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A palavra que contém o segredo do povo mais feliz do mundo

"Hygge" é um conceito 100% dinamarquês: dizem que ele torna as pessoas mais felizes - Thinkstock
"Hygge" é um conceito 100% dinamarquês: dizem que ele torna as pessoas mais felizes Imagem: Thinkstock

05/10/2015 09h37

O chamado "hygge" é um conceito 100% dinamarquês: dizem que ele torna os lares mais quentes e as pessoas mais felizes. Mas o que exatamente é o "hygge"? E o mais importante: é possível exportá-lo para outros países?

Se perguntarmos a um dinamarquês o que é o "hygge" (pronuncia-se "hu-ga"), ele poderia responder que é "sentar em frente a uma lareira, em uma noite fria, com um confortável pulôver de lã, uma caneca de vinho quente e fazendo carinho em seu cachorro". Ou ainda: comer biscoitos de canela feitos em casa, assistir TV debaixo de um edredom, tomar chá em uma xícara de porcelana na reunião de família do Natal.

"Hygge", muitas vezes, é traduzido como "acolhedor" ou "aconchego". Mas os entendidos dizem que "hygge" é muito mais do que isso: é uma atitude perante à vida, que ajudou a Dinamarca a superar a Suíça e a Islândia no ranking global de felicidade.

Só no inverno?

Susanne Nilsson é professora de dinamarquês no colégio Morley, de Londres, e as aulas incluem o ensino de "hygge" aos estudantes.


"Na Dinamarca, temos inverno frios e longos", diz. "Isso influi nas coisas. Mas 'hygge´ não tem de estar relacionado ao inverno, ainda que o clima não seja tão bom durante grande parte do ano."

Em pleno inverno, quando os dinamarqueses tem apenas quatro horas de sol por dia e as temperaturas médias giram em torno de 0ºC, as pessoas passam mais tempo dentro de casa, diz Nilsson, e isso significa que as formas de se divertir no lar passam a ser muito importantes.

"'Hygge' pode ser família e amigos reunidos para jantar à meia-luz. Ou pode ser o tempo que você passa sozinho, lendo um bom livro", diz Nilsson.

"Funciona melhor quando não há um espaço vazio grande demais em torno da pessoa ou do grupo", explica.

A ideia é relaxar e se sentir "em casa" tanto quanto for possível, esquecendo as preocupações da vida.

E o "hygge" está sendo exportado para outros países --principalmente por meio de restaurantes, cafés e bares de temática escandinava.

São lugares com espaços íntimos, cuja decoração carece de uniformidade e a atenção está concentrada nos alimentos reconfortantes.

Ainda que muitos dos fregueses talvez nunca tenham ouvido falar de "hygge", nesses lugares, eles podem entender do que se trata.

Nos Estados Unidos, há uma empresa de têxteis e papel de parede chamada Hygge West, cujo objetivo principal é canalizar o conceito dinamarquês por meio de desenhos.

E também há uma padaria em Los Angeles chamada Hygge, que vende os tradicionais pães e doces dinamarqueses.

"O resto do mundo parece estar se dando conta, gradualmente, de algo que os dinamarqueses sabem há gerações: passar um tempo curtindo um aconchego com amigos e família, tomando café com bolo ou cerveja, pode ser bom para a alma", afirma Helen Russell, autora do livro "The Year of Living Danishly: Uncovering the Secrets of the World's Happiest Country" (O ano em que vivemos como dinamarqueses: descobrindo os segredos do país mais feliz do mundo, em tradução livre do inglês).

"Para mim, 'hygge' tem a ver com ser bom consigo mesmo: se permitir passar um tempo agradável, não se castigar ou se negar nada", diz.

É um pouco o oposto do que muitos fazem em vários países logo após as festas de Natal e de fim de ano, quando muitas pessoas reagem aos excessos cometidos nas festas fazendo dietas, exercitando-se ou se abstendo de álcool.

"Na Dinamarca, não há muitas privações forçadas. O que se tenta é ser generoso consigo mesmo e com os demais. Os dinamarqueses não bebem ou comem em excesso e depois cortam tudo. Nem fazem dietas 'ioiô'."

O adjetivo de "hygge" é "hyggeligt", palavra que costuma ser usada como elogio a anfitriões depois de uma noite agradável em suas casas.

"'Hygge' não é só um conceito da classe média. Todos, do gari ao prefeito, estão incluídos", diz Russell.

"Até agora, minha experiência mais 'hygge' provavelmente foi observar o entardecer em uma banheira, com água quente, durante uma tempestade de neve em janeiro, com uma cerveja na mão. Mas não precisa ser algo tão dramático. O que faço, em geral, é acender uma vela no escritório de minha casa enquanto trabalho."

Kayleigh Tanner é autora do blog "Hello Hygge". Ela diz que, ainda que o "hygge" seja difícil de descrever por ser tão abstrato, começa a ressoar entre muita gente.

A origem do Hygge

- O termo surgiu de uma palavra norueguesa que significa "bem-estar".

- Apareceu pela primeira vez escrita em dinamarquês no século 19 e, desde então, evoluiu para a ideia cultural que se conhece hoje em dia na Dinamarca.

Mas se o "hygge" não está restrito à Dinamarca, por que é tão difícil descrevê-lo sem pegar emprestada a palavra dinamarquesa?"

Alguns dinamarquesas de gerações mais velhas sentem que o "hygge" já não é mais o que era, que a ênfase na socialização se reduziu porque agora se considera que assistir a TV ou a um DVD sozinho é "hyggeligt".

Outros países e culturas têm expressões semelhantes.

Em alemão, há a "gemuetlichkeit", o sentimento de bem-estar baseado em boa comida, companhia e talvez uma bebida.

Mas os dinamarqueses insistem que o "hygge" é único.

A blogueira Anna Lea West propõe como definição de "hygge" como a "intimidade da alma".

Patrick Kingsley, autor do livro de viagens "How to Be Danish" (Como ser dinamarquês, em tradução livre do inglês), afirma que o "hygge" é uma ideia tão arraigada no sentimento de união dos dinamarqueses que para estrangeiros é muito difícil entender sua importância histórica e social.

Por sua vez, a tradutora dinamarquesa ToveMaren Stakkestad escreve: "'Hygge' não é para ser traduzido. É para ser sentido".