Ela nos joga no Google

Monica de Carvalho, diretora de negócios do Google, faz surgir na tela aquele produto que você pesquisou antes

Camila Brandalise da Universa
Marcelo Justo/Universa

Sabe quando você procura um produto na internet e, depois, para o resto da existência, ele aparece pipocando na tela do computador ou do celular? Isso é fruto de uma mega inteligência digital, construída com base em cruzamentos de dados feitos por sites que estudam os seus hábitos de consumo e de pesquisa na internet. Pois bem, o Google faz esses cruzamentos e, em posse de um dos maiores arsenais de informações de usuários, faz com que a publicidade do produto que você procura apareça na sua tela. Por trás dessa e de outras estratégias de marketing digital está a diretora de negócios do Google Brasil, a paulistana Monica de Carvalho.

Monica trabalhou 25 anos em duas agências gigantes da publicidade, a Salles e a DM9DDB. Lá, começou a estudar e desenvolver técnicas para encontrar os melhores meios para vender determinados produtos. Por causa da guinada mundial para o universo digital, esses estudos foram direcionando a publicitária para a venda na internet. Quatro anos atrás, a maior empresa de tecnologia do mundo, a americana Google, trouxe Monica, então uma expert no assunto, para os seus quadros no Brasil. 

Afora os percalços clássicos da construção da carreira de um chefão ou de uma chefona, Monica ainda passou por tristezas enormes: a perda de dois bebês, em duas gestações bastante avançadas. Hoje, com 50 anos, casada e mãe de um casal de filhos, ela vê que trabalhar feito uma doida, estudar e apostar na mudança de carreira foi o combo que encontrou para, de um lado, aguentar a dor e, de outro, ascender a um cargo de chefia.

Nesta entrevista à Universa, ela dá os detalhes desse caminho. 

O que faz como diretora de negócios do Google Brasil?
Meu trabalho é vender soluções de mídia, comunicação e tecnologia às empresas, ajudar os clientes a terem melhores resultados de negócio a partir do que o Google oferece. Explicando o que é solução: quando você está comprando um livro na Amazon, por exemplo, aparecem sugestões de outros livros na tela. Essas sugestões têm a ver com o seu comportamento na internet, os sites que acessa e as pesquisas que faz. Existe um trabalho de inteligência digital, de cruzamento de dados por trás disso. A minha função é, em posse dessa inteligência - que o Google desenvolve - e das plataformas que temos, criar estratégias de publicidade para empresas que são nossas clientes conseguirem os melhores resultados de negócios. Também oferecemos consultoria de produtos como o Analytics, que avalia o comportamento dos consumidores no site das marcas.

Pode falar de uma dessas soluções que criou?
Uma das que mais me orgulho é a Blast. Ela opera assim: uma empresa nos contrata e, por um dia ou pelo tempo que acordarmos, a publicidade dessa empresa vai aparecer em todas as plataformas digitais do Google; pode ser no começo de um vídeo no YouTube ou como banner nos sites que o usuário acessa. Chama-se Blast porque é um envio maciço da propaganda. Minha equipe que criou e hoje ela é usada na Tailândia, nos Estados Unidos e no Canadá.

Você trabalhou por 25 anos em duas grandes agências de publicidade, a Salles e a DM9DDB, e, há quatro, está no Google como diretora de negócios. O que aprendeu na publicidade que a ajudou a chegar onde está?
Desde o meu primeiro emprego, um estágio não remunerado na Salles, trabalho com análise de dados e pesquisa de mídia. Consegui ali a base técnica para encontrar os melhores meios para vender determinados produtos. Aprendi a perseguir mais resultados de negócios, ou seja, a fazer as estratégias de publicidade se refletirem nas vendas. Em 2004, fui para a DM9DDB fazendo o mesmo tipo de trabalho e, com uma equipe incrível, tivemos bons resultados de aumento de vendas. 

Cuidava de contas grandes, como Johnson & Johnson, Ambev, Itaú e Vivo. Aprendi muito sobre gestão de pessoas porque chefiei várias equipes.

O que motivou sua mudança para uma empresa de tecnologia?
Basicamente, a reformulação do mercado, que está se voltando para o digital. Antes de eu sair da DM9DDB, já havia uma paquera com o Google. É uma empresa que tem a ver com os meus valores, de pensar em negócios e levar resultados aos clientes. Mas é preciso dizer que, no começo, me senti muito insegura. Fui a primeira diretora de fora do Google a ser contratada. Os outros diretores tinham sido promovidos aqui de dentro.

O conhecimento que precisei absorver sobre o funcionamento do Google foi imenso. Achei que não ia dar conta.

Quais foram suas estratégias para, enfim, dar conta?
Estabeleci que não ia tentar aprender tudo de uma vez. Priorizei absorver só o que tivesse a ver diretamente com o meu trabalho. E comecei a estudar sozinha, ler sobre os produtos e serviços oferecidos pela empresa que eram os mais importantes da minha área. A empresa tem links com explicações sobre os produtos e, até hoje, recorro a eles. 

Na sua experiência, mostrar fraqueza ajuda ou atrapalha?
Ajuda, porque quando você admite suas fraquezas, tem a chance de mudar. Quando entrei aqui, pedia para as pessoas me explicarem várias vezes as mesmas coisas. O caminho é assumir. Minha maior fraqueza é o inglês, e olha que eu trabalho em uma empresa global. Entendi que ele não é o melhor, e nem será, mas continuo tentando aperfeiçoá-lo.

