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Repúdio de eleitoras não consegue deter avanço de Bolsonaro

Jair Bolsonaro - Reprodução
Jair Bolsonaro Imagem: Reprodução

Da AFP, no Rio de Janeiro

19/10/2018 14h57

Elas eram o ponto fraco de Bolsonaro. Mas o repúdio de milhões de eleitoras a um candidato misógino foi perdendo força e hoje parece insuficiente para impedir que o ex-capitão do Exército seja eleito presidente da República.

Militar da reserva e deputado federal, Bolsonaro, que disputa o Planalto pelo PSL, fez em várias ocasiões declarações degradantes dirigidas às mulheres, que representam 52% dos 147 milhões de eleitores.

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À deputada Maria do Rosário (PT-RS) disse "não te estupro porque você não merece", chamou uma repórter de "idiota e ignorante" e declarou que Laura, sua filha caçula, a única menina entre quatro filhos homens, teria sido fruto de uma "fraquejada". Como se fosse pouco, justificou que as mulheres ganhem menos que os homens no mercado de trabalho porque engravidam.

Mas depois do primeiro turno, em 7 de outubro, o ex-paraquedista iniciou uma campanha de sedução, tirou selfies com mulheres, difundiu um vídeo afetuoso com a filha e, sobretudo, prometeu fazer um governo justo para todos e todas.

Uma semana antes, no fim de setembro, centenas de milhares de mulheres foram às ruas de 60 cidades do País, reunidas sob o lema "Ele Não!", demonstrando a rejeição visceral contra um candidato que, afirmavam, não as representava.

Surgido na Bahia, o movimento 'Mulheres unidas contra Bolsonaro' alcançou 3,8 milhões de membros, popularizando-se no Facebook rapidamente. Sua força inicial parecia capaz, inclusive, de arrastar camadas inteiras da sociedade para fazer frente ao candidato da extrema direita.


Mas o contra-ataque não tardou.

Após agressão a uma das administradoras do movimento e a invasão por hackers da conta do coletivo no Facebook, os partidários de Bolsonaro puseram todo o seu empenho em desacreditar as marchas, difundido montagens com fotos de mulheres nuas tiradas na Austrália há 17 anos como se tivessem sido tiradas durante os protestos no Brasil.

Também organizaram contramanifestações das 'Mulheres por Bolsonaro', enquanto os pastores das poderosas igrejas evangélicas reforçavam seu apoio ao candidato do Partido Social Liberal, lembrando às suas seguidoras a importância dos valores conservadores.

A maré humana que aderiu ao "Ele Não!" não impediu que Bolsonaro vencesse o primeiro turno, quase liquidando a fatura eleitoral com contundentes 46% dos votos, contra 29% para Fernando Haddad, do PT.

"Ninguém pode medir o impacto da mobilização das mulheres nesta eleição", disse à AFP a antropóloga Debora Diniz, cofundadora do instituto Anis, de defesa dos direitos das mulheres na América Latina. "Mas foi um sinal claro da resistência que (as mulheres) vão fazer a Bolsonaro".

O primeiro turno revelou uma divergência entre o voto masculino e o feminino, algo incomum no país.

De acordo com a mais recente pesquisa do Ibope, no segundo turno, em 28 de outubro, 58% dos homens devem votar em Bolsonaro, que seria apoiado por 46% das mulheres.

Família tradicional

Mas "com 50 milhões de votos" no primeiro turno, "não podemos dizer que as mulheres não votaram em Bolsonaro", destaca Erika Campelo, copresidente da associação Autres Brésils.

O candidato que se diz católico, defensor da família tradicional, contrário ao aborto, ao planejamento familiar e à igualdade de salários entre homens e mulheres, pensa que todas as mulheres deveriam ser mães.

"Não estamos voltando para os anos 1960-70 da ditadura, mas para o final do século XIX", assegura Debora Diniz. "Sua concepção de família é a da minha bisavó".

Se Bolsonaro for eleito, continua a antropóloga, "segundo o que disse em 27 anos [como deputado], proibirá o aborto em todos os casos: inclusive para salvar a vida de uma mulher, em caso de estupro ou de anencefalia" do feto, o que a legislação atual permite.

Apesar de tudo, Jair Bolsonaro tem o apoio de milhões de mulheres.

Algumas, inclusive, deram uma guinada de 180 graus, como a ex-integrante do coletivo feminista Femen Sara Winter (DEM-RJ), que se diz muito satisfeita ao ver que o capitão quer "armar as mulheres" para sua autodefesa, "aumentar as penas dos estupradores e instaurar a castração química".

Encontramos em seu eleitorado "mulheres de todas as categorias sociais, mas sobretudo das classes abastadas, das classes médias altas", conta Erika Campelo.

Também há "mulheres mais vulneráveis com prioridades específicas", como as que dizem sentir medo de serem mortas se saírem de casa em um país que registrou 63.880 homicídios em 2017.

"Então, chega Bolsonaro com sua voz de macho e diz a elas: 'Eu vou te proteger'", explica Diniz.

Finalmente, votam nele aquelas que são ferozmente contrárias ao Partido dos Trabalhadores (PT, esquerda), representado nestas eleições por Haddad, afilhado político do ex-presidente Lula, preso por corrupção.

"Para estas mulheres, votar contra o PT é muito mais importante do que tudo Bolsonaro possa dizer", afirma Débora Diniz.

Os ataques contra quem se opõe à onda conservadora se multiplicaram durante a campanha. A própria Débora Diniz, uma militante favorável à descriminalização do aborto, vive sob proteção policial desde junho.

Ela diz ter recebido "muito mais ameaças com o clima polarizado desta eleição".