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Xan Ravelli

Apesar das dificuldades, deixe que a primavera preencha seu coração de amor

Xan Ravelli - Arquivo pessoal
Xan Ravelli Imagem: Arquivo pessoal

Colunista do UOL

04/10/2020 04h00

Em "Someone who watch over me", George Gershwin diz: 'Há um velho ditado diz que o amor é cego / Mesmo assim nos dizem: Quem procura acha...". Em meio a queimadas, discursos mentirosos na ONU e o sofrimento da pandemia, chega essa primavera repleta de calor e junto dela essa minha vontade pisciana e incontrolável de falar de amor nos momentos mais improváveis.

Eu aprendi ainda muito cedo que o amor da forma como via nos desenhos e propagandas de TV não era para mim. Enquanto a mocinha era cortejada, seus cabelos elogiados, enquanto a princesa era resgatada do castelo, eu na escola ouvia a professora dizendo que o papel da princesa, da noivinha da festa junina, da flor mais bonita do jardim, não poderia ser meu. Pele escura como a noite, olhos de jabuticaba, cabelos de samambaia não eram elogios que se encontravam para descrever a beleza das mocinhas na literatura.

Sou da geração em que mulheres de todas as cores já estavam sendo educadas para independência financeira - educação que mulheres negras já têm desde sempre, já que nunca foram vistas com frágeis e propensas ao cuidado.

A educação dos homens infelizmente não acompanhou o mesmo processo. Ainda hoje não é raro encontrar homens que enxerguem independência feminina como uma ameaça, ao mesmo tempo em que usam o feminismo como desculpa para mascarar a incapacidade de demonstrar afeto, carinho e sensibilidade.

Relações heterossexuais são complexas dessa forma, mas o romance entre mulheres pode esbarrar na intensidade que leva a decisões precipitadas, brigas sem motivo e abuso — mas sem isso (suspiro), é pleno, profundo, forte, grande.

Quando a vivência romântica feliz e plena não era presente na minha vida (na maioria esmagadora das vezes), eu imaginava, porque na minha fantasia era sempre tudo muito mais ideal e pleno. E dá-lhe anos de terapia para compreender todas as dificuldades de falar e viver o amor numa sociedade doente e bélica como a nossa. E, com valores tão arraigados na competição, na guerra, na misoginia, o amor pena para existir num contexto ao qual definitivamente não pertence.

O lugar do amor não é o da troca, da luta, da força, e é só quando a gente consegue devolver o amor ao verdadeiro lugar que lhe é de direito que é possível vivê-lo em plenitude.

Só quando eu consegui dissociar o amor de um par, de uma situação, de uma disputa é que consegui curtir os prazeres desse amor independente - vou dar um abraço nessa pessoa porque EU QUERO ABRAÇAR, independentemente se você mereça meu abraço ou não, independentemente de você me abraçar de volta ou não.

Meu amor não depende de você, tem amor para caramba em mim e eu demonstro a quem eu quiser.

Independente. E como é bom não sentir condicionado ao que outre sente, como é bom tomar um drink sozinha numa lua cheia ouvindo suas músicas de amor favoritas e sentir o amor, o romance invadir todas as células do seu corpo, respirar fundo enquanto um sorriso escapa e você sente um tesão gigante em ser você.

Não é exagero se eu disser que a Garnet, é minha personagem favorita da cultura pop: ela é sábia, é líder das Cristal Gems e, principalmente, ela é feita de amor, por isso é tão forte. Numa sociedade em que erros, sentimentos, relações são vistas como fraquezas, ela é puro poder - assistam Steven Universo, é sério.

Que apesar das incertezas, das tragédias, dos pesares, a primavera possa fazer com que esse amor que você tem aí te fortaleça e se espalhe, independentemente do resto.