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Xan Ravelli

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Em meio a uma pandemia, precisamos proteger a inocência de nossas crianças

Xan Ravelli com os filhos Jade e Rael  - arquivo pessoal
Xan Ravelli com os filhos Jade e Rael Imagem: arquivo pessoal

Colunista de Universa

21/03/2021 13h34

Como explicar esse apocalipse chamado pandemia de covid-19 no Brasil para crianças? Foi tudo que pensei durante essa semana quando as perguntas vieram com uma frequência e profundidade assustadoras partindo de pequenos de 6 e 9 anos, fase em que a consciência trabalha na percepção e entendimento do mundo a fim de entender a sociedade que nos rodeia e como ela se organiza - tadinhes! Mal sabem que esse processo dura uma vida e na maioria das vezes não se conclui.

Por que tem gente viajando? Por que aquele cara está sem máscara? Porque não vamos mais pra escola? Na Espanha já tem vacina porque aqui não tem? Quem pode ajudar essas pessoas que estão morrendo? Quem vai cuidar das crianças que perderam os pais e avós? Por que a polícia quer prender o padre que dá comida pros mais pobres? O que as pessoas que defendem Bolsonaro dizem?..."

Não é dever dos nossos pequenos entender o quanto perguntas como estas afetam seus cuidadores, que além das ansiedade e as angustias que esse momento traz por si ainda tem demandas com trabalho, mercado financeiro, preços, enfim, é respirar e seguir porque os adultos da história somos nós, mesmo que nossa vontade seja pedir colo e tomar uma mamadeira de leite quente no colo da nossa mãe, ou passar horas na cama olhando pro nada em posição fetal. Ainda bem que para esses momentos de maior desespero temos cerveja, cachaça, meditação e vários palavrões.

Lembro bem da cerimônia do Oscar de 1999, assim como muitos brasileiros amantes de cinema eu assistia e torcia pela diva Fernanda Montenegro, depois da cerimônia me comportei como uma boa perdedora e procurei pelo título "A vida é bela" na minha locadora favorita. Aquela história me extasiou! Eu chorei, me emocionei e sorri com aquelas personagens.

Semana passada, depois de uma provocação no Twitter, fui rever esse filme por pura curiosidade, sem pensar na dimensão do buraco que me faria essa história vista agora sob um novo ponto de vista bem diferente de uma adolescente de 18 anos que viu o filme pela primeira vez.

Agora - como mãe de 2 crianças no pior lugar do mundo para se estar durante a maior pandemia dos últimos cem anos - assistir a história de um pai de família judeu na Itália dos anos 30 em pleno holocausto que o levou a um campo de concentração junto com seu filho e esposa caiu como uma pedra no meu estômago.

Foi difícil respirar assistindo Guido inventar uma gincana imaginária porque preservar a inocência do seu pequeno enquanto a barbárie do fascismo vai crescendo é prioridade daquele homem que sabe que vai morrer. Chorei novamente e chorei soluçado. Ri, e o riso saiu da profundeza daquele lugar de onde sai a alma e o desejo de esperança mais profundo que as vezes é tudo que nos move.

Eu lembrei porque aqui em casa só falamos sobre racismo com as crianças quando o questionamento vem deles, porque optamos em priorizar o fortalecimento da autoestima, a identidade, o afeto e a doçura nas convivências. Lembrar desse filme durante essa semana tão dura, tão cheia de questionamentos sem respostas simples me fez lembrar porque a um ano atrás blindávamos nossas crianças do jornalismo televisivo e outras notícias: é preciso proteger a inocência! É preciso proteger a infância!

Ela dura tão pouco! É tão rara... e eu não estou falando em alienar os pequenos, estou dizendo que por aqui optamos por traduzir respostas tão complexas e cheias de nuances de uma forma que eles consigam entender a real do que está acontecendo sem precisarem ser bombardeados de notícias, número de mortos, descaso governamental e possíveis consequências econômicas que esses momentos vão trazer.

Hoje já sabemos o quanto o excesso de informação prejudica adultos já plenos do desenvolvimento de todas as funções cognitivas, imagina as consequências de expor crianças a certos discursos, certas cenas e vê-los enxergar o olhar de revolta e exclamações de seus pais. Eu quero que Jade e Rael se preocupem com o homeschooling, com as fases dos novos jogos de videogame, em escolher tema para a festinha de sábado a noite, que se preocupem com o cachorro, com as plantas da nossa corrida de girassóis, com lápis de cor, cola e livros.

Tá fod@, as crianças sabem, as crianças sentem... Agora me digam o quanto elas precisam se aprofundar nessas dores que ainda não conseguem traduzir em questões? Será que não basta responder as perguntas infantis de uma forma compreensível e generosa? Como está nossa capacidade de apontar beleza, fantasia e criatividade num momento obscuro e exterminador pelo bem viver das nossas crianças?

Uma coisa é certa: no futuro irão perguntar de que lado você estava. Eu espero poder responder que sempre estive do lado da vida, da proteção, do cuidado, do afeto e de quem acredita que a vida pode ser bela.