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Vídeo de mulher dançando acende debate feminista no Egito

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Imagem: iStock

13/01/2022 13h22

O vídeo de uma mulher de véu dançando durante um passeio de barco, divulgado nas redes sociais sem seu consentimento até se tornar viral, abalou sua vida pessoal e provocou um debate entre autoridades e ativistas feministas sobre os direitos das mulheres no Egito.

Aya Yussef, professora de árabe há três anos em uma escola primária em Mansura, ao norte do Cairo, nunca pensou que seria notícia no país árabe mais populoso.

No entanto, a polêmica explodiu quando ela dançou com colegas - homens e mulheres - durante uma viagem de lazer em um barco no Nilo.

O vídeo, gravado por um dos participantes e postado nas redes sociais, foi visto milhões de vezes com uma enxurrada de comentários depreciativos.

"Vulgar", disseram alguns, "violação da ética docente", acrescentaram outros. Os comentários também apontavam para o marido, por ter autorizado o comportamento.

O marido, magoado com as opiniões desses estranhos, pediu e obteve imediatamente o divórcio da mãe de seus três filhos.

O próprio ministério da Educação assumiu o caso, ordenando que Yussef e cinco de seus colegas fossem encaminhados a um conselho disciplinar.

Divórcio e difamação

Nas redes sociais, porém, algumas vozes denunciaram um vídeo gravado e publicado sem o consentimento da mulher.

Essa é a raiz do escândalo, em um país como o Egito, conhecido há décadas por seu cinema e sua música árabe. Seus cabarés fizeram sonhar pessoas de Rabat a Aden e em seus casamentos e festas, todos dançam.

Mas a disseminação de uma visão rigorosa do Islã desde a década de 1970, as tradições conservadoras de uma sociedade estagnada e os ataques aos direitos das mulheres cercaram de tabus e críticas práticas aceitas no privado, mas denunciadas em público.

A própria Yussef demorou a aceitar falar publicamente e finalmente disse à mídia local que a cena filmada era "normal".

"Estávamos em um passeio de barco no fim de semana, muita gente dançou, não só eu", repetiu. Ela também prometeu processar quem publicou o vídeo, considerando-o uma "difamação".

Mas o estrago já estava feito: a jovem mãe, em um país onde os maridos geralmente ganham a guarda, viu seus filhos se afastarem e seu casamento desmoronar.

No Twitter, a atriz Haidi Karam denunciou "uma história descabida para a qual todos se calam".

A atriz Sumaya al-Jashab denunciou o tratamento desigual: "Por que os maridos não apoiam suas esposas quando tantas mulheres não abandonam seus maridos quando eles vão para a cadeia, por exemplo, ou quando perdem todo o dinheiro?"

"Leis para dançar"

Em um vídeo postado no Facebook, a advogada Nihad Abu al-Qumsan, diretora do Centro Egípcio pelos Direitos das Mulheres, chegou a propor contratar Yussef para seu escritório de advocacia.

O Ministério da Educação, cada vez mais criticado, acabou reintegrando a professora.

Mas a advogada não parou por aí. "Vamos à Justiça para saber se o infrator é quem postou o vídeo na internet ou quem dançou", prometeu.

"E o tribunal também poderá nos dizer quais são as leis para dançar", disse ironicamente.

"Para que possamos dizer às mulheres (...) as regras a seguir para permanecer dentro da estrutura legal da dança e evitar danças obscenas", acrescentou.

Não é a primeira vez que esse tipo de vídeo provoca tragédia no Egito. Em 23 de dezembro, uma estudante de 17 anos cometeu suicídio depois que uma fotomontagem mostrando-a nua foi postada online, de acordo com a mídia local.

Em julho de 2021, duas 'influencers' foram condenadas a seis e dez anos de prisão por "corrupção da vida familiar" e "incitação à devassidão", após postarem vídeos nos aplicativos TikTok e Likee.