Topo

A mulher que gastou todo seu dinheiro para congelar os óvulos

Um número cada vez maior de mulheres jovens e saudáveis recorre ao procedimento para ter a chance de adiar a maternidade - Getty Images
Um número cada vez maior de mulheres jovens e saudáveis recorre ao procedimento para ter a chance de adiar a maternidade Imagem: Getty Images

Anna Louie Sussman

09/09/2018 09h29

Nadine*, que trabalha no ramo de restaurantes em Nova York (EUA), deveria evitar fazer muita atividade física enquanto se preparava para congelar os óvulos.

Mas, apesar da recomendação médica, ela pedalava com frequência três quilômetros pela manhã do seu apartamento, em Manhattan, até a clínica de fertilidade do Upper West Side para fazer exames de ultrassom.

O estresse extra poderia prejudicar a produção de óvulos em seus ovários - e um passeio de bicicleta na hora do rush em Nova York é tudo, menos tranquilo. Apenas no dia do procedimento em si, há dois anos, ela finalmente se permitiu pegar um táxi.

"Era para economizar dinheiro", explica Nadine.

Ela é uma entre milhares de mulheres que decidem, a cada ano, congelar e armazenar os óvulos, como uma apólice de seguro para o futuro. Para algumas, a ideia é preservar a fertilidade enquanto buscam o parceiro certo, ou então adiar a maternidade para priorizar o investimento na carreira.

O procedimento é muito parecido com a primeira metade de um ciclo de fertilização in vitro: começa com a estimulação hormonal para o desenvolvimento de múltiplos óvulos nos ovários, que, na sequência, são coletados para serem congelados. As mulheres podem então usar os óvulos congelados em algum momento para fazer a fertilização in vitro, caso não consigam engravidar naturalmente.

Mas, assim como outras formas de seguro, o congelamento de óvulos - ou criopreservação de oócitos, como também é conhecido - pode representar um impacto forte nas finanças. Um único ciclo pode custar até US$ 17 mil nos EUA, o equivalente a um quinto da renda média anual das famílias americanas. No Brasil, o custo do procedimento gira em torno de R$ 18 mil e não é coberto pelo SUS (Sistema Único de Saúde).
Ter de arcar com esses gastos pode causar uma pressão financeira significativa sobre as mulheres, que já ganham menos e economizam menos do que os homens. Muitas mulheres que congelam os óvulos gastam todas as economias, enquanto outras contraem dívidas significativas após pegar empréstimos para pagar o procedimento.

Mas por que essas mulheres estão dispostas a pagar um preço tão alto - muitas vezes às custas de outros objetivos, como ter uma casa própria ou segurança financeira - para armazenar óvulos de que talvez nunca vão precisar? Tampouco há garantias de que os óvulos congelados levem a uma gravidez bem-sucedida, mesmo quando são usados, embora os avanços na técnica tenham aumentado as taxas de sucesso.

Quando um grupo de grandes empresas de tecnologia, como a Apple e o Facebook, começou a oferecer às funcionárias congelamento de óvulos como um benefício, os críticos interpretaram a iniciativa como uma tentativa assustadora de incentivar as mulheres a "se renderem ao controle corporativo", adiando as relações humanas em prol de mais horas no escritório. Ambas as companhias insistiram, no entanto, que se tratava de um benefício, em resposta a uma demanda das funcionárias, para dar a elas mais opções.

Alguns seguros de saúde também cobrem a criopreservação, se for considerada clinicamente necessária, como antes de um tratamento de quimioterapia. Mas a grande maioria das mulheres paga pelo procedimento do próprio bolso.

