Os pais que processam filhos por ajuda financeira
Vários países asiáticos permitem que pais que não conseguem se sustentar entrem na Justiça para receber mesadas ou outros tipos de auxílio dos filhos; no Brasil, o pagamento de pensão alimentícia nesses casos é previsto no Estatuto do Idoso.
Abu Taher diz que o filho sempre foi um "bom garoto".
Durante anos, Taher comandou uma pequena loja de roupas em Chittagong, Bangladesh. Ele se aposentou ganhando pouco e se tornou financeiramente dependente da filha e do filho.
"Minha esposa e eu tivemos que passar por muita coisa para criar nosso filho", diz Taher. "Mas ele mudou depois que se casou e parou de se preocupar com a gente."
Apesar da ajuda que recebe da filha, Taher passou por dificuldades. O homem de 75 anos diz que sua única alternativa para conseguir se manter foi abrir um processo contra o filho, Mohammad Shahjahan.
"Foi uma decisão difícil de tomar. Todo mundo me dizia para abrir o processo, mas eu não queria. Só abri quando vi que não tinha outro jeito".
O filho - que trabalha como banqueiro - rechaça suas alegações.
Ele diz que os pais se distanciaram há anos, mas que ainda assim os ajudava. Afirma, ainda, que o pai levou o caso à Justiça "para envergonhá-lo".
Pais x filhos
Esse tipo de ruptura familiar poderia acontecer em qualquer lugar, mas a solução que Taher buscou não é consenso entre os países.
Ele entrou com o processo com base na Lei de Manutenção dos Pais, de Bangladesh, que oferece o recurso para pais que se dizem abandonados pelos filhos em relação a esse tipo de apoio.
No Brasil, segundo informações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) , idosos com idade a partir de 60 anos que não têm condição de se sustentar nem contam com auxílio de parentes próximos têm direito à pensão alimentícia.
O benefício, no país, é previsto no artigo 12 do Estatuto do Idoso, segundo o qual a obrigação de fornecer esse auxílio é solidária, mas apesar de todos os filhos terem a obrigação, a ação pode ser promovida somente contra o que tiver melhor condição financeira.
O CNJ explica que caso a pensão alimentícia já esteja fixada judicialmente ou por acordo, mas não esteja sendo paga, o idoso pode ingressar com ação de execução contra o devedor para recebê-la. A medida pode resultar na prisão do filho inadimplente, caso não pague os atrasados.
Vários Estados americanos e partes da Europa têm leis semelhantes, mas elas raramente são aplicadas na prática.
Na Ásia, entretanto, os casos são mais frequentes.
O pesquisador de serviços de saúde da Universidade de Emory, Ray Serrano, analisou as várias leis asiáticas inspiradas no conceito de "piedade filial" - criado pelo pensador e filósofo chinês Confúcio como uma virtude de respeito aos pais e aos antepassados.
Serrano descreve tais dispositivos como uma "extensão da pensão alimentícia ou apoio à criança" em sociedades que prezam por valores familiares e comunitários.
Dever de ajudar
Cingapura é um exemplo.
Pais idosos que não conseguem se sustentar sozinhos podem buscar ajuda financeira dos filhos com base na Lei de Manutenção dos Pais do país.
Eles podem abrir processo nos casos em que os filhos têm condições de dar esse suporte, mas deixam fazê-lo.
Como decisão, a Justiça pode determinar o pagamento de um subsídio mensal ou de um montante único. Prêmios de manutenção também podem ser concedidos através de acordo.
Poucos casos chegam ao tribunal, pois muitos são resolvidos por meio de conciliação. Em 2017, apenas 20 casos no Tribunal de Manutenção (TMP) resultaram em um prêmio de manutenção.
Costumes culturais
China, Índia e Bangladesh têm sistemas semelhantes, criados nos últimos anos em parte para atender às demandas do envelhecimento da população. Serrano diz se tratar da ideia de "reciprocidade".
"Se você é um filho adulto e não vive com seus pais, você deve pelo menos prover a subsistência deles."
Filhos que não cumprem essa norma ficam sujeitos a multas e até à prisão em alguns casos.
Em um caso recente da província de Sichuan, na China, cinco adultos teriam sido sentenciados a até dois anos de prisão por abandonarem o pai idoso, após a Justiça considerar que eles não haviam cumprido com suas obrigações de filhos.
O papel do Estado
As leis normalmente focam nas necessidades financeiras dos idosos e não nos cuidados que precisam no longo prazo.
Mas à medida que as sociedades envelhecem, elas podem oferecer um mecanismo para tirar a pressão do Estado.
A Organização Mundial da Saúde diz que, até 2020, o número de pessoas com 60 anos ou mais no mundo deverá ultrapassar o de crianças menores de cinco anos.
E em 2050, cerca de 80% dos idosos estarão em países de baixa e média renda.
Serrano diz que sistemas como esse em Cingapura podem atuar como uma "vara que cutuca as pessoas" para que cuidem dos pais idosos.
Em países como Estados Unidos e Reino Unido, entretanto, é uma mudança de política que possivelmente seria recebida com resistência, segundo James Sabin, professor da Universidade de Harvard.
De acordo com ele, é improvável que leis como essas consigam ganhar força nos EUA.
O professor está à frente do departamento de medicina populacional e psiquiatria da universidade, e diz que os EUA estão no "outro extremo" de um país mais voltado para a comunidade, como Cingapura.
"Enquanto sociedade, nós somos relativamente não propensos a ignorar os direitos dos indivíduos", diz ele.
Ele também aponta para potenciais perigos em casos em que o filho argumenta que o pai não é merecedor de cuidados.
"Alguns dirão que foram negligenciados ou abusados pelos pais. É o oposto de uma reverência confuciana pela geração mais velha", diz o professor Sabin.
"Eu não acho que nós queremos depender do tribunal para esse tipo de julgamento psicológico-social".
Para Taher, entretanto, o sistema em Bangladesh ofereceu receptividade.
Ele chegou a um acordo extrajudicial com o filho. Shahjahan concordou em pagar por mês 10.000 taka (o equivalente a R$ 445) ao pai.
Até agora ele cumpriu o acordo e Taher diz que se continuar pagando, vai pedir o arquivamento do processo na Justiça.
*Ilustrações por Katie Horwich.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.