Escola moderna: três questões cruciais em debate
Quando se trata de educação no mundo moderno, geografia, língua e currículo podem variar, mas algumas questões são universais.
Entre elas, o debate em torno do uso de uniforme, da dose certa de lição de casa e da adoção do livro em vez do computador em sala de aula.
Saiba o que as experiências escolares em diversos países, pesquisas e estatísticas revelam sobre essas questões.
1 - Uniforme escolar: conveniência ou coerção?
O uso ou não de uniforme escolar pode revelar muito sobre a política de um país.
Na Inglaterra, ele foi adotado de forma mais ampla no século 16, durante o reinado de Henrique 8º. Consistia de um casaco longo de cor azul. Esse era o pigmento mais barato à disposição na época e seu uso entre estudantes simbolizava humildade.
Hoje, a maioria das escolas no Reino Unido exige que alunos usem uniforme. No entanto, o governo britânico determina que escolas considerem questões práticas e financeiras ao adotar o uniforme, e que pais, alunos e comunidade sejam consultados.
Na França, o uso de uniforme escolar deixou de ser obrigatório desde a década de 1960. E o uso de véus, lenços cobrindo a cabeça e turbantes, assim como o uso de "símbolos religiosos ostensivos" é proibido em escolas públicas.
Na Alemanha, uma proposta para que um único uniforme fosse adotado nacionalmente pelas escolas do país provocou ultraje em 2006. Muitos associaram a proposta ao regime nazista.
Em alguns países da América Latina, como Argentina e México, uniformes tendem a ser adotados principalmente por escolas particulares. Como resultado, seu uso adquiriu uma conotação de status educacional.
No Brasil, também não há uma política nacional sobre o uso do uniforme. Escolas da rede particular tendem a não adotá-lo. Na rede estadual, o uniforme é oferecido aos pais, mas seu uso não é obrigatório. Na rede municipal, cabe ao município decidir se alunos devem, ou não, usar uniforme.
O uso de uniforme é obrigatório na maioria das escolas africanas. Em Gana, desde 2013, o governo vem distribuindo uniformes gratuitamente à população. Tendo sido adotados no período colonial, uniformes também são a norma na maior parte do território asiático.
Mas será que a adoção de uma indumentária padronizada é positiva para os estudantes? Muitos acreditam que regulamentos rigorosos quanto à indumentária ajudam a colocar as crianças em pé de igualdade socialmente, independentemente de seus sobrenomes ou situação financeira.
Outros pontos ressaltados pelos defensores do uniforme são que eles reforçam o sentimento de orgulho pela escola, aumentam a frequência e são um lembrete, sempre presente, das regras vigentes.
No campo oposto das opiniões, muitos dizem que códigos rígidos de indumentária cerceiam a individualidade e a liberdade de expressão. Também não são efetivos em prevenir intimidação e perseguição. E não conseguem "apagar" desigualdades sociais já que essas transcendem a forma como uma criança se veste, argumentam.
A educadora e psicóloga paulistana Ana Inoue, por sua vez, se posiciona mais ao centro: para ela, o uniforme traz mais vantagens do que desvantagens, mas é algo difícil de impor.
Integrante do Conselho Estadual de Educação de São Paulo e diretora da ONG Instituto Acaia, Inoue disse à BBC Brasil que, em atividades fora da escola, como uma visita ao zoológico, por exemplo, o uniforme deveria ser obrigatório porque facilita a identificação das crianças.
Outro papel importante do uniforme, ela disse, é tornar todos iguais. Ela reconhece que diferenças socioeconômicas não serão eliminadas pela roupa, mas explicou que não é essa a ideia. "O objetivo não é dissimular as diferenças sociais, mas passar a mensagem de que, no contexto da escola, todos são iguais. Todo mundo aqui é aluno e será tratado de maneira igual", disse Inoue.
2 - Livros, folhas avulsas ou tablets?
Em muitos países, o livro escolar vem, há vários anos, coexistindo ou sendo substituído por folhas avulsas impressas em copiadoras contendo textos e exercícios. A revolução digital representa uma ameaça adicional ao antigo livro impresso, disponibilizando conteúdos da internet, por meio de computadores, nas salas de aula - em países "conectados", claro.
A relação entre livro escolar e desempenho acadêmico não é clara. Nos últimos anos, no Reino Unido, folhas avulsas vêm tendo preferência em relação aos livros escolares. No entanto, em 2014, o governo britânico determinou que escolas no país voltassem a adotá-los, em meio a temores de que a não utilização de livros estaria colocando estudantes britânicos em desvantagem em relação a colegas de outros países, principalmente, da Ásia.
No entanto, um consultor britânico em educação declarou recentemente que livros escolares deveriam ser abolidos dentro dos próximos cinco anos. Segundo ele, os recursos que a era digital oferece estão tornando o livro escolar algo obsoleto.
Um estudo feito por Tim Oates, da agência Cambridge Assessment, da University of Cambridge, na Inglaterra, indica que países com bom desempenho em testes internacionais tendem a insistir no uso de livros escolares como base para o ensino.