Nadine, agora com 36 anos, viveu modestamente até o início dos 30 anos para economizar e dar entrada em um imóvel - chegou a juntar US$ 30 mil no banco, parte do qual ela investiu em um negócio. Mas, aos 34 anos, após terminar um relacionamento duradouro, ela decidiu congelar os óvulos, gastando US$ 5 mil do que restava na poupança. Fez ainda um empréstimo para pagar os US$ 8 mil que faltavam para cobrir o custo da coleta dos óvulos e colocou no cartão de crédito os medicamentos para estimulação ovariana, que custam cerca de US$ 1 mil.

Quatro meses após congelar os óvulos, em dezembro de 2016, ela recebeu um bônus e um aumento de salário, que permitiram a ela pagar por um segundo ciclo de congelamento de óvulos em janeiro de 2017, sem contrair mais dívidas.

Embora esteja ganhando mais agora, Nadine ainda está pagando o empréstimo que tomou. Ela continua olhando os classificados, e chega a entrar em contato com corretores de imóveis, antes de ser trazida de volta à realidade.

"Existe a sensação, no fundo da minha mente, de que eu ainda tenho dinheiro, porque em certo momento cheguei a ter", diz ela. "Mas pela maneira como os namoros acontecem, eu sei que talvez não encontre a pessoa certa em dois, quatro ou 100 anos. (A idade de) 34 anos parecia ser o limite que os médicos de fertilidade aconselham para congelar os óvulos, por isso foi uma decisão fácil. Eu tinha que fazer o que era preciso."
O número de mulheres que congelam os óvulos aumentou significativamente nos últimos anos. Em 2009, foram realizados apenas 564 ciclos de congelamento de óvulos nos EUA, enquanto em 2016 esse número subiu para 8.892, de acordo com a Sociedade de Tecnologia de Reprodução Assistida. No Brasil, embora não haja estatísticas oficiais, calcula-se que tenha triplicado o número de congelamento de óvulos nos últimos cinco anos.

O crescimento global pode ser explicado parcialmente por alguns fatores. Nos EUA, por exemplo, a Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva removeu em 2012 a prática da lista de técnicas "experimentais", depois que avanços na tecnologia aumentaram a chance de efetividade dos óvulos ao serem descongelados.

Além disso, a repercussão na imprensa do polêmico benefício oferecido por empresas de tecnologia às funcionárias e de celebridades falando sobre seus próprios óvulos congelados deu mais visibilidade ao tema. Sem contar com o surgimento de companhias como a EggBanxx, que oferecem financiamento para a realização do procedimento e ficaram conhecidas por organizar "festas de congelamento de óvulos" para divulgar a prática.

Pesquisas sobre "congelamento social dos óvulos" sugerem que as mulheres talvez estejam fazendo esse investimento alto devido a fatores mais profundos do que simplesmente priorizar a carreira. Como parte de um estudo sobre congelamento de óvulos, a antropóloga Marcia Inhor, da Universidade de Yale, nos EUA, entrevistou 150 mulheres americanas - e 90% delas citaram a busca contínua por um parceiro como principal razão para fazer o procedimento. Zeynep Gurtin, pesquisador visitante da Universidade de Cambridge, afirmou que há um fenômeno semelhante no Reino Unido.

Mas o que isso significa para as finanças das mulheres? Elas já ganham menos que os homens em quase todos os setores da economia, e também possuem menos bens. Nos EUA, as mulheres têm 32 centavos de patrimônio para cada dólar dos homens.

Embora o número de mulheres que congelam os óvulos seja provavelmente pequeno demais para impactar os dados nacionais, para as mulheres individualmente, o custo é significativo.

Emma*, organizadora freelancer de eventos em Londres, fatura cerca de £ 55 mil (R$ 295 mil) por ano e começou a cogitar o congelamento de óvulos quando tinha 37 anos, depois de não ter namorado ninguém sério por muito tempo. Ela pesquisou as clínicas com cuidado e chegou a fazer testes preliminares em uma que oferecia consultas relativamente baratas - em torno de £ 200 (R$ 1 mil).

