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Xan Ravelli

No lápis, no sapato, na maquiagem: eu quero um "nude" para chamar de meu

Xan Ravelli - Reprodução/Instagram
Xan Ravelli Imagem: Reprodução/Instagram

Colunista do UOL

19/07/2020 04h00

Passamos por aquele momento entre 5 e 7 anos em que aprendemos que para colorir uma figura de pessoa usa-se o lápis cor de pele, não me dei ao trabalho de buscar o Pantone correto, mas é algo entre o rosa, o laranja e o bege.

Lembro que na época a professora me disse que essa seria a cor "perfeita" para colorir barrigas, pernas, pés e rostos humanos representados nos desenhos. Trinta anos depois, minha filha voltou da escola com a mesma lição: novamente o lápis cor de pele sendo a única oferta para que crianças definam "qual é a cor de gente" — aliás ainda sou curiosa para saber como questões raciais são desenvolvidas em cursos de pedagogia para que professores continuem reproduzindo essas machadadas sutis de racismo nas nossas crianças.

Mas para quais pessoas esse nude ou cor de pele é perfeito? No caso do Brasil seria algo entre 7 a 8% puramente caucasiano? De acordo com o último censo amplo do IBGE (2010), somos 51% pretos ou pardos e ainda podemos ser indígenas, asiáticos e brancos de pele com fundo amarelado ou bronzeado como são a maioria dos descendentes de europeus que habitavam a Península Ibérica.

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Faber-Castell amplia gama de produtos para representar vários tons de pele
Imagem: Reprodução

Em 2018, Faber Castell lançou uma linha de lápis com 6 tons de cor de pele antes tarde que nunca. E não adianta eu tentar explicar para quem não é negro, indígena ou asiático, a alegria nos olhos da minha filha ao ver o tom da sua bochecha, barriga, pernas e braços, ser comunicado numa embalagem como cor de pele e não marrom.

Eu me lembro como se fosse hoje desse olhar, porque foi o mesmo olhar que tive em 2013 quando a grife Christian Louboutin lançou a primeira linha de sapatos em tons diversos de nude.

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Coleção "Les Nudes" de sapatos de Christian Louboutin
Imagem: Rerpodução
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Batons e esmaltes nudes da Dailus
Imagem: Divulgação

Desde 2014 pesquiso e catalogo batons, esmaltes e outros produtos de make que têm efeito nude em pele negra e fico muito feliz em observar o aumento nessa oferta em maquiagem e moda. Como a Dailus, que em 2019 lançou a maior linha de batons e esmaltes nudes do mercado nacional, e Liebe que no mesmo ano lançou sua linha nude para todas.

No mês passado fiz mais uma aquisição para minha pesquisa. Inspirada em Lupita N'yongo - que usa e abusa de roupas marrons para reverenciar o tom da sua pele, comprei um belíssimo body.

"Bacana, Xan, olha como as coisas estão melhorando."

Lentamente, mas estão. Algo que me incomoda é a comunicação que algumas empresas ainda utilizam na divulgação desses produtos. Nem meu body adquirido mês passado, nem uma belíssima calça nude que comprei no inicio do ano eram vendidos com essa descrição no site.

No caso da calça, as cores disponíveis eram branco, nude, marrom e preto. Para essa marca, assim como para muitas outras, a minha cor ainda não é a cor de pele, cor de gente, cor ideal para pessoas.

Apesar de forças opostas atuarem ativamente para o contrário, acredito que estamos cada dia mais caminhando para que o mundo seja um local confortável para todes e para isso é necessário atentar aos detalhes —que podem parecer sem importância ou pequenos para pessoas pouco empáticas ou sem conhecimento algum de semiótica.

Mas ou assumimos de uma vez que é necessário pensar em diversos tons de nude na comunicação de maquiagem e moda, ou que essa corzinha entre rosa e laranja ganhe o nome popular e definitivo que melhor lhe couber - salmão, bege rosado ou sei lá. Porque "nude não é cor, é conceito" (Christian Louboutin, 2013).

Em outras palavras, que seja nude para todes ou para ninguém. E que essa afirmação seja válida para lápis de cor, sapatos, lingeries e maquiagem.