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O 'ouro vermelho' do açafrão em risco nas mãos de mulheres no Afeganistão dos talibãs

A Pashton Zarghon Saffron Women produz e exporta o açafrão colhido por mais de mil mulheres - Getty Images
A Pashton Zarghon Saffron Women produz e exporta o açafrão colhido por mais de mil mulheres Imagem: Getty Images

Da AFP em Herat, no Afeganistão

27/09/2021 15h22

"Não vamos ficar sentadas em casa". Em Herat, uma empresária que produz açafrão com mão de obra quase exclusivamente feminina quer se fazer ouvir pelo Talibã, cuja volta ao poder ameaça o trabalho das mulheres no Afeganistão.

"Vamos levantar nossas vozes de forma que sejam ouvidas", avisa Shafiqeh Attai, que iniciou seu negócio nesta grande cidade do oeste do Afeganistão em 2007.

A Pashton Zarghon Saffron Women produz, processa, condiciona e exporta o açafrão colhido por mais de mil mulheres. A cada ano, vende entre 200 e 500 quilos da especiaria mais cara do mundo, que pode ser comprada por mais de US $ 5.000 (4.300 euros) o quilo.

O dinheiro do açafrão é uma bênção para essas mulheres rurais.

"Nas aldeias, as mulheres afegãs enfrentam muitos problemas devido ao analfabetismo e às doenças", explica. Geralmente, "não têm escolha a não ser cuidar do trabalho doméstico".

Mas o dinheiro do "ouro vermelho" está em perigo. Um mês após seu retorno ao poder, o Talibã ainda não anunciou oficialmente o futuro das mulheres trabalhadoras.

Vários líderes do movimento islâmico declararam nas últimas semanas que as mulheres devem ficar em casa por enquanto, para sua segurança, e disseram que logo poderão trabalhar, separadas dos homens. Não deram datas.

'Confinadas'

Em Herat, uma investigação da ONG Human Rights Watch (HRW) publicada na quinta-feira afirma que as mulheres "estão confinadas em casa" e que aquelas que ousam sair sofrem "perseguições e abusos por parte do Talibã".

Nas ruas desta cidade comercial, muitos combatentes exigem que estejam acompanhadas por um homem, como durante o primeiro governo islâmico (1996-2001), ao contrário do que afirma o governo islamita, segundo a HRW.

Nessas circunstâncias, trabalhar é quase impossível. Algumas mulheres "estão sozinhas e sem um tutor", diz Shafiqeh Attai preocupada, que teme "perder vinte anos de trabalho duro".

Na câmara de comércio de Herat, perto da fronteira com o Irã e o Turcomenistão, a incerteza também reina.

Seu diretor, Yunes Qazizadeh, quer que o novo regime revele o destino que reserva às mulheres.

"Algumas áreas do comércio no Afeganistão eram administradas apenas por mulheres", especialmente no setor de alimentos e têxteis, disse ele à AFP.

Apoio ao setor

O caso da Pashton Zarghon Saffron Women é interessante porque, além de empregar quase apenas mulheres, desenvolve uma atividade de grande potencial que recebeu ajuda de doadores internacionais no regime anterior.

Por muito tempo, os agricultores afegãos foram encorajados a se converterem ao "ouro vermelho" para conter o cultivo de ópio em um país que produz 90% das safras de ópio do mundo, que são extraídas da papoula.

Sem muito sucesso, pois em 2018 a área dedicada ao açafrão era quarenta vezes menor que a da papoula.

O Talibã se financiou em grande parte durante sua insurgência de 20 anos com dinheiro do ópio, do qual vem a heroína.

Em meados de agosto, o movimento disse que queria fazer do Afeganistão "um país sem narcóticos" e que "precisava de ajuda internacional" para fornecer renda ou substitutos de safras aos agricultores.

Por enquanto, os doadores estão relutantes em financiar seu regime.

Attai ainda está em seu posto e não perdeu totalmente as esperanças. "Eu também poderia ter partido. Mas não o fiz por causa de todo o trabalho árduo e esforço que colocamos", explica.

"Não sou só eu, todas essas mulheres que têm esperança em mim".

"Não acho que eles vão nos impedir de trabalhar, porque somos uma empresa totalmente dirigida por mulheres e que emprega mulheres", diz. "Nem um único homem é corajoso o suficiente para acabar com isso."