Em novembro de 2017, ela recolheu nove óvulos em uma rede britânica de clínicas, conhecida por ser pioneira em técnicas leves de estimulação - que usam menos drogas e assim reduzem o custo do procedimento, mas também produzem menos óvulos. Mesmo assim, o procedimento custou cerca de £ 5,1 mil (R$ 27 mil), incluindo a medicação e os exames de sangue.

"É muito dinheiro", diz Emma. Ela agora está planejando passar por um segundo ciclo - os médicos recomendam que as mulheres tenham 20 óvulos para aumentar a chance de nascimento. E armazená-los também custará a Jane um adicional de £ 360 por ano, o que pode chegar a milhares de libras se ela decidir guardar os óvulos pelo prazo máximo, que é de dez anos no Reino Unido. Depois, há ainda o custo da fertilização in vitro em si, que pode custar £ 5 mil ou mais, no caso de tratamento particular, se ela optar por usar os óvulos.

Ou seja, os gastos podem ser astronômicos.

"É uma apólice de seguro, que pode ser um desperdício de dinheiro, porque eu posso encontrar um parceiro e ter filhos naturalmente", pondera Emma.

"Mesmo se eu encontrasse o homem da minha vida amanhã, levaria algum tempo até a gente se estabelecer e se casar. E, se decidíssemos ter um filho, eu estaria provavelmente com 40 anos e, se eu quisesse dois, teria possivelmente com 40 e poucos anos."

Sem garantias

Mas essas mulheres estão pagando por algo que é apenas um lampejo de esperança. Não há garantias de que a tecnologia funcione, já que a maioria dos ciclos de fertilização in vitro falha - apenas um quinto é bem-sucedido - e há sempre o risco de os óvulos não sobreviverem ao processo de descongelamento ou de haver anomalias cromossômicas.

A escritora Helaine Olen, autora do livro de finanças pessoais Pound Foolish, questiona por que tanto dinheiro está sendo despejado em uma indústria que ainda tem baixas taxas de sucesso. "Se trata de vender uma tecnologia mais que incerta às mulheres americanas, como uma maneira de lidar com questões sociológicas maiores", argumenta Olen. E, para a maioria das mulheres, a expectativa é encontrar um parceiro e engravidar à moda antiga (e gratuita) - ou seja, nunca precisar usar os óvulos congelados.

Tiffany Murray, hoje com 40 anos, congelou os óvulos aos 34 anos, após um namoro sem muito sucesso em Washington (EUA). Em vez de ficar presa a um relacionamento que não era ideal apenas pelo desejo de ter filhos antes que fosse tarde demais, ela escolheu congelar os óvulos. Seus pais deram o procedimento a ela de presente de Natal.

Quatro anos depois, no entanto, ela conheceu seu atual marido e engravidou naturalmente, logo depois que se casaram. Murray ainda paga para manter armazenados seus 14 óvulos congelados, caso tenham problemas para conceber o segundo filho. Em seis anos, desde que ela congelou os óvulos, a taxa anual de armazenamento subiu de US$ 350 para US$ 600.

A esse preço, brinca Murray, parece que seus "óvulos estão sendo mantidos como reféns".

Apesar do alto custo do procedimento, Nadine sente, por sua vez, que fez a escolha certa. Ela coletou 30 óvulos e paga uma taxa de armazenamento de US$ 1 mil por ano. Ela encoraja, inclusive, as amigas a refletirem sobre a opção.

"Dá um pouco de raiva em relação à parte financeira", desabafa, mas com a certeza de que fez um bom investimento para o futuro.
"Agora eu tenho 30 crianças que gastam US$ 1 mil por ano", brinca, soltando uma risada. Ou, pelo menos, pode ser que tenha, se em algum momento decidir resgatar sua apólice de seguro de fertilidade.

* Nadine é um nome fictício, usado para preservar a identidade da entrevistada. Emma pediu para não publicar seu nome completo na reportagem pelo mesmo motivo.