A Coreia do Sul e a Finlândia estão entre os países com índices mais altos de distribuição de livros escolares - mais de 95% dos estudantes recebem livros, segundo estatísticas da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Os dois países também ocupam posição bem alta - quinta e sexta, respectivamente - na rodada mais recente de exames Pisa (sigla para Programa Internacional de Avaliação de Alunos), que comparou desempenhos de estudantes de 15 anos de idade em diversos países do mundo
Entretanto, a frente "antilivro" responde que ele gera pressão econômica adicional sobre os pais em escolas onde livros não são oferecidos gratuitamente. Além disso, eles são produzidos "em massa", sem levar em conta necessidades diferenciadas de crianças em salas de aula diversas. Além disso, argumenta esse grupo, o livro escolar não tem como competir com tablets e tecnologias do tipo quando se trata de permitir o acesso conteúdos atualizados, ou de acompanhar a maneira como crianças consumem informação hoje em dia.
No Brasil, escolas da rede particular optam por soluções diversas, que podem envolver o uso de apostilas criadas especificamente para atender seus currículos, livros didáticos e também tecnologias variadas. Na rede pública, o governo federal, Estados e municípios possuem programas de distribuição de tecnologias, incluindo tablets, para as escolas.
Mas há problemas. Para que a tecnologia seja bem utilizada, várias outras coisas também são necessárias, disse a educadora Ana Inoue: É preciso "ter rede elétrica compatível com o uso de tecnologia, ter banda larga, conteúdo bom (softwares, programas), professores que façam uso da tecnologia e um projeto de escola que inclua o uso desses recursos. E isso envolve, entre outras coisas, ter quem conserte e atualize os hardwares e softwares. Enfim, não é só uma questão de equipamento", disse Inoue. "Equivale a achar que se tiver lápis e papel, todo mundo se alfabetiza".
3 -Tempo livre: Quantos dias? E quanta lição de casa?
Dependendo de onde uma criança mora, ela pode ter até 75 dias letivos a mais no ano do que crianças de outros países. Na China, o ano escolar tem mais de 260 dias. No Japão, são 243 e, na Coreia do Sul, 220. Em Israel, Alemanha, Rússia e Zimbábue, o ano letivo tem 210 dias. Costa Rica, Bolívia e África do Sul têm os anos letivos mais curtos, com 180 dias ou menos.
A França também é conhecida por exigir menos dias de trabalho das crianças, dando a eles férias longas para evitar "estafa de sala de aula" - termo usado por um oficial do governo francês. Ainda assim, o tamanho do calendário escolar pode ser enganador. O dia escolar em escolas francesas está entre os mais longos do mundo ocidental. Ou seja, as crianças vão à escola menos vezes, mas ficam muito mais tempo lá - oito horas diárias.
No Brasil, a lei determina que escolas ofereçam uma carga horária anual de pelo menos 800 horas, distribuídas por no mínimo 200 dias de aula. Ou seja, alunos brasileiros devem ir à escola no mínimo 200 dias por ano e o dia escolar deve durar pelo menos quatro horas.
Mas... qual seria a carga horária ideal? As estatísticas mostram que os países com melhor desempenho em educação não são necessariamente os que exigem mais horas compulsórias de estudo de seus estudantes.
Segundo a OCDE, na Finlândia o total de horas de instrução compulsória por ano é 30% menor do que na França, país cujos estudantes têm desempenho médio nos rankings internacionais. No Brasil e no Quênia o dia escolar pode começar por volta das 7 da manhã; em muitas escolas australianas as aulas só começam por volta das 9.30.
E depois, ainda tem a lição de casa. Se fazer lição de casa é positivo para a criança ou se seria melhor que ela descansasse e brincasse após a aula são questões há muito tempo debatidas.
Um estudo recente da Brown University, em Rhode Island, Estados Unidos, concluiu que crianças pequenas fora do país têm muito mais lição de casa do que é recomendado por pedagogos americanos. Pesquisas sugerem que 10 minutos de lição de casa deveriam ser adicionados para cada ano escolar. Ou seja, se uma criança no terceiro ano do fundamental faria meia hora de lição de casa por dia, um aluno na sexta série faria uma hora.
Só que muitos países do leste europeu ou no leste asiático provavelmente achariam essa recomendação bem estranha. Meia hora de lição de casa é um quarto do que as crianças de lá fazem diariamente. Outros talvez ficassem aliviados. Estudos revelam também que tarefa escolar causa estresse em famílias quando os pais não se sentem capazes de ajudar suas crianças.
No Brasil, não há diretrizes quanto à quantidade de tarefa de casa - a decisão fica a cargo da escola e dos professores. "O objetivo da lição de casa é ver se o aluno vai saber fazer sozinho, sem a ajuda do professor, o que ele aprendeu na sala de aula", disse Ana Inoue. "Então, a questão a colocar é, quanto espaço você está abrindo para o aluno aplicar o conhecimento em outras situações".
"Não importa se está fazendo em casa. O que importa é que ele tenha um momento para consolidar sozinho o que aprendeu."
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