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Thais Farage

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Sabe aquela roupa parada no armário? Vai ver foi só um look que deu errado

Ser criativa com o próprio armário é um exercício delicioso que rende autoconhecimento  - Photo by Alexandra Gorn on Unsplash
Ser criativa com o próprio armário é um exercício delicioso que rende autoconhecimento Imagem: Photo by Alexandra Gorn on Unsplash

Colunista de Universa

02/07/2022 04h00

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Eu percebi esses dias que eu tenho uma maluquice com roupa e look ruim e vim dividir porque vai que você também tem, né? Eu estava lá fazendo minha revisão semanal de armário (e não, a maluquice não é essa!), quando me dei conta que tem umas roupas que não uso, mas que ainda gosto muito e não consigo desapegar.

Fiquei pensando o que elas tinham em comum porque, como consultora de moda, acredito piamente que a gente aprende mais sobre o nosso estilo olhando para o que tá lá no armário do que o que não temos ou para referências no Pinterest. E não eram as respostas óbvias que eu já conheço, tipo: tecidos que amassam muito (odeio, nem compro), roupas que ficaram pequena pós o nascimento do Tom, coisas que precisam de algum ajuste e eu ainda não dei jeito, caimento esquisito?

Não era nada disso e, ao mesmo tempo, eram umas roupas que eu gostava, adorava, achava linda e no fim do dia não usava. E tome nota: eu não sou apegada, tá, eu dou muita roupa, empresto, troco com amigas, vendo?. Eu sou bem tranquila, mas tinham lá essas peças que estavam num limbo, coitadas.

Finalizando o mistério e dividindo a minha loucura, o que eu percebi é que cismo com uma roupa quando monto um look com ela e o look dá muito errado. Parece perfume ruim que cola na roupa e eu não consigo tirar mais: olho para ela e só vejo aquele look ruim, ele me cega e eu, que vivo de pensar outros jeitos de usar uma mesma peça, fico completamente incapaz.

Tem uma camisa que eu gosto muito, ela é do João Pimenta —se você não conhece, vale o Google. Ela é de um algodão delicioso e tem uma manga bufante belíssima; um equilíbrio bem lindo de masculino e feminino, que eu a-m-o. Mas eu usei a bendita camisa pra fazer uma foto para algum evento, palestra, não lembro mais, e, na época, eu tava com um corte de cabelo que odiei. Além disso, na foto, eu to num fundo rosa que meodeus, por quê? Eu fiz uma cara de boba na foto e, pra piorar, eu tava na época fechando minha empresa, sentindo uma dor danada. Fato é: eu olho pra camisa e lembro imediatamente da maldita foto. E aí contaminou, eu nunca mais nem coloquei a bendita no corpo, ela fica lá, abandonada no cabide.

Eu percebi isso também com uma minissaia que usei pra ir num show que deu tudoooo erradoooo e toda vez que ameaço vestir a saia me vem a sensação daquele dia e, sinceramente, comecei a entender as pessoas que acham que uma coisa dá sorte ou azar. Eu sou zero jovem mística então realmente tenho dificuldade com o tema, mas uma roupa que te lembra coisas ruins, sério, não ajuda.

Essa é a minha loucura. Minhas roupas contam histórias e nem sempre a história é boa.

Eu não tenho a nóia de roupa usada, sabe? Gente que não compra em brechó porque "sei lá de quem foi essa roupa". Eu confio plenamente que pessoas abomináveis e eu temos gostos completamente diferentes e eu jamais me interessaria por uma peça que já foi o grande amor do Bolsonaro, por exemplo. Não tem chance. A crise é também estética e tem um mar visual entre nós. Para além disso, confio plenamente na água e sabão, não ligo, não penso, não acredito que roupa carrega uma memória própria.

Sou eu que dou significado a cada item e comprar em brechó é, pra mim, um jeito lindo de fazer meu acervo pessoal ter mais vida. Eu adoro roupa com vivência, a roupa que só existe uma unidade porque fui eu, com o meu olho de lince, que achei aquela peça lá no meio da multidão.

A camisa vai ganhar outra chance, agora que entendi o problema, tô confiante. A saia, que viveu um dia horroroso comigo, vai embora. Eu não preciso ficar relembrando esse dia e confio que a saia vai viver muito melhor em outro armário.

E pode parecer um tiro no pé contar aqui que eu monto looks que depois me arrependo e, no mesmo texto, admitir que tenho peças sem usar no armário. É um contrassenso com o meu trabalho, né? Não é. Eu só sou muito boa no meu trabalho porqueeu passo pelas mesmas questões que as minha clientes -a única diferença é que tenho mais ferramentas para resolver. Não tem milagre, não tem armário perfeito e quem nunca se arrepende de uma coordenação de roupa é porque nunca fez nada original, usa sempre a mesma coisa todo dia. E eu tô muito confortável com o erro, quero testar muito e me divertir com as minhas roupas, se isso inclui um look equivocado vez ou outra? Eu topo.

Enfim, olha aí para suas roupas que não dão um rolê há muito tempo e pensa: será que você montou um look muito ruim com ela e a ideia contaminou a roupa? Descontamina. Pega umas referências e tenta de novo outros jeitos, constrói outras memórias, passa outro perfume. Ser criativa com o próprio armário é um exercício delicioso que rende muito autoconhecimento -e custa zero.