Liderar é um comportamento natural para você ou precisou desenvolvê-lo?
Vem dos meus valores e dos cursos que fiz. Minha mãe não estudou, mas me dizia o tempo todo que eu deveria trabalhar, ser independente e uma boa profissional. Levei isso muito a sério. Também gosto de resolver problemas, de encontrar soluções. Ao mesmo tempo, estudei muito. Fiz cursos de liderança de pessoas e de estratégia de negociação. Esse último, no Insper, em São Paulo, me ajudou a entender que, para ser uma boa chefe, preciso saber o que é melhor para as pessoas da minha equipe, e não só para mim.

Para ser uma boa chefe é preciso vestir 100% a camisa da empresa?
Sim. Sempre trabalhei como se fosse a dona da empresa. Quero entender como o negócio funciona no geral. Mas há outros pontos importantes: aprendi que liderar não é, necessariamente, ter poder. Na verdade, é quase que abrir mão dele.

Um líder, para brilhar, precisa e quer que o time brilhe. Tive exemplos de chefes, todos homens, aliás, que não foram bons justamente porque queriam ser diretores só pelo status do cargo.

Você já duvidou da sua capacidade?
Duvidei. Quando voltei ao trabalho depois da minha segunda gravidez. Foi difícil conciliar carreira e maternidade, as duas coisas que eu amava. Chegava em casa do trabalho, meu filho recém-nascido já estava dormindo, e eu sentava ao lado do berço e chorava. Eu me perguntava: “Será que estou sendo boa profissional? E boa mãe?”. Cheguei a ouvir de uma colega que eu era “muito ambiciosa” por querer ter uma família ao mesmo tempo que me dedicava tanto ao trabalho.

O que fez para conseguir resolver esse drama?
Tinha uma equipe em casa. Mesmo assim, meu filho mais novo teve um problema de refluxo e eu acordava de duas em duas horas, até os quatro anos dele. 

Chegava para trabalhar acabada, mas mesmo assim, continuei segurando as pontas dos dois lados. E tive sempre retorno positivo das empresas.

Qual foi a parte mais dura da maternidade, nessa carreira ascendente?
Eu perdi duas filhas. Na primeira vez que engravidei, aos 25 anos, perdi uma filha com oito meses de gestação. Foi um trauma. Depois, tentei de novo, fiz tratamento hormonal, e era frustrante, porque demorou quatro anos para eu engravidar da Carolina, que hoje tem 21 anos. Em 2001, engravidei novamente e o bebê também morreu, com seis meses. Quatro anos depois, tive o Caio, que está com 13 anos. Nessas duas perdas, as empresas onde eu trabalhava me deram o tempo que eu achei necessário de afastamento. E em ambos os casos, não demorei a voltar, porque achei importante focar minha mente em outro ponto. Mas foi muito dolorido. Na primeira vez que perdi o bebê, fui a um médico que disse que eu deveria esperar um mês para o corpo expelir a criança. Depois, fui em outro que induziu o parto. Como minha filha morreu com oito meses, já tinha tudo pronto para recebê-la. Fui então a um hospital público e pedi para doarem o enxoval para a mulher mais pobre que estivesse lá dando à luz. Da segunda vez, foi mais traumático; afinal, aconteceu de novo. Descobri que minha imunidade baixava muito durante a gravidez e, nessa segunda gestação, eu havia pegado um vírus que foi fatal para a criança. Nesta época, eu estava na Salles e decidi aceitar o convite da DM9DDB.

Quais foram seus principais erros como chefe?
Tem um caso que aconteceu e parece simples, mas me ensinou muito. Promovi uma pessoa, depois de um corte grande de funcionários. Pedi a ela que não contasse para ninguém e ela fechou a cara. Perguntei por que, e ela disse que era um momento de orgulho para ela, e eu a privei de vivê-lo. Primeiro achei infantil, mas depois entendi que deveria ter agido diferente. Percebi que, para ser uma boa líder, preciso ouvir as pessoas e respeitar suas necessidades.

Na sua área, que vantagens uma chefe mulher leva?
Tenho um comportamento bem de mãe. Cuido da equipe e dou conselhos para que não se frustrem tanto. Funciona, porque tenho experiência, falo o que faço com eles e o que queria que tivessem feito comigo. Mas preciso dizer que também conheço homens sensíveis. E outros, muito machistas. Quando virei diretora de mídia, percebi que, como única mulher nas mesas de negociação, era interrompida e não ouvida. Mudei meu comportamento.

Passei a ser mais assertiva e falar palavrão. Entendi o cenário e me articulei para ser ouvida. Funcionou; consegui me impor.

Você joga seu nome no Google?
Faço isso sempre. Quero saber o que estão falando de mim. E o que mais aparece são coisas antigas, de quando eu trabalhava em agências: prêmios que recebi, notícias sobre campanhas que fiz. E isso tem uma razão. Quando estava no mercado publicitário, era o meu nome que ficava em evidência. Aqui no Google, minha situação é outra; não sou eu que estou em evidência, meu time aparece muito mais do que eu.

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