquecedor".

Mas, de novo, é difícil distinguir o que é realidade e ficção.

A revista Smithsonian conta que, aos 20 anos, seu pai encheu seu armário com vestidos refinados - a ideia era conseguir um marido rico para a filha. Green, no entanto, decidiu vender os vestidos e comprar títulos do governo, seus favoritos.

De fato, ela sempre usava roupas pretas, o que em parte rendeu a ela o apelido de "bruxa". Mas ela não só usava peças de algodão, no lugar de seda ou renda, algo que era visto como um gesto de avareza - algumas publicações também descrevem seus trajes como velhss e sujos.

Dizem ainda que ela não lavava as mãos, que se consultava com médicos de instituições de caridade e que abandonou o marido quando os problemas financeiros dele começaram a interferir em sua fortuna.

Além disso, teria entrado com inúmeras ações judiciais, algumas contra a própria família, e andaria sempre com uma arma por acreditar que havia uma conspiração de advogados contra ela.

"De acordo com quase todos os relatos, ela era uma pessoa completamente desagradável, gananciosa, mesquinha e para ser honesto, muitas vezes suja", escreveu o jornal americano The New York Times ao fazer uma crítica do livro de Slack.

Até os jornais da época costumavam chamá-la de "a mulher mais infeliz de Nova York". No entanto, nas últimas décadas, a imagem de Green começou a mudar.

Uma mulher excêntrica em um mundo de homens

"Suas excentricidades faziam dela o assunto favorito das seções de fofoca nos jornais. Circulavam todos os tipos de histórias sobre sua ganância", destaca a enciclopédia Britannica. Algumas destas histórias foram desmentidas.

Por exemplo, a respeito do seu marido, Edward H. Green, com quem teve dois filhos, diziam que era rico e tinha um acordo pré-nupcial sem precedentes com ela. Mas, de acordo com a New England Historical Society, quando ele adoeceu, ela cuidou dele por anos até sua morte, em 1902.

No entanto, é provável que a história mais cruel e repetida sobre Green seja que ela se recusou a pagar um médico para tratar uma ferida na perna do filho, o que mais tarde levou à amputação do membro.

"Ela amava o filho e levou ele a vários médicos para cuidar da perna", diz a New England Historical Society. "Como muitas das histórias sobre ela, trata-se de um exagero. E as histórias sobre as coisas boas que Hetty fez raramente ou nunca foram contadas."

Um exemplo disso foi o apoio público que ela manifestou aos trabalhadores de bonde do Brooklyn em uma greve em 1895.

As pessoas, diz o texto da New England Historical Society, não estavam acostumadas a ver "uma mulher que gerenciava seus investimentos espetacularmente bem, em uma época em que não se confiava dinheiro às mulheres".

Em seu livro, Slack concorda: "No fim das contas, seu maior crime parece ter sido escolher viver de acordo com suas próprias regras e não as da sociedade".