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Haylee Rucker, a jovem americana que luta para existir

Kerem Yucel/AFP
Imagem: Kerem Yucel/AFP

Em Eveleth (EUA)

13/02/2020 11h18

Em um pequeno povoado rural de Minnesota vive a jovem Haylee Ann Rucker, de 19 anos, que não tem carteira de motorista, passaporte, nem seguro social, motivo pelo qual ela não existe legalmente - embora pareça que esta situação vai mudar.

Sua vida é uma história absurda de rocambolescas idas e vindas administrativas envolvendo dois estados, o Governo federal e um hospital que não emitiu a certidão de seu nascimento. Sem este documento, ela não pode ter um número de seguridade social.

"Me afetou realmente quando completei 16 anos e não consegui tirar a carteira de motorista, como todo mundo", contou.

Quando a AFP se reuniu com Haylee em meados de janeiro, em Eveleth, uma localidade de 3.700 habitantes, ela trabalhava como assistente da esposa do prefeito, então prostrada em uma cama. Evidentemente, trabalhava em condição irregular.

O prefeito Robert Vlaisavljevich classifica a situação de "a mais louca" que ele já viu.

Haylee Rucker foi uma estudante de Ensino Médio com bom desempenho e quer ser enfermeira, mas, sem documento de identidade, não pode se inscrever na universidade.

"Ou seja, não posso fazer nada. Estou paralisada", afirmou, com uma imensa frustração.

"É minha filha"

O calvário começou na noite de uma quinta-feira de dezembro de de 2000, em um hospital da periferia de Los Angeles.

April Booth, de 56 anos, mãe de Haylee, foi ao hospital dar à luz, mas as enfermeiras lhe disseram para voltar quando suas contrações fossem mais frequentes.

Ela não conseguiu retornar a tempo, porém, e sua filha nasceu em casa, com a ajuda do pai. Depois, chegou uma ambulância e levou as duas para o hospital.

O pai da recém-nascida não quis, porém, assinar papel algum - talvez para evitar ter de pagar taxas. E, sem sua assinatura, não houve testemunhas do nascimento, motivo pelo qual o hospital não deu continuidade ao procedimento habitual para emitir uma certidão de nascimento.

Naquele momento, April não se preocupou com as formalidades burocráticas, e o pai se foi.

Anos mais tarde, quando ia enviar sua declaração de impostos, April Booth se deu conta de que não podia colocar a filha como dependente, porque a pequena não tinha número de Seguro Social. À época, moravam em Minnesota.

Em 2009, solicitou um número de Seguro Social para Haylee, o que foi recusado, por não ter certidão de nascimento.

Os assistentes sociais ajudaram Booth a obter um teste de paternidade, comprovando a identidade do pai de Rucker.

O hospital certificou que Booth deu entrada neste estabelecimento em dezembro de 2000 e que havia uma fatura da ambulância e registros médicos.

Booth estende todos os papéis sobre uma mesa em sua casa, incluindo a cópia de uma ultrassonografia. "No início, achei que talvez pudessem pensar que eu a tinha roubado", explica. "Mas tenho documentação suficiente para provar que é minha", completou.

E não deixa de ver com ironia seu trabalho em um call center que tem o Partido Democrata como cliente, onde faz, com frequência, pesquisas sobre a regularização daqueles que se encontram em situação ilegal nos Estados Unidos.

"Não cruzei uma fronteira escondida num caminhão. Não a escondi como um passageiro clandestino", insiste.

"Eu a tive nos Estados Unidos e nunca saí do país. Sou uma cidadã americana. E não consigo legalizar a situação dela", lamentou.

Começar a viver

Em 2018, graças a um amigo, conseguiu um advogado que não cobrou para tratar do seu caso. Durante meses, não houve avanços.

Como Haylee Rucker não nasceu em Minnesota, onde vive hoje, e não vive na Califórnia, onde nasceu, ambos os estados se acusam mutuamente, explicou seu advogado, Bryan Lyndsay.

"Está presa entre duas jurisdições e, devido a seu status em ambas, nenhuma está de todo preparada para ajudá-la", acrescentou.

O caso de Haylee Rucker não é o primeiro.

Em 2014, Alecia Pennington fez um apelo no YouTube para conseguir documentação. O plano funcionou. Meses depois, o estado do Texas interveio, e Alecia obteve uma certidão de nascimento e, com isso, sua carteira de identidade.

A situação de Rucker mudou, graças a "pessoas importantes" que intercederam em seu nome. No final de dezembro, Vlaisavljevich ligou para o gabinete de Amy Klobuchar, uma das duas senadoras de Minnesota e pré-candidata à Presidência pelo Partido Democrata.

Procurada pela AFP há três semanas, seu gabinete reconheceu ter intercedido em nome de Rucker na administração da Seguridade Social federal, e uma nova reunião foi agendada.

Na semana passada, funcionários do estado da Califórnia ligaram para o advogado de Rucker por uma "emergência". Pediram a ele que voltasse a apresentar a solicitação de registro de nascimento - algo que já havia feito em 2018.

Na quarta-feira (12), Rucker recebeu um envelope importante.

"Acabo de voltar do escritório do meu advogado e tenho, nas mãos, o registro de nascimento com retraso", contou, feliz, à AFP.

Na sexta, ela irá à agência da Seguridade Social para solicitar seu número. Depois disso, vai-se inscrever para uma vaga em uma escola de enfermagem.

"Finalmente posso começar a viver minha vida", celebrou.