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Egito pode considerar crime o assédio sexual

04/08/2008 06h21

Em meio a inúmeros episódios envolvendo violência sexual no país, um órgão do governo egípcio propôs que o código penal passe a incluir o crime de assédio e aumente para cinco anos a pena mínima para estupro.

O Conselho Nacional para Mulheres, órgão presidido pela primeira-dama, Suzanne Mubarak, tem autoridade para propor mudanças na lei que afeta as mulheres.

O órgão sugere que o crime de assédio seja punível com o máximo de um ano de prisão e multa de 1.000 libras egípcias (cerca de R$ 300).

Atualmente não existe na lei definição de assédio sexual e os casos de estupro que recebem condenação podem ser punidos com apenas seis meses de prisão.

Números alarmantes
Um estudo divulgado em julho, conduzido pelo Centro Egípcio Para os Direitos das Mulheres (ECWR, na sigla em inglês) concluiu que 98% das estrangeiras no Egito e 83% das mulheres do país já sofreram algum tipo de abuso. Foram ouvidas duas mil pessoas entre homens e mulheres.

Cerca de dois terços dos homens entrevistados admitiram já ter assediado mulheres. Mais da metade (53%) responsabiliza as mulheres por terem provocado os incidentes, ao se vestirem ou se comportarem de forma considerada sedutora para os padrões conservadores da sociedade egípcia.

No entanto, a maior parte das vítimas são mulheres que se vestem dos pés à cabeça, deixando apenas o rosto e as mãos aparentes.

Como Mona Eltahawy, jornalista egípcia que mora em Nova York. Ela diz que, mesmo com o véu, enfrentou inúmeros episódios de assédio nas ruas do Cairo.

"Com o tempo, aprendi a me defender das mãos indesejáveis me tocando. Os fones de ouvido também ajudam a bloquear os insultos constantes, vindos mesmo de garotos que mal entraram na puberdade. Nunca pude contar com a polícia", diz ela.

Eltahawy rejeita como fantasiosa a justificativa de que as mulheres "atraem" o assédio e diz que essa corrente de pensamento seria um indicativo do "triste estado social atual do Egito".

Ela cita um pôster recente, de uma campanha contra a violência sexual liderada por um grupo religioso que mostra um doce coberto, para evitar a aproximação de moscas. A mensagem da campanha seria para que as mulheres evitem problemas se cobrindo ainda mais.

"Desde quando as egípcias viraram doces e os egípcios, moscas?", pergunta Eltahawy.

Receita explosiva
Analistas sociais apresentam teorias para explicar as razões. Uns apontam o alto grau de repressão sexual a que os egípcios são submetidos.

Ter relações sexuais é algo aceito apenas após o casamento, mas, nos últimos anos, os egípcios estão se casando cada vez mais tarde, por questões financeiras.

Tradicionalmente, o noivo egípcio tem que arcar com uma série de despesas bastante altas. Uma pesquisa recente calculou que os encargos equivalem a 43 salários integrais médios, quantia proibitiva.

Com o índice de desemprego entre jovens superando 20%, o número de egípcios se casando antes dos 30 anos de idade, comportamento padrão até a geração passada, vem diminuindo e hoje já são menos de 50%.

Ao mesmo tempo em que se vêem impossibilitados de ter uma vida sexual, os jovens do país estão tendo cada vez mais acesso, com a popularização da internet e canais por satélite, a sites e programas com conteúdo altamente sexualizado.

O resultado, segundo alguns, é explosivo. Uma erupção recente ocorreu no último dia 27, após uma partida de futebol no Cairo. Grupos de torcedores tomaram as ruas de um bairro central da capital e as comemorações se transformaram em "arrastões", perseguindo grupos de mulheres.

Várias buscaram refúgios em lojas, sendo defendidas da turba por lojistas armados de pedaços de pau. O comportamento da multidão, entretanto, foi defendido por uma balconista de uma loja local, que testemunhou os incidentes.

"Essas coisas acontecem, as meninas que apanharam foram aquelas usando roupas que as destacavam. Existem limites subentendidos", disse Fatel Abdel Moniam ao jornal local Daily News Egypt.